Por Eduardo Magossi — De São Paulo
24/04/2024 05h02 Atualizado há 4 horas
Cerca de 21% da dívida corporativa americana “high yield”, de mais retorno e maior risco de crédito, terá que ser refinanciada nos próximos três anos. Com a queda dos juros durante a pandemia, muitas empresas aproveitaram para fazer uma emissão recorde de títulos, que começarão a vencer a partir do próximo ano, em um cenário de taxas muito mais elevadas. Desde o início do ciclo de alta de juros, as taxas americanas saíram de perto de zero para o patamar de 5,25% a 5,50%. “Muitas empresas vão começar a sentir o impacto do aperto monetário a partir deste refinanciamento, o que pode provocar um aumento nos defaults”, avalia a estrategista-chefe global da gestora Principal Asset Management, Seema Shah.
Embora um aumento expressivo na inadimplência não seja seu cenário-base, Seema acredita que esse ambiente vai impedir que muitos investidores aumentem sua exposição ao crédito. Segundo ela, com exceção dos segmentos de menor qualidade do espectro de crédito – que vai desde “junk bonds” (com grande probabilidade de calote) até “investment grade” (grau de investimento), apenas um degrau acima do high yield em termos de qualidade -, a maior parte será capaz de escalar o chamado “muro da dívida”.
Esse é o nome dado pelo mercado ao montante de dívida high yield que terá de ser refinanciada entre 2025 e 2035. É quando um volume expressivo, de cerca de US$ 1,3 trilhão segundo o indicador High Yield do Barclays, precisará ser rolado, a grande maioria de emissões com o “carimbo” high yield, de empresas com notas de crédito BB e B.
“Desse total, cerca de US$ 330 bilhões vencem entre 2025 e 2027, o maior volume de vencimento inicial de um muro da dívida na história recente”, disse ela em entrevista ao Valor. O maior volume, perto de US$ 500 bilhões, vence entre 2028 e 2029. “Para contexto, em 2023 foram emitidos US$ 176 bilhões de dívida high yield e, em 2024, até o momento, foram emitidos US$ 90 bilhões.”
Alguns fatores fundamentam a expectativa da estrategista de um número menor de defaults do que o registrado em períodos de juros elevados. Em primeiro lugar, ela destaca a resiliência da economia dos EUA, o que tem mantido os spreads de crédito de high yield apertados. “Isso é reflexo do fato de que, apesar da alta nos juros, o mercado de crédito está com fundamentos fortes, amparado pela expectativa de que o Federal Reserve [Fed, banco central dos EUA] vai levar a economia a um pouso suave.”
Ela destaca que os resultados das empresas permanecem sólidos, em um momento em que estão com seus caixas lotados. “Isso faz com que o setor corporativo esteja se beneficiando tanto de balanços positivos como de um cenário econômico firme, o que reduz o risco de que o refinanciamento da dívida se torne muito oneroso”, afirma.
Seema lembra que os custos de refinanciamento sempre são maiores para credores de alto risco. “Mas o muro da dívida tem um viés qualitativo elevado, composto principalmente de emissores BB e B”, disse. “Custos maiores de refinanciamento podem reduzir a capacidade de alguns credores de maior risco de rolar dívida e elevar os defaults nesse nicho, mas para o mercado de crédito como um todo o muro da dívida não deve provocar muitos estragos”, avalia.
Segundo ela, os setores que terão mais dificuldades para se refinanciar serão o de telecomunicações e mídia, devido a desafios recorrentes. “O volume da dívida a vencer está bem diversificado, com as maiores partes nos setores de tecnologia, energia, financeiro, saúde e jogos.”
Nem o cenário de o Fed adiar o início do afrouxamento monetário deve se tornar um risco. “O mercado de novas emissões de high yield mostrou uma força notável no início do ano e tem sustentado esse pulso nas últimas semanas, principalmente depois do recuo do Fed no corte nos juros”, disse. Embora Seema acredite que esse ajuste do Fed não terá impacto duradouro no processo de refinanciamento, poderá haver uma desaceleração temporária entre as empresas para melhor gerenciar vencimentos futuros “em resposta ao avanço dos rendimentos dos Treasuries”. “Mas, apesar disso, a demanda dos investidores segue firme.”
Segundo ela, o maior risco seria o mercado primário fechar devido a algum evento macroeconômico imprevisto. O cenário-base da estrategista é de uma desaceleração modesta da economia americana e cortes graduais de juros a partir da metade de 2024, mas um pouso suave não é um resultado dado como certo.
Mesmo em um cenário de economia aquecida e inflação acima da meta de 2%, o resultado não seria trágico. “Embora seja verdade que as empresas terão que empregar uma fatia maior de sua receita no pagamento de juros se o Fed voltar a apertar, a força subjacente da economia também vai se refletir na melhoria dos fundamentos da empresa, colocando-as em posição mais forte para lidar om os custos mais altos.” Para ela, historicamente, são raros os problemas de crédito quando o aperto monetário simplesmente reflete uma economia forte.
Fonte: Valor Econômico

