Por Ricardo Mendonça — De São Paulo
22/12/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
A autorização para aumento dos salários do presidente da República, do vice, de ministros de Estado e de parlamentares, norma aprovada pela Câmara dos Deputados anteontem, mesmo sem impacto fiscal ameaçador, é inconveniente do ponto de vista das prioridades e daquilo que sinaliza para a sociedade, segundo economistas que acompanham as contas públicas ouvidos ontem pelo Valor.
Num cenário de severas restrições orçamentárias, os beneficiários da medida, todos eles membros das cúpulas dos Poderes, não são os brasileiros que mais carecem. Num ambiente de incerteza econômica, o momento escolhido para a concessão é o pior possível, de acordo com analistas ouvidos.
Nesta quarta, após aprovar o reajuste para R$ 46,4 mil mensais à cúpula do Executivo e para os parlamentares, a Câmara aprovou também um aumento para ministros Supremo Tribunal Federal (STF), logo em seguida confirmado pelo Senado.
A poucos dias do fim do ano, o aval para os reajustes ocorre no momento de troca de governo, em meio a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, com impacto fiscal bem mais relevante, e também no contexto de montagem do Orçamento para 2023. O reajuste aos magistrados era uma condição necessária para destravar os demais aumentos, já que o pagamento aos membros da cúpula do tribunal é o que determina o teto de remunerações no setor público.
“Eu diria que a decisão é, no mínimo, questionável, pois o país está vivendo uma série crise fiscal e a economia vem em declínio”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, hoje sócio da consultoria Tendências.
“Não é hora de atualizar salário de parlamentar, eles deveriam ser os primeiros a dar o exemplo”, completa.
Para Maílson, o impacto estimado da medida, de cerca de R$ 2,5 bilhões, não chega a ser tão relevante diante do tamanho do Orçamento. Mas a medida, prossegue, é “muito ruim do ponto de vista simbólico”.
“O sistema político brasileiro não se preocupa muito com a questão orçamentária. E o Congresso tem historicamente uma postura pró-gasto. Falam em responsabilidade fiscal, mas para alguns é uma responsabilidade fiscal só de slogan. A PEC da Transição está sendo aprovada nesse clima. Os relatórios do gabinete de transição vão na mesma linha”, reclama. “Agora o Congresso pega carona nisso para aumento dos próprios salários.”
O também economista Claudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria e ex-consultor do Banco Mundial, tem opinião semelhante. O aumento dos salários se justificaria, argumenta ele, se o país estivesse numa situação fiscal razoável. “Não é o caso. Estamos em crise fiscal permanente”. Isso, segundo ele, comprova a incapacidade dos dirigentes de priorização de uso dos recursos públicos e uma “péssima sinalização” para todo o resto da sociedade.
Frischtak afirma que a mesma crítica pode ser aplicada ao governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que apoiou aprovação de projeto da Assembleia Legislativa, votado há poucas semanas, que estabelece aumento de 50% nos salários de toda a elite do funcionalismo paulista. “É a mesma situação, valem os mesmos pressupostos”, afirma. E o fenômeno não ocorre só em São Paulo. Um aumento para o governador do Rio Claudio Castro (PL), o vice e secretários estaduais está em tramitação na Assembleia Legislativa fluminense.
Juliana Inhasz, coordenadora do curso de economia do Insper, reconhece que servidores em geral estão com salários defasados, “mas estão fazendo isso agora para beneficiar somente aqueles que já têm os salários mais altos no setor público.” Ela também ressalta que o impacto fiscal da medida “pode não ser tão alto” na comparação com a PEC da Transição. “Mas não é neutro, tem uma escolha feita”.
E, assim como os colegas, destaca a inconveniência da sinalização que passa à sociedade. “Mais uma vez são políticos legislando em causa própria”, diz.
Os três economistas ressaltam ainda que membros das cúpulas dos Poderes “já ganham muito”, valores bem mais altos do que a média dos trabalhadores brasileiros. Isso, afirmam, torna o aumento ainda mais reprovável.
Fonte: Valor Econômico

