Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
22/06/2023 05h01 Atualizado há 24 minutos
O Banco Central buscou manter a porta aberta para um corte de juros na reunião de agosto, mas também quis reduzir expectativas para uma baixa maior da taxa Selic, avalia o economista-chefe da XP Asset, Fernando Genta, sobre o comunicado da decisão do Copom. O especialista considerou o tom da autoridade mais cauteloso do que esperava.
Na visão dele, o BC tende a iniciar o ciclo de queda da Selic em agosto com um corte de 0,25 ponto percentual. “O quadro inflacionário melhorou na margem, mas ainda recomenda cautela e parcimônia. Vejo um BC que busca não fechar as portas para um corte em agosto, mas busca reduzir as expectativas de que seria um movimento na casa do 0,50 ponto.”
Valor: O que mudou entre as últimas reuniões do Copom?
Fernando Genta: Se a gente olhar não só o comunicado, mas a evolução das projeções de mercado e os preços dos ativos entre ‘Copoms’, temos quadro bem mais favorável [de inflação]. Já tivemos melhora relevante das expectativas de mercado pelo Focus. Os preços dos ativos também vem refletindo uma baixa de riscos com aprovação do arcabouço. Além disso, por mais que a gente veja movimentos globais de câmbio, vemos o real girando em casa de R$ 4,80 por dólar. Apenas algum tempo antes [na época da reunião anterior do Copom, em maio], o mercado e as taxas de juros pareciam precificar um erro de política monetária, com os juros futuros refletindo um cenário de corte [da taxa Selic] com inflação alta. Mas agora vemos uma precificação de corte com fechamento relevante de inflação, ainda acima da meta, mas com queda.
Valor: O BC sinaliza o início do corte de taxas na próxima reunião?
Genta: Na decisão de ontem, vimos o BC lembrando que as expectativas [de inflação] de médio e longo prazos estão bastante desancoradas. Além disso, a autoridade fez questão de enfatizar que as quedas recentes do IPCA em 12 meses devem ser parcialmente revertidas no segundo semestre. Os núcleos de inflação [preços menos voláteis e mais sensíveis à política monetária] estão acima do centro da meta e não tiveram o mesmo grau de desaceleração do IPCA cheio ou das projeções de IPCA cheio. O quadro inflacionário melhorou na margem mas ainda inspira cautela.
Valor: O BC pode esperar mais para começar o ciclo de baixa?
Genta: Vejo um BC que busca não fechar as portas por um corte em agosto, mas busca reduzir as expectativas em relação a uma baixa maior [da Selic], de queda de 0,50 ponto percentual em agosto. A gente tinha uma expectativa de que as projeções do modelo do BC viriam mais favoráveis, com projeção de IPCA em 2024 ao redor de 3,2%, mas o BC colocou 3,4% [no cenário de referência para o próximo ano]. Resta saber o que está por trás disso, por exemplo, se revisou para cima o juro neutro [patamar que não impulsiona a inflação].
Valor: Mas já existem condições de o BC iniciar o ciclo de cortes?
Genta: O BC elencou uma série de condições para iniciar o ciclo de queda da Selic. Pareceu com o Copom do Ilan [Goldfajn, que presidiu a autoridade entre 2016 e 2019] na reunião antes de iniciar o ciclo de cortes em agosto de 2016. Na época, o comunicado apresentou três condicionantes para iniciar as baixas. No momento atual, o BC sinaliza querer ver uma melhora adicional das expectativas de inflação de médio e longo prazos. Ainda estão muito elevadas e no patamar atual a autoridade fica desconfortável em começar um corte. Se o Conselho Monetário Nacional [CMN] manter a meta [de inflação para 2024] em 3% é possível vermos mais arrefecimento das expectativas e, com isso, conforto maior para o BC começar o ciclo.
Valor: Quais são as condicionantes para uma decisão de afrouxamento de política monetária?
Genta: As condições seriam o CMN manter a meta de 3%, não mudar isso. Além disso, as expectativas de médio e longo prazos têm de recuar. Não precisa ser para a meta, mas precisam recuar. O que o BC parece estar falando é que a curva [atual] de Selic no Focus não entrega a inflação na meta no horizonte relevante. Com as expectativas e projeções onde estão atualmente acredito que o BC não iniciaria um corte. Ainda será necessário ocorrer uma nova rodada de arrefecimento das expectativas.
Valor: Qual o cenário-base de juros e inflação para a XP Asset?
Genta: Nós temos uma projeção de IPCA para 2024 entre 4% e 4,2%. Temos um cenário de corte de Selic entre 1,5 ponto e 1,75 ponto neste ano, ou seja, um queda de 0,25 em agosto, seguida de outra de 0,25 e mais duas de 0,5 ponto. Ou ainda um corte de 0,25 e mais três de 0,5. Em termos de taxa terminal, vemos a Selic em 10% [ao ano]. Isso porque a expansão permanente do gasto público e o retorno de política de reajuste real do salário mínimo vão exigir que a economia rode com um juro um pouco mais alto do no período pré-covid.
Valor: Quais são os riscos de alta para a inflação?
Genta: O cenário continua desafiador. Entre esta última e a próxima reunião do Copom temos de monitorar as expectativas e o comportamento dos núcleos de inflação. O mercado de trabalho continua muito forte. Com tudo o que já subiu de juros ainda temos projeção de crescimento de 2,5% do PIB neste ano. Por mais que o ministro [da Fazenda, Fernando Haddad] consiga avançar na agenda fiscal, a expansão do gasto vai tornar a inflação de serviços mais difícil [de lidar]. Mas o comunicado sinaliza que o BC pode cortar em agosto. O Copom trocou a avaliação de dúvida sobre se a Selic ‘flat’ conseguiria colocar a inflação convergindo para a meta por outra de que o juro tem se mostrado capaz de fazer a inflação convergir. Ou seja, o comunicado prepara o pouso, que, no começo, vai ser bem suave.
Fonte: Valor Econômico

