Aportes em startups atingiram US$ 327 milhões, o maior desembolso do ano, mas ainda longe da euforia de 2021
Por Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
06/09/2023 05h00 Atualizado há uma hora
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Os investimentos de fundos de venture capital (VC), que fazem aportes em empresas iniciantes (“startups”), voltaram a crescer em agosto, depois de reportar em julho seu mais baixo desempenho desde 2018, de acordo com a Distrito. O respiro pode ser um passo para a retomada do setor, que ainda parece incerta para parte dos gestores ouvidos pelo Valor, embora haja movimentos recentes de captações de tradicionais fundos e novas rodadas para em companhias já estabelecidas.
Em agosto, fundos de VCs aportaram US$ 327,2 milhões (R$ 1,5 bilhão) em startups, 78% mais que no mesmo mês de 2022. Os aportes do mês passado foram os maiores realizados pelas gestoras neste ano. Em número de rodadas, o salto foi pequeno, de 39 para 41 negócios, o que significa que os cheques foram mais polpudos em agosto – dois deles, para Gympass e Nomad.
Os dados até julho mostravam um cenário mais magro para as startups, reflexo da crise no setor que atingiu companhias em diversos estágios de crescimento, incluindo os potenciais unicórnios, diante da alta de juros ao redor do mundo.
Agora, no acumulado dos oito meses primeiros do ano, os investimentos dos VCs nas startups somaram R$ 5,9 bilhões. O volume é o menor dos últimos quatro anos para o período. Em relação ao intervalo de janeiro a agosto do ano passado, a queda foi de quase 70%. Em 2021, pico da euforia no mercado, os desembolsos chegaram a R$ 36,2 bilhões até agosto.
Gustavo Gierun, sócio da Distrito, começa a ver uma depuração nesse mercado para os próximos meses, apesar de os investidores ainda não terem uma base para dizer se o pior já passou. “Provavelmente estamos em um momento único para investimento em venture capital no Brasil. Após o recente ajuste do mercado, teremos empreendedores mais resilientes, empresas mais sólidas, ‘valuations’ [avaliações de mercado] mais racionais e investidores mais disciplinados construindo, em conjunto, negócios que irão, de fato, transformar a sociedade.”
Depois do “boom” de investimentos em empresas de tecnologia, os fundos VCs passaram a remarcar os valores das startups. Desde então, parte das companhias passou por rodadas de captações via ações em que tiveram queda em sua avaliação (os chamados “down rounds”). Outras buscaram se financiar por dívidas (“venture debt”). Uma parcela busca reestruturação financeira para evitar recuperação judicial.
Foi o caso da JustForYou, que tem a farmacêutica Eurofarma, por meio de seu fundo de investimento Neuron, como uma das investidoras e maior credora. A “beautytech”, que trabalha com cosméticos especializados para cabelos, entrou em recuperação judicial em julho com dívidas de R$ 26 milhões. A companhia informou que está em conversas com investidores de venture capital e de “special situations” [voltados a ativos em dificuldades] para apresentar solução aos seus credores.
Na Kaszek, que tem entre seus fundadores dois executivos do Mercado Livre após a captação de cerca US$ 1 bilhão para América Latina neste ano, metade para o Brasil. A gestora ainda tem uma sobra de US$ 250 milhões de captações antigas e ainda não investidas, o chamado “dry powder”, ainda sem destino certo.
Após o ajuste do mercado, teremos empreendedores mais resilientes, empresas mais sólidas”
— Gustavo Gierun
Hernán Kazah, um dos sócios da Kaszek, vê muito grupos ainda recebendo “down rounds”, mas diz que o mercado deve voltar nos próximos meses com os ativos em valores mais realistas. “Passamos por um pico de otimismo quando achamos que a tecnologia iria resolver tudo, entre 2020 e 2021. Depois para um momento menos eufórico, com todo mundo fazendo as contas e empresas fazendo cortes”, diz lembrando que muitas companhias fazendo ajustes.
“A era do dinheiro fácil não dura para sempre. A gente tem visto alguns movimentos agora de retomada, mas ainda é difícil dizer se chegamos ao fundo do poço. Acho que parou de piorar”, afirma Renato Mendes da gestora Iporanga. O novo fundo de captação pretende levantar cerca de US$ 100 milhões.
Na Mandi Ventures, que tem como foco em investimentos em startups de alimento e agriculturas em estágio inicial, o momento é de cautela. Além dos setores de “agritech” e “foodtech”, o fundo tem começado a olhar soluções tecnológicas na área têxtil sustentável. Cerca de 70% dos US$ 30 milhões captados em 2020 para empresas no Brasil e exterior não foram investidos ainda.
“Ainda tem muita gente lá fora com água até o pescoço. A Mandi não vai deixar de ser diligente. Aqui somos cautelosos e realistas”, afirma Antonio Moreira Salles, um dos sócios da gestora. No país, a Mandi fez aporte na empresa de crédito agrícola Tarken. No exterior, está investida nas francesas Mium LAB e ex-Les Miraculeux (de balas gelatinosas voltadas para saúde), na americana Farmers e na inglesa Multus Media.
Segundo Salles, a Mandi não faz investimento a qualquer custo, explicando o porquê de ainda não ter boa parte de sua captação investida. A gestora acredita que os setores de alimentos e agronegócio têm espaço para empresas disruptivas. “Temos também olhado o segmento de novos materiais para a indústria fashion, como substitutos para o algodão ou couro.”
Gierun, da Distrito, lembra que classes de ativos passam por ciclos econômicos e políticos e, que depois do ciclo recente de contração, vê 2023 como um ano de eficiência operacional de startups que passaram por dificuldades. “Ajustes nas empresas e novas demissões poderão ocorrer porque ainda há sempre gorduras para queimar.”
Para Gierun, contudo, com o mercado ajustado e as empresas com “valuation” corrigidos, um novo ciclo para investimentos vai ocorrer nos próximos meses.
“Todo mundo teve de passar por ajustes. Não sei dizer se essa fase já passou. Mas vejo os volumes do ‘early stage’ [série A] mais resilientes e os de ‘growth’ [crescimento] voltando”, diz Paulo Passoni, ex-SoftBank, e atual sócio-diretor da Valor Capital.
Segundo Passoni, o mercado está voltando. “Mas não há mais espaço para múltiplos insanos. E, nesse aspecto, investidores que miram mercado privado, têm feito correção. Não vejo os ‘down rounds’ como ruins. Os valuations de 2021 estavam errados.”
Passoni lembra que a fintech brasileira Nomad, que oferece conta bancária nos EUA, recebeu no mês passado um aporte de US$ 61 milhões, numa das maiores operações do segmento na América Latina neste ano. A companhia foi avaliada em R$ 1,8 bilhão, de mais de R$ 1 bilhão na rodada anterior, em maio do ano passado. Para Passoni, a Nomad é um exemplo de que a retomada está por vir.
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Fonte: Valor Econômico