Por Felipe Laurence e Victoria Netto — De São Paulo
27/04/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
Os resultados das empresas no primeiro trimestre devem seguir a tendência de deterioração vista no segundo semestre de 2022, em meio ao cenário de juros altos e inflação no Brasil e no mundo. Alguns setores devem, no entanto, sair-se um pouco melhor na fotografia, porque serão favorecidos pela comparação anual.
O movimento de alta nas despesas financeiras, que apareceu com mais força nos balanços dos seis meses finais de 2022, foi impulsionado pelos juros ainda em patamares elevados e deve continuar a corroer as margens das companhias neste ano. Já o desempenho operacional, segundo os analistas ouvidos pelo Valor deve, no geral, manter-se relativamente estável.
“A expectativa para mercados emergentes como um todo, incluindo o Brasil, é de uma temporada com resultados negativos”, diz Emy Shayo, estrategista de ações para Brasil e América Latina do J.P. Morgan. Em sua visão, além dos juros altos, que acabam impactando empresas do setor doméstico, os preços de commodities também não foram favoráveis nos três primeiros meses do ano.
A Vale, que divulgou seus resultados na noite de ontem, já mostrou esses sinais de deterioração nas commodities. Além de uma queda nas vendas do minério de ferro, o preço realizado caiu US$ 32,8 a tonelada, para US$ 108,6, o que pesou nos números da segunda maior empresa por valor de mercado da B3.
A Usiminas teve resultados de primeiro trimestre melhores que o esperado, com uma recuperação sequencial nos volumes de aço, em linha com as expectativas dos analistas para o setor de siderurgia. No entanto, executivos da siderúrgica disseram durante teleconferência com analistas que as margens devem permanecer pressionadas em meio ao cenário de custos elevados, que não deve manter-se nos próximos períodos.
No caso da Petrobras, o corte na produção do petróleo realizado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no fim de março, para sustentar os preços, não deve gerar impactos significativos no primeiro trimestre. No entanto, a perspectiva de preços maiores, com o Citi estimando o barril a US$ 84 no fim do ano, melhora a situação da companhia.
“A tendência é que vamos ver um primeiro trimestre neutro, o cenário macroeconômico não mudou radicalmente no início do novo governo, o que deve manter um crescimento de receitas mais lento, pressão nas margens, com as empresas mostrando suas tentativas de otimização de estrutura de capital”, afirma Victor Penna, diretor de pesquisa do BB Investimentos.
Em sua visão, com o acesso a crédito limitado, com o mercado também impactado pela crise da Americanas, no início de janeiro, as companhias tiveram que partir para soluções internas, com iniciativas de ajustes nos custos, como redução da força de trabalho e refinanciamento de dívidas, para tentar impulsionar sua lucratividade nos três primeiros meses do ano.
O setor aéreo, com base de comparação fraca, é um dos que devem vir com balanços melhores no primeiro trimestre, com Azul e Gol já tendo anunciado reestruturação de dívidas e aportes para tentar afastar riscos de liquidez. A Hapvida, do setor de saúde, foi outra que fez movimento semelhante, com a família controladora ancorando uma oferta de ações e comprando imóveis para injetar dinheiro na companhia.
Na construção civil, a expectativa é que o segmento de baixa renda tenha resultados melhores. A XP avalia, em relatório deste mês, que as companhias desse nicho devem manter boas tendência de demanda, impulsionando os lançamentos e vendas líquidas. Contudo, a dinâmica de consumo de caixa para algumas empresas aparece como um ponto de atenção, escreve o analista Ygor Altero.
As prévias operacionais divulgadas nas últimas semanas sustentam essa avaliação, com números considerados positivos de companhias como Cyrela, MRV, Cury, EZTec e Plano&Plano. Em relatório, o BTG Pactual observa que os resultados operacionais da Direcional no primeiro trimestre reforçam que as construtoras no segmento econômico devem ter bom desempenho neste ano.
O estrategista para pessoa física do Itaú BBA, Victor Natal, diz que as empresas com alta sensibilidade aos juros devem sofrer mais no trimestre, como as de consumo e varejo. Ele lembra que a percepção de risco em relação ao Brasil aumentou nos primeiros meses do ano, em meio à desconfiança com o quadro fiscal, o que resultou em abertura na curva de juros.
Em relatório recente, o BTG observou que os resultados das varejistas no primeiro trimestre devem seguir as tendências de deterioração macroeconômicas vistas no período encerrado em dezembro. As iniciativas realizadas para otimizar custos deve gerar mitigar parcialmente o impacto do cenário ruim, mas não a ponto de mudar a percepção do mercado sobre o setor, afirma o banco.
Neste cenário, as preferências dos analistas se mantêm com companhias inseridas no consumo discricionário de alta renda e de consumo mais habitual, que possuem maior poder de repasse da inflação e baixa elasticidade na demanda, tornando os resultados mais previsíveis. A racionalização do setor trazida pela crise da Americanas pode gerar ganho de margens.
O principal catalisador para a bolsa brasileira neste ano, aliás, é corte de juros pelo Banco Central, o que pressupõe um alívio da inflação, avalia Aline Cardoso, estrategista institucional de ações do Santander. O banco prevê que as reduções devem acontecer a partir de novembro, mas diz que se a nova âncora fiscal trouxer segurança, o movimento pode iniciar antes – o que deve trazer alívio, sobretudo, para empresas expostas à economia doméstica.
Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos, nota que um eventual movimento de corte nos juros tem um efeito mais demorado nos resultados das companhias. “As empresas vão mostrar resultados das ações de redução de custos e despesas, mas a alavancagem vai continuar sendo uma preocupação no primeiro trimestre”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

