A tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos a produtos importados do Brasil gerou uma série de fatores negativos para os ativos brasileiros ao longo das últimas semanas e fez com que os mercados de juros voltassem a exigir um prêmio de risco mais elevado. As taxas de longo prazo foram o ativo doméstico mais penalizado, em uma dinâmica que pode se intensificar em meio à incerteza quanto à evolução do conflito comercial e enquanto persistem dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública brasileira, que impedem um alívio mais expressivo nos juros de longo prazo.
No acumulado de julho, o dólar sobe 1,59% contra o real e o Ibovespa recua 3,63%. Já nos juros de longo prazo, há uma deterioração ainda mais relevante: desde o início do mês, a taxa do DI para janeiro de 2035 passou de 13,27% para 13,91% – uma alta de 4,82% em um intervalo curto de tempo. Esse movimento, inclusive, tem provocado um aumento da inclinação da curva de juros, já que as taxas longas subiram bem mais que as curtas.
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Ontem essa dinâmica se repetiu e, no fim da sessão, a taxa do DI para janeiro de 2027 caiu de 14,22% para 14,20%, enquanto entre os vértices mais longos o juro do DI para janeiro de 2031 subiu de 13,72% para 13,77%.
O avanço de medidas do governo federal para mitigar o impacto da tarifação americana reforçaram a percepção de que um acordo entre os países pode não ser alcançado por vias diplomáticas tão cedo. O presidente americano, Donald Trump, disse que apenas países que “não têm um bom relacionamento” com os EUA arcarão com uma taxa de 50%.
Para o diretor de gestão de recursos da Mapfre Investimentos, Carlos Eduardo Eichhorn, as tarifas americanas sobre as exportações brasileiras foram um “elemento adicional” em meio a um quadro fiscal fragilizado que já tendia a pressionar os juros de longo prazo.
“Pensando em cenários, as tarifas podem causar algum estresse no câmbio, que foi superfavorável neste ano e ajudou a dar alívio às expectativas de inflação do relatório Focus”, enfatiza. Caso isso ocorra e afete a inflação, Eichhorn diz que pode haver alguma reprecificação no mercado que indique uma continuidade da desancoragem das expectativas, o que deixaria os juros em patamar restritivo por ainda mais tempo.
Além disso, o profissional da Mapfre afirma que as tarifas podem ter impacto sobre o crescimento econômico, o que indica uma arrecadação menor à frente, além de riscos maiores em um momento no qual o Brasil já tem problemas internos relevantes na seara fiscal. “Mesmo sendo um fator externo, acrescenta riscos em algo que já era cercado de problemas internos. O Banco Central pensa que terá de segurar isso e, com projeções refeitas, pode ter de manter a política monetária restritiva por mais tempo.”
O responsável pela mesa de títulos públicos da tesouraria do Bradesco, Leonardo Locatelli, diz acreditar que a reprecificação dos juros futuros e o consequente aumento da inclinação da curva resultam da surpresa do mercado com as tarifas dos EUA sobre o Brasil. Até o dia 9 de julho, quando a Casa Branca anunciou a taxa, muitos agentes se posicionavam aplicados nos juros futuros – ou seja, apostavam na queda das taxas nominais.
Àquela altura, tanto investidores locais quanto estrangeiros focavam na perspectiva de fim do ciclo de aperto monetário, o que foi reforçado por dados mais fracos de atividade econômica e de inflação desde o Comitê de Política Monetária (Copom) de junho.
“O mercado refletiu isso com um achatamento da curva de juros [queda mais firme dos juros curtos em relação aos longos]. Houve uma congruência de fatores que apontavam para a retirada de prêmios da parte longa da curva e essa história positiva foi bruscamente interrompida pela tarifa dos EUA ao Brasil”, define Locatelli.
De acordo com ele, o que ocorreu nas últimas semanas foi uma correção após o mercado se deparar com um posicionamento técnico ruim. “Foi a justificativa para zerar posições aplicadas nos juros nominais de longo prazo.”
O embate entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na questão tarifária tem dado apoio à taxa de aprovação do governo e melhorado a perspectiva eleitoral do petista para o ano que vem, conforme mostraram pesquisas recentes da AtlasIntel e da Genial/Quaest. Com isso, a expectativa de parte do mercado por uma mudança na condução da política econômica a partir de 2027 foi parcialmente frustrada, o que também ajuda a explicar o movimento negativo dos juros de longo prazo nas últimas semanas.
“A popularidade do presidente Lula tem melhorado, à medida que ele tenta negociar a retirada de barreiras tarifárias e não tarifárias. Isso importa porque o Brasil terá eleições no próximo ano, e entender os futuros programas fiscais é importante”, destaca Mario Robles, chefe de estratégia de juros para América Latina do HSBC.
Para Robles, a volatilidade dos mercados de juros pode permanecer elevada “até que os programas fiscais sejam divulgados”, o que levou o HSBC a elevar sua projeção para o juro longo do Brasil. O banco, agora, prevê a taxa de dez anos em 14% no fim deste ano e em 12,5% em 2026. Antes, a expectativa do HSBC era que o juro longo terminaria o ano em 12% e chegaria ao fim de 2026 em 10,4%.
Eichhorn, da Mapfre Investimentos, também vê os problemas fiscais do país como um fator preponderante para o desempenho recente dos mercados de juros. “Haverá uma necessidade adicional de ajustes para 2027 porque, até lá, fica complicado o cumprimento do arcabouço fiscal. E existe, ainda, uma expectativa dada pelo próprio governo de piora no perfil da dívida pública ao longo dos anos. Isso ajuda a explicar uma parte da alta recente da curva.”
Eichhorn lembra que medidas de aumento de arrecadação foram recebidas com resistência recentemente e acredita que ações que ataquem o lado dos gastos podem provocar uma melhora na percepção de risco. “Teremos eleição no ano que vem e o mercado ficará voltado às propostas fiscais. Se tivermos alguém reformista bem colocado, é possível haver uma reprecificação dos juros longos, já que o mercado pensará que, se essa pessoa for eleita com esse conjunto de medidas, o perfil de endividamento irá melhorar”, diz. “Mas, hoje, falamos em um cenário de incerteza e de deterioração fiscal à frente.”
As incertezas quanto à condução da política fiscal não se restringem ao cenário doméstico, destaca o gestor de renda fixa Carlos Mello, da Asset 1. Para ele, a fragilidade do perfil da dívida local fica ainda mais evidente quando os investidores acompanham outras economias com problemas similares.
Nos últimos dias, os juros de longo prazo no Japão têm tocado os maiores níveis desde 2008 e alguns vencimentos se aproximam de máximas históricas, enquanto nos EUA o rendimento do papel de 30 anos não consegue se afastar dos 5%, no momento em que a condução da política fiscal também está em xeque nas economias desenvolvidas. “E as nossas taxas longas sofrem essa influência, o que é normal, dado que nossa dívida/PIB está na faixa de 80%. Temos de lidar com esse financiamento de dívida em algum momento”, avalia.
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É nesse sentido que, embora a Asset 1 veja algum espaço para uma distensão monetária devido ao nível bastante restritivo da Selic, a gestora tem mantido posições que ganham com um aumento da inclinação da curva de juros, embora de forma bastante tática. “Estamos aplicados em juros mais curtos e, pontualmente, abrimos posições tomadas [aposta na alta] nas taxas mais longas, mas fazemos isso de forma bem mais tática”, diz. “Isso não significa que vemos o prêmio de risco embutido nos juros longos como sendo alto.”
Fonte: Valor Econômico
