Por Lu Wang e Denitsa Tsekova, Bloomberg
10/04/2024 20h32 Atualizado há 10 horas
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Os sinais de que a inflação ainda não deixou de apertar os mercados vêm surgindo há semanas. Mais ainda depois do anúncio do índice de preços ao consumidor (CPI em inglês) mais alto do que o previsto, que fez as ações e os bônus desabarem.
Com a alta recente do ouro, do petróleo e das criptomoedas, em meio a uma nova demanda por proteção (“hedge”) contra a inflação, o relatório do CPI de março foi um golpe para Wall Street. Os rendimentos dos Treasuries de 10 anos superaram 4,5% pela primeira vez desde novembro, enquanto o Standard & Poor’s 500 fechou em baixa de cerca de 1%.
As ações de empresas de energia foram as que tiveram os melhores desempenhos, um lembrete do manual de estratégia pós-pandemia de quando as operações de hedge contra a inflação estavam em alta. O preço do petróleo do tipo Brent voltou a ficar acima dos US$ 90 o barril, com o aumento das tensões geopolíticas.
Com o rali das commodities alimentando pressões maiores sobre os custos, um grupo de investidores começa a duvidar que o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Jerome Powell, conseguirá conceber um “pouso suave” da economia, por meio do qual o ciclo econômico se expanda a um ritmo saudável enquanto a inflação recua.
Em vez disso, uma visão está ganhando força: a de que a corrida dos ativos deste ano — incluindo o boom de muitos trilhões de dólares das ações — está ela própria operando contra a missão de combate à inflação do Fed ao encorajar a generosidade entre os consumidores e os investidores.
“Um problema fundamental para o Fed é que esses ganhos nos preços dos ativos estão ocorrendo com a economia em uma situação de pleno emprego e ainda crescendo moderadamente”, diz Doug Ramsey, diretor de investimentos da Leuthold Group de Minneapolis. “A celebração pelo mercado de ações dos cortes iminentes nas taxas de juros na verdade ameaça esses cortes.”
Depois de o CPI superar as previsões pelo terceiro mês, as ações de empresas mais vulneráveis financeiramente lideraram as vendas, com o espectro de um período prolongado de juros elevados aumentando a pressão sobre seus “valuations”. Um índice de empresas de tecnologia não lucrativas caiu 3,5%, enquanto o índice Russell 2000, de ações de pequena capitalização, recuou 2,5%.
No mercado de bônus, as convicções de que as pressões sobre os preços ainda não foram eliminadas da economia começa a se manifestar na diferença de rendimentos entre os Treasuries e os títulos atrelados à inflação. As chamadas taxas de equilíbrio (breakeven rates) de dois anos subiram de volta para 2,9%, enquanto a versão com prazo de um ano atingiu 4,3%, ambas bem acima da própria meta de inflação do Fed, de 2%.
Com as ações e os bônus movimentando-se cada vez mais em conjunto, investidores de todas as partes estão sendo forçados a buscar proteção. Os gestores de fundos hedge aumentaram suas apostas na alta do ouro para o maior nível em quatro anos, segundo mostraram dados semanais da CFTC sobre os futuros e opções, antes do anúncio do CPI. Gestores de recursos aumentaram as posições compradas líquidas de petróleo Brent e WTI para o nível mais elevado em mais de seis meses.
O petróleo Brent subiu mais de 1% para ser negociado acima de US$ 90 o barril, depois que a Bloomberg News noticiou que os EUA e seus aliados acreditam que grandes ataques com mísseis e drones contra Israel, pelo Irã ou seus representantes, são iminentes.
“Dada a correlação positiva entre as ações e a renda fixa, isso compõe um quadro perigoso para o portfolio 60/40 de longo prazo”, escreveu Scott Rubner, especialista em gestão tático do Goldman Sachs, em nota a clientes. “Nossa mesa tem visto um ressurgimento das negociações de commodities para hedge”.
Embora Jerome Powell tenha dito várias vezes que as condições financeiras estão pesando sobre a economia, muitas medidas voltadas para o mercado sugerem outra coisa. As ações ganharam US$ 12 trilhões em valor desde outubro, contribuindo para as leituras de um indicador das condições financeiras monitorado pela Bloomberg que está mais flexível agora do que quando o Fed começou o aperto.
Enquanto isso, a valorização dos preços das moradias está fazendo os americanos abastados se sentirem ainda mais ricos — encorajando esses consumidores a gastar de uma maneira que poderá anular a campanha do Fed de combate à inflação.
Traçando a tendência do patrimônio líquido das famílias americanas em relação ao CPI, a Gavekal Research constatou que os dois dados oscilaram perto nas três últimas décadas.
“Com o patrimônio líquido das famílias aumentando em relação à sua taxa anual de consumo nominal, o efeito riqueza poderá inspirar as pessoas a ‘viverem um pouco’”, escreveram os pesquisadores da Gavekal em uma nota. “Se a oferta não acompanhar o aumento resultante da demanda, a inflação ao consumidor poderá aumentar.”
Embora a pressão sobre os preços signifique custos de produção mais elevados, muitas empresas, especialmente as grandes, estão conseguindo repassar os custos extras para os clientes, aproveitando a onda da inflação para obter lucros.
Com os bancos devendo anunciar extraoficialmente esta semana os lucros do primeiro trimestre, seus resultados serão observados atentamente pelo mercado, que quer ver se o crescimento dos resultados pode justificar a relação P/L das ações do S&P 500, que está cerca de 20% acima da sua média de dez anos. A 21 vezes os lucros, isso se traduz em um rendimento dos lucros de 4,8%, um múltiplo que parece cada vez mais desfavorável com os rendimentos dos Treasuries de 10 anos subindo para 4,5%. Na verdade, a vantagem de “valuation” das ações está agora perto da menor em duas décadas.
“As ações ignoraram o aumento dos juros por algum tempo, mas hoje foi um sinal de alerta”, disse Emmanuel Cau, chefe da estratégia de ações europeias do Barclays. “A pegada forte do CPI hoje provocou uma reversão no ímpeto dos negócios com ações e um movimento em direção aos ‘hedges’ contra a inflação.”
Fonte: Valor Econômico

