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Sheinbaum é cientista ambiental — Foto: Marco Ugarte/AP
A cientista Claudia Sheinbaum assume hoje a Presidência do México em um momento desafiador para a segunda maior economia da América Latina, diante de gargalos na infraestrutura energética e reformas que afugentam o investimento estrangeiro, herdadas de seu antecessor, o popular Andrés Manuel López Obrador.
Primeira mulher a se tornar presidente mexicana, Sheinbaum, de 62 anos, enfrentará em seus seis anos de mandato o desafio de convencer investidores que as mudanças implementadas por seu antecessor não trarão problemas para a segurança jurídica do país. Terá também de mostrar que as recentes decisões e regulamentações do setor de energia não vão causar escassez para empresas dispostas a apostar a no país – maior parceiro comercial dos EUA e que está no centro do movimento de nearshoring, quando empresas mudam suas fábricas para países próximos de seus principais mercados.
Para grande parte dos analistas, as medidas de López Obrador comprometeram irremediavelmente a política de desenvolvimento que Sheinbaum gostaria de implementar. Isso, pela insegurança jurídica e das deficiências de estrutura cada vez mais evidentes.
“O nearshoring morreu antes de nascer, pois simplesmente não há capacidade de infraestrutura para receber todas as fábricas que querem entrar no México”, disse o economista Carlos Heredia Zubieta, ex-deputado pelo Partido Revolução Democrática (PRD). Segundo ele, até mesmo obras prontas estão paralisadas por problemas de gestão, carecem de transmissão, como a refinaria de Dos Bocas, no Estado de Tabasco. Por questões de custos, a refinaria que já consumiu US$ 2,5 bilhões – fundamental para que o país rico em petróleo possa parar de importar combustível – foi inaugurada sem gasodutos e oleodutos para escoar sua produção.
“Vejo [o nearshoring] como uma oportunidade de médio prazo, não de curto prazo”, disse, por seu lado, Fernández de Castro, da USMex. “Acho que estamos perdendo tempo e, sim, acredito que as reformas têm sido enormes distrações, mas vejo isso como obstáculos. Ainda não está perdido.”
Há ainda a difícil questão imigratória. Um grande número das milhares de pessoas que atravessam o México para cruzar a fronteira com os EUA acabam não conseguindo chegar ao destino desejado e ficam no país latino-americano. E há ainda as incertezas sobre as eleições americanas, tanto o candidato republicano Donald Trump quanto a candidata democrata Kamala Harris tendem a aprofundar as políticas antimigratórias e protecionistas nos EUA.
Outro desafio para Sheibaum é o crescimento do déficit fiscal – estimado em 4,1% do PIB este ano segundo o banco central mexicano – e o menor ritmo de crescimento em meio à uma agenda de esquerda, de maior intervenção do Estado e mais apoio financeiro à estatal de petróleo do país, a Petróleos Mexicanos (Pemex), cuja dívida chega a US$ 106 bilhões.
“Investidores estão esperando para ver qual mensagem Sheinbaum passará”, disse explica Rafael Fernández de Castro, diretor do Centro de Estudos México-EUA (USMex) da Universidade da Califórnia em San Diego. “Gostaram dela como candidata, mas não como eleita, porque ela cedeu tudo a López Obrador”, afirmou.
Um relatório do governo aponta que o consumo de eletricidade no país nos próximos 15 anos crescerá a uma taxa anual de 2,5%, mas segundo o Juan Pablo Londoño-Agudelo, analista-chefe da consultoria Wood Mackenzie para mercados de energia da América do Norte, o ritmo de construção de unidades geradoras de energia é insuficiente para atender às projeções de crescimento do consumo.
Sheinbaum foi governadora da Cidade do México – alçada à condição de líder política nacional pela mão de López Obrador, que controla amplamente seu partido esquerdista Movimento Regeneración Nacional (Morena). Ela tentará replicar em todo o país os bons resultados obtidos na no distrito federal, entre 2018 a 2023, no combate à violência, em meio ao avanço do crime organizado.
Ela venceu as eleições com 59,75% dos votos. O Morena também obteve maiorias qualificadas na Câmara e no Senado – com apoio de outras legendas -, o que lhe permitiu aprovar as mudanças constitucionais no último mês de governo de López Obrador.
Ao contrário de seu mentor, Sheinbaum tem um perfil mais técnico: é formada em física, com mestrado em engenharia de energia e doutorado em engenharia ambiental. Fez parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Seu apelido é “a doutora”, devido à sua produção científica bastante significativa, principalmente na área ambiental.
“A grande questão é até que ponto ela vai ter uma trajetória individual ou simplesmente vai manter a agenda dele”, afirma Carlos Primo Braga, professor da Fundação Dom Cabral.
“Não sabemos qual o grau de ingerência que López Obrador terá no início [do governo de Sheinbaum] e o quanto que ela vai jogar de acordo com a linha do partido ou se vai colocar a sua impressão digital no governo dela”, diz Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV.
A reforma judicial aprovada nas últimas semanas do governo de López Obrador trouxe um grau de insegurança jurídica inédito na história do país, já que agora todos os juízes, de todas as instâncias, serão eleitos por voto popular.
“A reforma judicial não busca apenas que os ministros e a Suprema Corte do México, e também os juízes federais e locais, sejam eleitos por voto popular, mas os requisitos para se tornar juiz ou até mesmo ministro da Suprema Corte foram muito rebaixados”, afirmou Lila Abed, do Instituto do México do centro de estudos Wilson Center. “Outra preocupação é que isso abra caminho para ampliar a influência do crime organizado, que já desempenha um papel importante na escolha de juízes em nível local, municipal e estadual”, disse.
Por seu lado, o conselheiro para assuntos econômicos e comerciais da Embaixada do México no Brasil, Marco Antonio Huerta Sánchez, afirmou ao Valor que a percepção do mercado sobre o impacto da reforma judicial deve melhorar após a regulamentação da emenda constitucional. Huerta Sánchez diz que regras a serem editadas devem reduzir as incertezas. “Toda mudança produz uma incerteza, mas essa incerteza vai diminuir conforme vai se regulamentando essa reforma”, acrescentou.
A jornalista Jéssica Sant’Ana viajou à Cidade do México a convite da Apex
Fonte: Valor Econômico

