Um cenário de queda de juros nos países desenvolvidos com as economias ainda resilientes poderia beneficiar ativos de risco em mercados emergentes, mas o Brasil pode ficar fora dessa festa. Com a saúde das contas públicas no centro do debate e preocupações com a inflação, a percepção de gestores de recursos é que o Banco Central (BC) seguirá na contramão, com a Selic em rota ascendente para esfriar a atividade. Ganha atenção a renda fixa e as ações ficam em segundo plano, embora estejam num dos maiores descontos da história.
“A situação de taxa de juros do Brasil é anormal, porque no mundo os juros estão voltando à normalidade e aqui a patamares muito elevados”, afirmou o diretor-executivo de investimentos da BradescoCotação de Bradesco Asset, Philipe Biolchini, ao participar do fórum de estratégias de investimentos, promovido pela BradescoCotação de Bradesco Asset e pelo BradescoCotação de Bradesco Global Private.
Ele lembrou que o Brasil segue sem o “investment grade”, a classificação mais alta de crédito, mas ressaltou que rating é uma escala relativa. “O Brasil piorou suas contas, mas os outros países também com os efeitos da pandemia. Do ponto de vista macroeconômico não estamos isolados, e em termos de preços de mercado estamos um pouco mais isolados.”
Faz tempo que o [mercado de ações no] Brasil está barato, mas poucas vezes esteve tão barato quanto agora”
Para Biolchini, a percepção é de que a economia está “mais aquecida do que pode e a inflação, mais acelerada do que se imaginava. “Precisamos de um rearranjo que passa pelo corte de gastos e por credibilidade em relação à trajetória da dívida. A política fiscal virou preponderante e temos possibilidades de sinalizações positivas nesse campo. E aí vai ser o momento de retomada de risco nas carteiras.”
Ana Luisa Rodela, responsável pela área de crédito privado da BradescoCotação de Bradesco Asset, afirmou não ver gatilho para a renda variável no curto prazo, mas que a classe deve compor a carteira do investidor. “As ações estão baratas. O lucro projetado não está refletido nas cotações.”
Apelidado como o “Warren Buffett brasileiro”, César Paiva, sócio-fundador, gestor e principal executivo da paranaense Real Investor, disse estar animado com o momento atual da bolsa por conta dos preços das ações. Não se trata de olhar para o Ibovespa, que reúne as empresas de maior capitalização de mercado e liquidez, mas para ações de boas empresas que estão com descontos expressivos.
“Faz tempo que o Brasil está barato, mas poucas vezes esteve tão barato quanto agora”, afirmou Paiva, citando um preço/lucro (P/L, múltiplo que relaciona o preço atual com os lucros projetados) na casa de oito vezes, o câmbio depreciado, a R$ 5,80, e as avaliações de preço justo, o “valuation”, no chão.
“A gente entra em 2025 com as expectativas na lona e com coisas baratas. Mas quando se compra uma boa empresa, em que o lucro e os dividendos crescem, o simples carrego do papel já traz bons resultados.”
José Rocha, executivo-chefe de investimento (CIO), gestor e sócio-fundador da Dahlia Capital, acrescentou que com a popularização das debêntures incentivadas, os investidores passaram a entender o que significa um retorno em IPCA+, mas esquecem de olhar para setores que têm o seu “valuation” calculado com base na inflação, com retornos entre 13% e 15% acima do índice de preços.
Em meio ao dilema de que com juros altos todo mundo corre para a renda fixa, Paiva citou que o investidor que vê a rentabilidade das Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) a 6% a 7% acima do IPCA, deveria olhar para as empresas da mesma forma, invertendo o P/L, para chegar à rentabilidade que as ações podem ter se comparadas à dos títulos públicos, com algumas batendo nos 15%. “E lembrando que a grande maioria das empresas listadas tem capacidade de repassar a inflação nos seus produtos”, comentou. “Não tenho vontade de comprar renda fixa.”
Se no período entre 2014 e 2016 as ações estavam depreciadas, com o cenário macroeconômico piorando e o lucro das empresas também, além de o endividamento ser alto, o ambiente hoje se mostra diferente. Na temporada atual, continuou Paiva, os resultados vêm aumentado, a economia cresce e a inflação ainda parece estar sob controle.
Entre os setores que compõem a carteira atual, ele citou o financeiro, com nomes como BradescoCotação de Bradesco, Banco do Brasil, PagBank e BB Seguridade; o de “utilities”, com Eletrobras, Neoenergia e Eletrobras; além de commodities, com o trio Petrobras, Suzano e Vale. No segmento imobiliário, tem a administradora de shopping Allos e, mais recentemente montou uma posição na MRV, um papel que “namorava” desde o fim do ano passado, mas que comprou agora com um desconto de 60%.
Rocha, da Dahlia, disse gostar do tema da inteligência artificial nos Estados Unidos. “Estar fora da bolsa americana é ficar fora da quinta revolução industrial.”
Rodela, da BradescoCotação de Bradesco Asset, frisou que vê o crédito privado ainda em destaque em 2025, mesmo com os prêmios mais apertados. “Com spreads baixos, a gestão ativa faz diferença”, comentou ela, que acrescentou que a gestora tem uma metodologia própria de classificação de risco. “Mais de 60 dos papéis triplo A hoje no mercado não seriam considerados ‘high grade’ [de melhor qualidade] na nossa metodologia.”
Fonte: Valor Econômico

