Por Lucinda Pinto e Eduardo Magossi — De São Paulo
27/04/2022 05h03 Atualizado há uma hora
Mais do que a guerra da Ucrânia, os bancos centrais do mundo todo estão preocupados com o avanço da inflação, diz Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset. Weeks, que participou das reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizadas na semana passada, afirma que está claro que o Federal Reserve vai ter de aumentar mais os juros, e mais rapidamente, o que terá forte impacto sobre a economia global. Porém, ele relata que a visão geral é que, neste ciclo, os países emergentes que já elevaram suas taxas de juros e são produtores de commodities estão em uma posição mais favorável.
Nesse contexto, o Brasil é um destaque e está bem posicionado para continuar recebendo um fluxo maior de investimento externo. “Faltam emergentes bons, ou seja, que tenham um ‘carry trade’ [carregamento] alto, sejam produtores de commodities, tenham estabilidade política e estejam longe do conflito. O Brasil atende todos os quesitos”, diz.
No entanto, Weeks alerta para os riscos que podem vir das decisões de política monetária da China diante do agravamento dos lockdowns. “Se a China decidir reviver projetos de infraestrutura, as commodities metálicas voltarão a subir gerando mais pressão inflacionária.”
Leia os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual foi o tema principal das discussões na reunião do FMI?
Daniel Weeks: O tema inflação dominou as atenções. E existe um consenso de que o Fed vai ter que subir mais os juros. Uma discussão que está ocorrendo é que a política monetária é feita para desacelerar a atividade. Não existe um mecanismo mágico em que você aumenta os juros, não acontece nada com a atividade e as coisas se resolvem. O cenário de ‘soft landing’ é possível, mas não é majoritário. O mais provável é que, dado o nível de inflação, os bancos centrais dos países desenvolvidos tenham que levar a atividade global para uma desaceleração mais forte. Não acho que uma recessão seja o cenário-base, mas acho que a atividade vai rodar abaixo do potencial. E como política monetária tem impacto só lá na frente, o risco de errar a mão e gerar uma recessão no ano que vem existe.
Valor: Há um receio de que o Fed não faça o aumento de juros necessário, dado o impacto que isso pode causar na economia ou na bolsa?
Weeks: Uma inflação acima de 8% é uma questão política gigantesca. A grande questão política na cabeça das pessoas não é a guerra na Ucrânia, é a inflação, é essa mudança de preços que eles nunca viram. Isso está empurrando o Fed para fazer algo mais forte. O mercado está aceitando não só que o Fed vai subir o juro para 4%, mas o quanto antes possível. Se ele subir 0,5 ponto por reunião, vai para 3,25% no fim do ano. E não vai desacelerar para 0,25 ponto depois. Acho mais provável o Fed acelerar o ritmo do que voltar para 0,25 ponto.
Valor: Qual deve ser o impacto desse cenário sobre as bolsas?
Weeks: O que a gente estava vendo até aqui é que os juros estavam sendo reprecificados, mas a bolsa continuava resiliente. E existe motivo para isso. A economia americana está superaquecida, as pessoas estão consumindo, o resultado das empresas, olhando para trás, continua bom. E vai seguir assim no curto prazo. Mas em algum momento a economia vai desacelerar com força e por isso a gente vê com muita preocupação o cenário para as bolsas americanas. Na Garde, estamos liquidamente vendidos em bolsa lá fora, justamente porque o remédio para o problema de inflação vai ser amargo.
Valor: Como esse quadro afeta o Brasil?
Weeks: O que ajuda os emergentes é o fato de termos feito o ajuste dos juros, sendo que o Brasil é um destaque nesse quesito. Outra coisa é que existe uma escassez de emergentes onde vale a pena investir. Os estrangeiros não querem investir na Rússia, não podem investir na Ucrânia, a Turquia descambou, a Argentina não está no cardápio faz tempo. Faltam emergentes bons, ou seja, que tenham um ‘carry trade’ alto, seja produtor de commodities, tenha estabilidade política e esteja longe do conflito. O Brasil atende todos os quesitos, e é um mercado que tem uma profundidade maior. O Chile, por exemplo, não é um mercado profundo para os investidores alocarem. Um emergente que tinha muito fluxo e está tendo saída de recursos agora é a China.
Me preocupo mais com China que com os Fed Funds, porque estamos com um belo colchão, o diferencial de juros”
Valor: A alta do dólar desde a semana passada não mostra uma mudança para os emergentes?
Weeks: A gente tinha visto uma reprecificação grande da curva de juros americana, mas como temos um diferencial de juros muito grande, não tínhamos visto um grande impacto ainda sobre o câmbio. Agora, o que está preocupando é a China. Para mim, o câmbio ter voltado para R$ 4,90 é 100% culpa da China. É verdade que o Brasil performou um pouco pior, isso pode ser o Banco Central aqui um pouco mais ‘dovish’ [menos inclinado ao aperto monetário]. Mas os emergentes todos sentiram o impacto da China, que adotou uma política de combate à covid, que está se espalhando. E lá o diferencial de juros trabalha contra, porque estão cortando os juros enquanto o resto do mundo está subindo. Me preocupo mais com a China do que com os Fed Funds, porque estamos com um belo colchão, que é o diferencial de juros, para absorver esse impacto. Mas quando a China chacoalha, é mais complicado para a gente, e temos uma reação pior dos mercados.
Valor: Esse cenário de desaceleração da economia não vai se traduzir em queda das commodities?
Weeks: Se a economia desacelerar, isso poderia aliviar mais à frente os preços das commodities pelo lado da demanda. Mas, pelo lado da oferta, dadas as questões geopolíticas, o mercado continua pressionado. Tem grandes players que saíram do mercado ou têm dificuldade de exportar produtos como trigo, petróleo, gás natural. Os estoques estão baixos, não tem muita coisa para fazer no curto prazo para resolver o mercado de commodities. Isso justifica o fato de emergentes que produzem essas matérias-primas terem hoje um desempenho melhor.
Valor: Então, o risco de queda das commodities viria de uma piora do cenário na China?
Weeks: Exato. Se a China fechar mais cidades, a atividade se retrai com queda de petróleo, minério e outras commodities metálicas. Mas por outro lado, ela pode reativar projetos de política econômica, principalmente de infraestrutura e impulsionar a demanda por [commodities] metálicas. Estávamos trabalhando com PIB entre 4% e 4,5% para China ante uma meta do governo chinês de 5,5%. Então, ele pode aceitar esse crescimento mais baixo ou querer acelerar o crescimento, o que vai ter impacto específico em commodities. A outra coisa que preocupa no cenário global é a parte de componentes. Se começar a fechar fábricas novamente com os lockdowns, haverá distorção nas cadeias industriais.
Valor: Mas então o efeito na inflação vai depender de uma escolha da China?
Weeks: Sim. Os lockdowns podem não ter efeito inflacionário nas commodities no curto prazo mas se houver projetos de infraestrutura reativados que gerem maior demanda por [commodities] metálicas junto com uma disrupção na cadeia global de suprimento industrial, o efeito vai ser mais inflacionário.
Valor: Então, mesmo com os problemas chineses, a inflação vai estar elevada no mundo?
Weeks: Sim, e com a inflação vamos ter juros em alta. Em algum momento, as bolsas vão sentir essa desaceleração à frente e aí o Brasil pode não ficar tão ruim ou até se beneficiar desse cenário, assim como outros emergentes, por ser produtor de commodities. O Brasil e a América Latina sempre ficaram meio de fora de tudo. Foi assim com a indústria 4.0 e agora está sendo com os conflitos geopolíticos, só que desta vez esse afastamento está sendo positivo. E estamos mais alinhados com os EUA.
Valor: De que maneira isso poderá ser positivo para o Brasil?
Weeks: Nesse cenário de juros altos e preços de commodities elevados, o Brasil terá boa oportunidade. Saímos de um juro de 2% no ano passado para cerca de 13% neste ano. No ano passado, a balança comercial foi de US$ 40 bilhões e deve ir para US$ 80 bilhões ou mais este ano. No ano passado, dos US$ 40 bilhões da balança, US$ 9 bilhões foram para o mercado de câmbio, basicamente porque com um juro de 2% muitos investidores deixaram seus recursos em contas em dólar fora do país. Agora, com o juro ao redor de 13% e com a estimativa da balança dobrando em relação a 2021 por conta dos preços elevados de commodities, cria-se uma força gravitacional que vai atrair muito mais dólares. Além disso, temos os investidores que mandaram US$ 3 bilhões por mês para o exterior no ano passado. Era fácil mandar o dinheiro para o exterior quando o dólar só subia, o S&P subia 50% ao ano e o juro aqui era 2% ao ano. Agora o juro é de 1% ao mês, e tanto o dólar como o S&P caem. Então, estamos vendo o retorno desse dinheiro. E tem muito dinheiro para entrar, mesmo com volatilidade da eleição pela frente o que fará o país performar bem.
Valor: Será que mercado não está subestimando as eleições?
Weeks: Tenho dificuldade em achar que o mercado está subestimando. O cenário pode ficar mais volátil. Mas quando olho a curva de juros nos prazos longos, ela está acima dos 12%. É muito juro. Para mim, a curva de juros me mostra um grande risco fiscal embutido nos ativos brasileiros. E mesmo o câmbio de R$ 4,7, R$ 4,9. Se não houvesse risco fiscal, o câmbio estaria mais baixo.
Fonte: Valor Econômico

