08/06/2022 05h00 Atualizado há 5 horas
Uma parte expressiva dos bancos centrais de países emergentes está adiantada no ciclo monetário, entre os quais: Brasil, Chile, Hungria e República Checa – o maior aperto monetário ocorreu no Brasil, com uma elevação de 10,75 pontos percentuais (pp). Mesmo assim, a curva de juros da maioria dos mercados apreça novas elevações de juros nos próximos 12 meses para evitar que a inflação se torne mais persistente. A principal exceção é a China, com o início nos últimos meses de um ciclo de afrouxamento monetário em resposta à forte desaceleração da atividade gerada pela imposição de quarentena em várias cidades.
Os bancos centrais de países desenvolvidos, sob outro enfoque, só começaram a sinalizar alta de juros mais recentemente – Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido elevaram os juros no semestre passado. A magnitude e duração desses ciclos, porém, permanecem incertos em função da dificuldade de projetar a trajetória da atividade e da inflação. De um lado, uma parcela dos participantes de mercado julga que não há necessidade de altas expressivas dos juros, pois a atividade já está desacelerando e a inflação recuará por ter sido causada, em parte, por choques temporários que tendem a se dissipar rapidamente.
BCs devem promover ciclos de aperto muito mais extensos e de maior magnitude do que indicam as curvas de juros
Por outro lado, há o argumento de que os bancos centrais terão de apertar a política monetária acima do atualmente apreçado pois, como em outras desinflações, sem juros reais mais elevados e acima do nível neutro não seria fácil reduzir a inflação nos próximos anos para níveis condizentes com suas metas.
Nesse ambiente, a dinâmica da inflação será a principal discussão nas reuniões dos bancos centrais nesta e na próxima semana, entre os quais: Banco Central Europeu (BCE) em 9 de junho; Fed em 15 de junho; Banco da Inglaterra (BoE) e Banco Nacional da Suíça (SNB), ambas em 16 de junho. O debate será centrado na recente aceleração inflacionária, proveniente basicamente de três frentes:
Os efeitos da pandemia envolvem desequilíbrios advindos de retrocessos na reabertura da economia em alguns países, e.g., China, e suas influências sobre as cadeias de suprimentos.
Os choques de preços de energia têm tido enorme impacto na inflação, por conta de restrições impostas a alguns países, bem como da migração gradual para fontes de energia mais limpas.
A guerra na Ucrânia e as sanções impostas à Rússia reduziram a oferta de bens, pressionando os preços de petróleo, gás natural e commodities agrícolas e minerais.
Amanhã, o comunicado do BCE discutirá, certamente, a persistente aceleração de preços em um ambiente de possível maior desaceleração da atividade – inflação na área do euro de 8,1% em abril, com núcleo de 3,8%. A instituição aumentará sua previsão de inflação média em 2022 dos 5,1% publicados em março para cerca de 7%, enquanto a de 2023 tende a ser revisada de 2,1% para próximo a 3%. O documento também tende a diminuir a expectativa de crescimento deste ano de 3,7% para cerca de 2,5%.
Além de indicar o fim no 2º trimestre do programa de compras líquidas de títulos implementado em resposta à pandemia, o BCE manterá sua taxa básica em -0,50%, mas indicando o esperado início do aperto – a curva de juros de 7 de junho apreçava uma elevação total de 125 pontos base (pb) nas reuniões de julho a dezembro. Em função dos riscos inflacionários, com aceleração dos salários, a presidente do BCE na sua entrevista após a reunião pode sinalizar uma possível alta de juros em 50 pb, inclusive já em julho.
Do mesmo modo, os indicadores de mercado de trabalho e de consumo dos EUA permanecem muito sólidos, com a inflação ao consumidor não mostrando nenhum recuo – 8,3% em abril, com núcleo de 6,2%. Essa dinâmica dificulta o corte do ritmo de alta dos juros de 50 pb e, muito menos, a interrupção do ciclo no curto prazo. A curva de juros apreça atualmente altas de 50 pb nas próximas duas reuniões – conforme indicado no último comunicado do Fomc e em apresentações de seus membros, seguidas de um total de cerca de 100 pb em setembro, outubro e dezembro. Assim, os juros básicos alcançariam nível ligeiramente acima da taxa neutra de cerca de 2,5%. A menos que as projeções de inflação recuem para além do nível inferior às expectativas de consenso de 7,1% em 2022 e 3% em 2023 ou as previsões de crescimento diminuam para patamar muito inferior aos, respectivamente, 2,6% e 2%, o Fed pode decidir pela implementação de um ciclo de aperto monetário mais longo e de maior magnitude.
Os desafios dos demais bancos centrais também são significativos. Por exemplo, o BoE enfrenta situação complexa, pois, apesar de a atividade indicar, por ora, uma desaceleração expressiva, a inflação ainda não deu sinais de recuo consistente. A inflação ao consumidor alcançou 9,1% em abril, com o seu núcleo de 6,2%. Do mesmo modo, apesar de a inflação ao consumidor na Suíça ter sido de 2,9% em abril, muito abaixo dos números da maioria dos países, os preços aceleraram nos últimos meses, o que consolidou a perspectiva de aperto monetário ainda neste ano. O receio da autoridade suíça é de que a alta dos juros globais estimule a depreciação da moeda local e pressione ainda mais a inflação. Nesse aspecto, o SNB pode elevar os juros já na reunião da próxima semana.
Em suma, enquanto vários bancos centrais de mercados emergentes estão próximos do fim do ciclo de alta de juros, como é o caso do Brasil, o debate sobre o tema nos países desenvolvidos é mais recente. Como a incerteza sobre a dinâmica da inflação e da atividade permanecerá elevada, a previsão dos juros globais continuará cercada de dúvidas. A probabilidade é expressiva de, mesmo com uma maior desaceleração global, as principais autoridades monetárias terem de promover ciclos de aperto monetário muito mais extensos e de maior magnitude do que os apreçados nas curvas de juros para debelar uma inflação incomumente alta e persistente.
Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, escreve quinzenalmente neste espaço
Fonte: Valor Econômico