Temores de um recrudescimento do conflito entre Israel e o Hamas fizeram os preços do petróleo voltar a subir ontem, depois que a explosão de um hospital em Gaza deixou centenas de mortos e acendeu a luz vermelha em relação ao receio de uma expansão das hostilidades para outros países, produtores de petróleo da região. Desde o início do conflito, o petróleo Brent, a referência global da commodity, já subiu 9%.
Depois do episódio no hospital, o Ministério das Relações Exteriores do Irã – conhecido aliado do grupo terrorista Hamas – pediu embargo total e sanções à oferta de petróleo a Israel por parte dos países islâmicos, abrindo as portas para uma potencial extensão do conflito e elevando ainda mais as tensões nos mercados. No fim do dia, o barril do petróleo WTI, referência americana, com entrega prevista para dezembro fechou em alta de 2,14%, a US$ 87,27. O barril do Brent para o mesmo mês avançou 1,78%, a US$ 91,50.
“Os preços do petróleo estão respondendo aos comentários agressivos do Irã e outros depois do ataque ao hospital em Gaza, que eleva o potencial de uma possível perda de oferta do combustível por alguns exportadores”, comentou Michael Lynch, presidente da Strategic Energy & Economic Research. Suporte veio também de uma inesperada queda nos estoques oficiais de petróleo nos EUA de 4,5 milhões de barris, o que contribuiu para o nervosismo em relação à guerra.
Para Kiran Kowshik, estrategista de câmbio global da Lombard Odier, o conflito fez com que as fortes perdas do petróleo registradas no início de outubro, provocadas pelo sentimento de que a demanda americana estava caindo, ficassem para trás. “A forte queda de preços vista no início de outubro acabou porque a demanda segue robusta e até o momento não existe problema na oferta. Esperávamos que os preços se recuperassem gradualmente, mas o conflito entre Israel e Hamas os trouxe de volta para os US$ 90 por barril em uma semana”, disse em relatório enviado a clientes.
O estrategista reiterou que, embora reconheça a incerteza do cenário, até o momento não houve impacto na oferta, o que deve acontecer apenas se o conflito aumentar. “Isso aumentaria o déficit moderado previsto para o quarto trimestre. A expectativa é que o Brent seja negociado em torno de US$ 90 pelo restante do ano com uma probabilidade de preços maiores se a tensão geopolítica aumentar.” Além dos preços de petróleo, uma escalada no conflito e a interrupção na oferta poderiam fortalecer mais o dólar. “Mas esse não é nosso cenário-base.”
Os preços estão subindo não por conta da interrupção da oferta, mas pelo potencial de isso ocorrer”
“O petróleo é o elo que pode transformar esse conflito militar regional em um desafio econômico global”, afirmou Norbert Rücker, economista-chefe do banco suíço Julius Baer. Segundo ele, contudo, geopolítica costuma ser um ruído que não tem implicações fundamentais duradouras. Com a situação ainda em andamento, Rücker traçou três cenários para a crise: na primeira, o conflito se espalha, outros países se envolvem diretamente e a oferta de petróleo é interrompida. Os preços saltam para US$ 150 o barril, a inflação retorna e a economia entra em colapso. Para ele, essa hipótese tem menos de 5% de probabilidade.
Em um segundo cenário, com 65% de probabilidade, o conflito permanece focado em Israel, que restabelece relações com a Palestina. Os efeitos são mínimos, a incerteza desaparece e os preços do petróleo voltam a cair em algumas semanas. Com 30% de chances, o terceiro cenário aponta um direcionamento do conflito para o Líbano e a Síria, provocando a paralisação da normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita e maiores sanções contra o Irã. Nesse caso, a oferta poderia ser afetada e os impactos poderiam durar mais, com os preços voltando ao normal apenas no fim do ano. O cenário-base do banco prevê que os preços voltem a cair em 2024.
Embora não tenham citado explicitamente o conflito em Israel em seus comentários, várias autoridades do Federal Reserve (Fed) têm reiterado nos últimos dias o risco de uma volta da inflação. Recentemente, o vice-presidente do conselho do Fed, Philip Jefferson, disse que um dos riscos atuais para a inflação voltar a subir é por meio de altas inesperadas nos preços de energia. Na semana passada, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, destacou que o conflito em Israel é um choque econômico global que vai dificultar o trabalho dos bancos centrais em conseguir um “pouso suave” para suas economias. Ontem, o diretor do Fed Christopher Waller alertou para a possibilidade de que a desaceleração da inflação americana estacione. Segundo ele, a sequência de boas leituras de inflação “evaporou”, o que pode levar a mais alta de juros ou a uma manutenção de juros elevados por mais tempo.
Por ora, o avanço das cotações do petróleo é bem mais contido que a alta de 18% ocorrida em igual período no início da guerra da Ucrânia. Diferentemente do que ocorreu na Ucrânia, “os preços do petróleo estão subindo não por conta da interrupção da oferta, mas pelo potencial de isso ocorrer”, disse Edward Gardner, economista de commodities da Capital Economics.
Outra diferença é que, no conflito com a Rússia, os preços já partiram de um patamar mais alto. O barril do Brent chegou a US$ 133 em março do ano passado, poucas semanas depois do início da guerra no Leste Europeu.
Ao contrário dos investidores, que começam a colocar um prêmio geopolítico nos preços do petróleo, os economistas não acreditam que as hostilidades se espalhem pelo Oriente Médio.
“O conflito entre Israel e o Hamas não cria um risco para o fornecimento de petróleo porque nem Israel nem os territórios palestinos produzem petróleo. Entretanto, se o conflito se alastrar ou provocar paralisação das exportações regionais, os preços podem subir, e muito”, afirmou Gardner, em comentário enviado por e-mail.
Fonte: Valor Econômico

