Por Roberto Lameirinhas — De São Paulo
06/03/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
As tendências globais de reorganização das cadeias de suprimento estão favorecendo o México. O país vem atraindo grandes empresas interessadas em se aproximar de seus clientes e consumidores nos EUA. Nas últimas semanas, BMW e Tesla anunciaram que fabricarão carros elétricos no país. O México está sendo um dos principais beneficiários da tendência das multinacionais de buscarem alternativas à China. Isso ocorre “apesar do governo mexicano e não por esforço dele”, dizem analistas.
O país se beneficia de duas tendências globais para atrair bilhões de dólares em investimentos, muitos deles em setores de tecnologia de ponta. Uma delas é o chamado “nearshoring”, isto é, a busca das empresas por diversificar seus fornecedores e trazê-los para mais perto dos principais mercados. Neste caso, os EUA. Isso visa evitar que paralisações num país, como ocorreu com os lockdowns na China, interrompam a produção.
Além disso, os EUA vêm estimulando o chamado “friendshoring”, isto é, a migração de capacidade produtiva para países amigos, e não hostis como a China. O temor é que possa ocorrer com a China o mesmo tipo de confronto que está ocorrendo entre o Ocidente e a Rússia.
O México está ainda se beneficiando dos pacotes de incentivos americanos que visam trazer para a América do Norte fábricas de chips e de produtos de tecnologia verde, como carros elétricos.
“ Lenovo, Hisun, Audi, BMW, Toyota, além de empresas globais de serviços – como consultorias, bancos, incorporadoras, seguradoras, etc. – têm vindo ao México como uma alternativa à China, consolidando o país como uma plataforma produtiva menos hostil aos EUA do ponto de vista geopolítico”, diz um diretor do Instituto Mexicano de Ejecutivos de Finanzas (Imef), que pediu para não ser identificado. “Mas, enquanto as empresas que foram à China, décadas atrás, recebiam grandes vantagens e incentivos, as que vêm ao México precisam quase arrombar as portas e vencer resistências impostas pelo governo”, afirmou o dirigente.
De acordo com empresários mexicanos, a negociação para que a Tesla, de Elon Musk, se instalasse no país – um investimento que pode chegar a US$ 10 bilhões nos próximos anos, segundo o jornal “Reforma” – foi um exemplo dessa resistência do governo do presidente Andrés Manuel López Obrador à instalação da empresa.
“Por muito pouco as políticas antimercado do governo não levaram aos desperdício da oportunidade de ter a Tesla no país”, disse o advogado Ricardo Reséndiz, fundador da Reséndiz Wong, que há 25 anos presta assessoria legal a empresas estrangeiras que se instalam no México. “Até o último momento, o governo insistiu para que a Tesla levasse seu projeto de produção de carros elétricos para outras regiões do país, quando estava claro que a intenção da empresa era a de se manter perto da fronteira com o Texas”, afirmou.
No final, a fábrica do bilionário Elon Musk foi anunciada para instalar-se em Monterrey, no Estado de Nuevo León, perto da fronteira com os EUA. E são nestes Estados ao longo da fronteira que a maior parte dos novos polos industriais estão sendo instalados.
Esse movimento deve aprofundar a diferença de desenvolvimento entre os Estados do norte e do sudeste do México. Uma distribuição mais uniforme dos investimentos dependeria de políticas de governo que não foram adotadas, segundo economistas do país.
Os EUA veem com simpatia a chegada das empresas ao México. Numa reunião que manteve com López Obrador em janeiro, na Cidade do México, o presidente americano, Joe Biden, ofereceu ao governo mexicano cooperação na montagem de equipes de alto nível para estimular instalação de fábricas de chips no país. “Estamos no processo de fortalecer nossas cadeias de suprimentos, para que ninguém possa arbitrariamente nos deter ou para que uma pandemia na Ásia não bloqueie nosso acesso a elementos decisivos de que precisamos para fazer tudo, desde montar automóveis até tantas outras coisas”, disse Biden no encontro, do qual também participou o premiê do Canadá, Justin Trudeau.
Em entrevista recente ao Valor o principal colunista do diario britânico “Financial Times”, Martin Wolf, citou o México – ao lado do Brasil, na América do Sul – como um dos “novos lugares favoritos” para os investidores diversificarem suas cadeias de abastecimento para reduzir a dependência de Pequim. “Os americanos, é claro, vão olhar primeiro para o México e a América do Sul, incluindo aí o Brasil”, disse Wolf. “Um acordo de livre comércio verdadeiro, com boa infraestrutura e procedimentos burocráticos eficientes ajudam a consolidar essa posição”, completou.
Apesar do privilégio geográfico, porém, os mexicanos acreditam que ainda há muito trabalho a ser feito. “Mesmo com o aumento da disposição das empresas de usar o México como base de produção pela conveniência da proximidade com os EUA, não houve por parte do governo nacional nenhuma ação de incentivo para atrair esses investimentos”, afirmou o advogado Reséndiz. “Todas as iniciativas de se criar estrutura de negócios e implementar polos industriais vieram de grupos privados. O governo não ajudou com sinalizações de facilitar regulações, baixar taxas ou oferecer qualquer tipo de crédito para potenciais investidores”, disse.
Reséndiz afirma que mesmo antes da pandemia e da guerra na Ucrânia, as disputas comerciais entre EUA e China, durante o mandato do presidente americano, Donald Trump, já indicavam que a busca do México pelas empresas globais deveria crescer. “Houve uma relativa melhora na qualificação do trabalhador mexicano nos últimos 15 anos, o custo da mão de obra se manteve bem mais baixo do que do outro lado da fronteira e as novas versões dos tratados comerciais da América do Norte tornaram o México mais atrativo para as empresas globais, mas o atual governo não se aproveitou desse impulso”, declarou.
O México atraiu US$ 35 bilhões em investimentos estrangeiros diretos em 2022, segundo dados oficiais. Alguns economistas estimam que essa cifra poderia chegar até os US$ 60 bilhões neste ano se o Banxico, o banco central do México, fosse menos conservador em sua política de juros – mantidos altos para conter uma inflação anual que chegou a 7,76% em fevereiro – e o governo do país tivesse acelerado a assinatura de termos pendentes do Tratado Comercial México-EUA-Canadá (T-Mec).
“Estamos em contato estreito com organizações empresariais e empresas nos EUA e de outros países e eles nos dizem que têm projetos autorizados, têm financiamento e estão à espera apenas que o governo do México cumpra os compromissos que assumiu no T-Mec”, declarou o diretor da Confederação Patronal da República Mexicana (Coparmex) José Medina Morao, ao “Reforma”.
“O que se vê é que o México está diante de uma oportunidade para aproveitar sua vantagem geográfica e melhorar sua infraestrutura”, disse o analista da consultoria Oxford Economics, Joan Domene. “No entanto, a relativa estabilidade e competitividade comparativa do México foram suficientes para que esse mesmo governo se beneficiasse da reorganização das cadeias de suprimentos”, completou.
Ele afirma, porém, que a falta de ação pode trazer riscos para o futuro dos investimentos. “As incerteza regulatórias no setor de energia continuam”, afirmou o analista. “E o governo tem se mostrado pouco disposto a fazer concessões que reduzam efeitos negativos para as empresas, principalmente em questões ambientais como direitos de uso de água”, disse Domene.
Fonte: Valor Econômico

