O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha no texto de um projeto de lei que visa a organizar as regras de tributação do mercado financeiro, segundo fontes ouvidas pelo Valor. É uma etapa da reforma do Imposto de Renda (IR), mas como encontra mais consenso, será enviada antes e antecipadamente ao Congresso Nacional e não tem objetivo arrecadatório.
O texto, que deve ser apresentado até o fim de fevereiro, tem como objetivo organizar as regras para incentivar o financiamento das empresas e o acesso ao crédito por meio do mercado de capitais, sem alteração da carga tributária. A proposta deve acatar pleitos da iniciativa privada relacionada a produtos financeiros.
As medidas vêm dentro da agenda de reformas financeiras que está sendo desenvolvida pelo Ministério da Fazenda – a antiga iniciativa de mercado de capitais – na qual a equipe econômica discute alguns temas por meses com o setor privado.
“Há alguns casos nos quais a tributação prejudica um produto financeiro ou inibe os investidores de o utilizarem”, explicou uma fonte ao Valor. “É uma agenda focada na segurança jurídica”, complementou.
Um exemplo citado é o hedge internacional das empresas. Hoje, a lei tributária exige que ele seja feito em bolsa de valores. A intenção do governo é ampliar a possibilidade de hedge no exterior, atribuindo o mesmo tratamento tributário, até quando ele ocorrer fora da bolsa. Esse deve ser um capítulo do projeto de lei.
Já em relação aos investimentos no Brasil, serão feitas melhorias nas regras de tributação de operações de empréstimos de títulos mobiliários quanto de ações, que é um pleito antigo do mercado – a falta de clareza na tributação inibia as operações, já que há a percepção de que hoje existe uma “zona cinzenta” na interpretação tributária. Serão feitas algumas correções nas regras de ganhos em bolsa.
Por exemplo, hoje, operações com título em bolsa acabam sendo tributadas pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), porque a legislação não é clara, e isso inibe a presença de investidores.
A ideia é deixar isento no caso de venda de títulos em bolsa, fomentando o mercado secundário, assim como a alienação de cotas de fundo de investimento em bolsa, tanto ETFs quanto multimercados, que também ficariam isentos de IR na fonte.
O projeto de lei deve ser o arremate do trabalho, para concertar problemas na tributação do mercado financeiro a partir das discussões na agenda de reformas financeiras. “Pretendemos consolidar toda a legislação do mercado financeiro e fomentá-lo”, resumiu uma fonte.
Para Thadeus Bretas, sócio do escritório Stocche Forbes Advogados, atualmente, quando existem benefícios e algumas isenções às vezes a redação da norma não é tão descritiva, o que pode deixar dúvidas sobre a interpretação e, consequentemente, para os investidores sobre como devem agir.
Bretas destaca algumas movimentações que já vêm sendo feitas no setor para estimular investimentos, como a criação de debêntures de infraestrutura – emitidas até 31 de dezembro de 2030, concedem ao emissor da dívida redução de 30% da base de cálculo do IR e da CSLL sobre os juros pagos aos detentores dos títulos. A lei foi sancionada em janeiro e ainda falta regulamentação.
“É uma nova tentativa de fomentar o mercado de capitais”, afirma. Para Bretas, essas iniciativas vêm na mesma linha de toda a proposta da reforma tributária, que é de simplificar a tributação em diversos setores. “Do ponto de vista do mercado de capitais podem estar buscando algo nesse sentido para tornar mais atrativo como forma de investimento privado”, afirma.
Segundo o advogado, é importante observar as reações aos ajustes recentes, como a tributação de offshores. “O mercado ainda está digerindo. Toda mudança precisa de um tempo de análise”, afirma. O especialista pondera, contudo, que a questão tributária é secundária para o mercado de capitais na comparação com a taxa de juros – essa sim seria mais responsável por atrair investimentos.
“Mudanças sempre são bem-vindas e podem ajudar a compensar algumas situações, mas a taxa de juros é mais relevante para o uso de alguns instrumentos pelo mercado de capitais”, afirmou o especialista.
Em dezembro do ano passado, Lula sancionou o projeto que prevê a taxação de fundos offshores e exclusivos, medida que foi considerada uma prévia da reforma do imposto de renda, com a intenção de buscar a justiça tributária. Nesse caso, há um potencial de as novas regras elevarem a arrecadação em mais de R$ 20 bilhões neste ano.
Fonte: Valor Econômico