Roberta Anchieta, do Itaú, ingressou no banco por um programa de trainee e hoje é diretora de administração fiduciária — Foto: Divulgação
Medidas educativas e de conscientização para promover a diversidade nos postos de liderança das companhias abertas brasileiras devem ganhar um novo impulso com uma regra da B3Cotação de B3. De acordo com o Anexo ASG, proposto pela bolsa de valores e aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2023, as empresas listadas deverão eleger ao menos uma mulher e um integrante de comunidade sub-representada – pessoas pretas, pardas, indígenas, LGBTQIA+ ou com deficiência -, para o conselho de administração ou a diretoria estatutária.
Foi dado um prazo de transição, sendo que, em 2025, deverá ser informada a eleição de pelo menos um integrante destes grupos, chegando ao mínimo de dois integrantes previstos no regulamento, a partir de 2026. O modelo de aplicação do Anexo ASG é “pratique ou explique”, no qual as companhias têm que divulgar no Formulário de Referência o atendimento à nova regra ou detalhar os motivos de não cumprimento. Segundo Flavia Mouta, diretora de emissores da B3Cotação de B3, o objetivo é dar transparência aos investidores e demais stakeholders.
“Estamos fazendo um trabalho educativo intenso com as companhias sobre o Anexo ASG, pois nessa época do ano elas começam a decidir a nova composição dos conselhos, que será concluída nas assembleias gerais de abril”, afirma Mouta. Ela ressalta ainda que as informações previstas no regulamento deverão ser apontadas no Formulário de Referência até 31 de maio do próximo ano.
Roberta Anchieta, diretora de administração fiduciária do Itaú Unibanco – mulher negra -, representa uma minoria que alcançou posição de liderança no país. Ela ingressou no banco por meio de um programa de trainee em 2000 e conseguiu se desenvolver. “Entrar no banco por um programa de talentos me deu acessos diferenciados dentro da instituição. Ao longo do tempo, aproveitei as oportunidades, tanto que estou aqui há 24 anos”, destaca.
Anchieta conta que, ainda muito jovem, queria seguir os passos do pai, que era diretor de uma empresa do mercado financeiro. “Meu pai sempre me dizia: ‘filha, para você tudo sempre vai ser três vezes mais difícil, porque você é preta e porque é mulher, mas você pode ser o que você quiser ser’”, lembra. Segundo ela, estudar continuamente é a chave para superar dificuldades.
A nova regra da B3Cotação de B3, diz Anchieta, tem ressonância com o que a sociedade espera. “As empresas que ainda não têm diversidade na liderança vão se preparar para chegar lá. E o fato de poderem dar uma justificativa, caso não cumpram essa medida, dá transparência e até evita julgamentos incorretos.”
Em 2021, Anchieta participou do Conselheira 101, uma iniciativa de incentivo a mulheres negras em conselhos, que é liderada por um grupo de mulheres com apoio da Women Corporate Directors e outras organizações. No ano seguinte, entrou no Programa de Equidade Racial em Conselhos, curso conduzido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Essas experiências a levaram a integrar – paralelamente e com aval do Itaú -, o conselho fiscal da Ânima Educação e depois o conselho consultivo da Humanitas 360. Este ano, ela retornou para Ânima no comitê de auditoria. “O conselho entrou na minha vida através de um programa de ação afirmativa. Até então, nunca havia considerado essa possibilidade, provavelmente devido à falta de representatividade, pois nunca havia visto conselheiros negros”, conta.
Depois de duas edições do Programa de Equidade Racial em Conselhos, o IBGC decidiu avançar para o programa Raízes, um curso de capacitação destinado a pessoas negras e indígenas, com início previsto para dezembro. Já o Programa de Diversidade em Conselho (PDeC) para formação de mulheres acaba de completar 10 anos e terá a próxima turma em 2025.
Conforme Valeria Café, diretora-geral do IBGC, o Anexo ASG da B3Cotação de B3 é positivo. Ela faz um paralelo com o Informe de Governança, em 2018, de adesão das companhias ao Código Brasileiro de Governança Corporativa, com o modelo “pratique ou explique”. “No decorrer do tempo, o percentual das empresas que praticam vai aumentando. No caso do Informe da Governança, houve um progresso de 30% e, do mesmo modo, vamos ver uma evolução significativa da diversidade”, ressalta.
Já o 30% Club Brazil, capítulo brasileiro de um movimento global que começou no Reino Unido e está presente em mais de 20 países, defende uma parcela de pelo menos 30% de mulheres nos conselhos de administração. “Estudos comprovam que a participação mínima de 30% é necessária para que as mulheres possam fazer a diferença, ter voz e influenciar o quadro de forma propositiva”, diz Anna Guimarães, presidente do conselho consultivo do 30% Club Brazil. Ela ressalta que, hoje, existem muitas mulheres capacitadas para assumir o posto, inclusive, com listas disponíveis no IBGC, Women Corporate Directors, Fundação Dom Cabral, Saint Paul Escola de Negócios e Board Academy.
O 30% Club Brazil tem monitorado a representatividade das mulheres nos conselhos das empresas do IBrX 100. Trata-se de índice de desempenho médio das cem ações com maior negociabilidade na bolsa. Esse grupo de companhias tinha 8,5% de conselheiras em 2019, passando para 20,6% em 2024. A iniciativa premiou este ano as 16 empresas do IBrX 100 com 30% ou mais de cadeiras para as conselheiras: Auren, B3Cotação de B3, Banco do Brasil, Caixa Seguridade, Carrefour Brasil, Cogna, Hypera, Lojas Renner, Magazine Luiza, Raízen, Rumo, Santander Brasil, Vivo, Tim, Totvs e Vivara.
“A diversidade de talentos agrega na construção de um ecossistema inovador e que se conecta com as diferentes realidades dos clientes, gerando negócios e oportunidades de crescimento”, afirma Vivian Broge, vice-presidente de relações humanas e marketing da Totvs. Atualmente, 43% das cadeiras do conselho da empresa são ocupadas por mulheres.
Fonte: Valor Econômico