Para ANS, prazo de pagamento alongado entre hospitais e operadoras explica alta de provisões

O mercado de saúde vem assistindo a uma queda na taxa de sinistralidade dos convênios médicos desde o fim de 2024, que tem se traduzido em reajustes menores neste ano. Mas chama a atenção o aumento das reservas para cobertura de contas médicas a serem quitadas no futuro – o que pode ser uma sinalização de custos médicos maiores e, consequentemente, de retomada de reajustes mais elevados nos próximos ciclos de revisão das mensalidades dos planos.

No primeiro semestre, as reservas para cobrir atendimentos médicos realizados, mas ainda não cobrados das operadoras (a chamada Peona), somaram R$ 28,6 bilhões. É comum a conta médica levar meses para ser notificada, porque há, por exemplo, casos de tratamentos mais longos.

Já a provisão para procedimentos que os hospitais já notificaram (PESL) aos planos de saúde ficou em R$ 27,5 bilhões nos seis primeiros meses do ano. Historicamente, essa provisão é maior do que o atendimento não cobrado, mas, nos últimos três trimestres, houve inversão. Ou seja, atualmente, há mais dinheiro guardado para cobrir despesas médicas futuras dos planos de saúde, o que vem gerando questionamentos sobre essa alta puxada pelas seguradoras.

Marcio Coriolano, consultor da Capitolio Comunicações Estratégicas e ex-presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), diz que “o custo médico continua subindo”. “Essa queda na taxa de sinistralidade que se vê desde dezembro se deve aos reajustes de anos anteriores e menor uso do plano, não à queda do custo médico.”

Em 2024, a receita do setor (vinda das mensalidades dos planos) somou R$ 292 bilhões, com alta de 10% sobre 2023. No mesmo período, as despesas médicas aumentaram 6,4%, para R$ 240 bilhões, mostram dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A ANS diz que “não é correto afirmar que os custos médicos estão subindo, analisando-se isoladamente a Peona”. Na visão do regulador, o aumento dessas reservas ocorre porque os hospitais estão levando mais tempo para notificar as grandes operadoras sobre os atendimentos realizados. “A conta médico-hospitalar de algumas grandes operadoras parece estar demorando mais a ser notificada pelos prestadores a algumas grandes operadoras do que costumava ocorrer no passado, não estando claro, a partir dos números, a razão – que pode se dar desde adequação de sistemas a reorganizações de fluxos operacionais e administrativos entre operadoras e prestadores”, afirmou.

Coriolano diz que o cálculo de reservas futuras é feito com base nas despesas atuais e não tem relação com prazos de notificação entre hospitais e operadoras. A atuária Raquel Marimon, especializada em planos de saúde, explica que “a Peona é estimada com base no histórico de procedimentos que estão sendo realizados, notificados e pagos.”

A Anahp, associação dos hospitais, tem reclamado com frequência que as operadoras estão alongando o prazo de pagamento, não o contrário, como cita a ANS. Em agosto, os hospitais estavam levando em média 83,5 dias para receber. Um ano antes, esse prazo era de 63,7 dias. Considerando o prazo médio de recebimento nos últimos 12 meses, esse indicador ficou em 74,3 contra 72,44 dias no período anterior (2023-2024).

Segundo Leandro Bastos, analista do Citi, ainda faltam explicações sobre o avanço nas reservas, mas ele acredita que pode ser uma combinação dos dois fatores. “O nível de provisões técnicas entre as operadoras de saúde está escalando num ritmo acelerado, refletindo não apenas premissas atuariais piores, como por exemplo, pico de autismo, lista expandida de procedimentos da ANS, etc, mas ciclo de contas a pagar estendido.”

Entre empresas de planos de saúde, as seguradoras são as que menos esticam prazos para pagar

Esse aumento na linha de provisões futuras é puxado pelas seguradoras de saúde. Dos R$ 56 bilhões de reservas totais do setor no primeiro semestre, 21,5% são da Bradesco Saúde e 16,5%, da SulAméricaCotação de SulAmérica. “As seguradoras historicamente têm mais reservas, já é parte do DNA delas, elas são mais conservadoras”, diz Coriolano.

Vale ponderar que, entre as empresas de planos de saúde, as seguradoras são as que menos esticam os prazos para pagar. Portanto, não é possível fazer uma ligação direta entre a alta das provisões das seguradoras com o aumento no prazo de pagamento do setor. Apesar de muitas operadoras reclamarem da obrigatoriedade de se guardar esse dinheiro, as provisões geram receita financeira relevante, em especial com taxa de juros em torno de 15%.

Para Raquel Marimon, atuaria especializada no setor de saúde, as regras de provisão são distintas entre seguradoras, medicina de grupo (operadora que pode ter rede própria), cooperativas médicas e autogestão (empresa que administra o próprio convênio médico). “Há operadoras verticalizadas que conseguem controlar mais seus custos porque o hospital é próprio. Então, isso pode se refletir nos cálculos.”

No setor de planos de saúde, há oito tipos de reservas, que juntas totalizaram R$ 79,2 bilhões no primeiro semestre. As duas mais relevantes são Peona e PESL, que cobrem despesas médicas e somaram R$ 56 bilhões, alta de 12% sobre o mesmo período de 2024.

Essas reservas são relevantes porque o recurso é sacado quando uma operadora entra em liquidação extrajudicial. Esse dinheiro pagará as contas de hospitais e médicos, permitindo que os usuários dos planos continuem sendo atendidos até que seja efetivada a transferência para outra operadora.

Há casos no mercado como o da Unimed-Ferj, que atravessa situação financeira complexa há cerca de dez anos e já sacou suas reservas. É um problema caso a cooperativa médica encerre as atividades e não consiga recompor provisões para pagar as contas. Ainda no Rio, há reclamações dos prestadores de serviço de que a Golden Cross, com liquidação extrajudicial decretada, deve cerca de R$ 200 milhões para hospitais.

Procuradas, a Bradesco Saúde disse que “segue a regulamentação e adota práticas consistentes de gestão técnica. Considerada essencial para garantir o equilíbrio financeiro e o compromisso futuro com segurados e prestadores, a Peona tem se mantido em patamares estáveis nos últimos períodos, sendo compatível com o porte, quantidade de vidas e com os riscos assumidos pela companhia.” A SulAméricaCotação de SulAmérica disse que “realiza provisões necessárias em conformidade com as normas da ANS.” A Fenasaúde, que representa as operadoras, não se pronunciou.

Fonte: Valor Econômico