Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
01/08/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
Embora os efeitos dos cortes de impostos já tenham sido notados na prévia da inflação de julho, um olhar menos pontual para os indicadores mostra que ainda não há muito o que comemorar. Métricas que buscam retratar a tendência de curto prazo como a média móvel trimestral, anualizada e com ajuste sazonal, indicam que preços mais voláteis, como de combustíveis e energia, alvos das reduções de alíquotas, já passaram o pico e registram deflação. A inflação dos alimentos, porém, com peso maior na cesta de consumo dos mais pobres, demonstra mais dificuldade para ceder, enquanto os preços dos serviços, inclusive, aceleram.
A média móvel trimestral é uma forma de suavizar movimentos mensais, mas ainda captar a tendência “na ponta” de modo mais dinâmico do que a variação em 12 meses. “A inflação em 12 meses carrega muita coisa do passado. Com a média móvel trimestral a gente busca antecipar o que vai acontecer com a inflação em 12 meses”, explica Daniel Karp, economista do Santander.
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O IPCA-15 de julho é um bom exemplo de como o indicador de um mês pode registrar comportamentos pontuais. O índice desacelerou para 0,13%, vindo de 0,69% em junho, basicamente porque os preços administrados (definidos por contrato ou órgão público) passaram de alta de 0,86% para deflação de 1,5%. “Teve uma queda concentrada decorrente das medidas de desoneração”, diz Basiliki Litvac, economista-sênior da MCM Consultores, em referência aos cortes de impostos sobre energia e combustíveis. Esse grupo, no entanto, tem peso menor nos índices de inflação do que, por exemplo, a alimentação no domicílio (5,7% contra 15,7%) e sua participação é mais relevante para famílias de renda mais alta, principalmente no caso da gasolina. Tanto que, em junho, antes do corte de impostos, a inflação das famílias de renda alta (0,98%) superou a de famílias de renda muito baixa (0,61%), segundo o Ipea.
De qualquer forma, os efeitos dessas medidas também aparecem nas médias móveis de três meses anualizadas e dessazonalizadas cheias. O IPCA-15 despencou de 15,3% em junho para 8,6% em julho, com os preços administrados indo de alta de 12,4% para deflação de 4,9%, segundo a MCM. Nos cálculos do Santander, a deflação dos monitorados foi de 7%.
A prévia de julho está rodando abaixo do dado em 12 meses, o que indica que a inflação no acumulado fez pico e deve continuar a desacelerar, pelo menos nos indicadores cheios, diz Karp, que calcula um IPCA-15 de 8,8% na média trimestral de julho, para um acumulado em 12 meses de 11,4%.
O total dos preços livres, no entanto, arrefeceu muito menos, de 15,9% para 15%, segundo a MCM. “A inflação não está dando a trégua que parece”, alerta José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e consultor associado da MCM. Reflexos dos cortes de impostos podem aparecer nos preços livres sob a forma de reduções de custos relevantes para a produção, mas ainda está cedo para se observar isso, segundo Litvac. “Os preços livres ainda estão pautados em outras dinâmicas.”
Uma delas é a dos serviços, cujos preços na média móvel trimestral, na verdade, aceleraram de 12,4% para 13% entre o IPCA-15 de junho e o de julho. “É uma taxa elevada”, afirma Litvac. Os serviços subjacentes, aqueles mais ligados ao ciclo econômico, passaram de 11,2% para 12%. Em ambos os casos, no período de 2014 a 2016, quando a inflação de serviços no Brasil estava bastante pressionada, essas taxas rodavam entre 8% e 10% na média móvel de três meses, observa Karp. Nos seus cálculos, a inflação dos serviços subiu para 14,4% na prévia de julho, enquanto os serviços subjacentes foram a 12,4%. “Está com tendência de alta e nenhum sinal de arrefecimento. A inflação cheia tem alguns sinais de melhora, mas essa parte de serviços ainda está bem complicada”, afirma Karp.
Outra dinâmica importante, segundo ele, é a dos preços dos alimentos, que estão muito voláteis. “Na média móvel de três meses, ainda está em 21%, com 12 meses em 17%. Não está bonito”, diz Karp, em referência à alimentação no domicílio. Em Belém, no Pará, e em São Luís, no Maranhão, esse grupo tem peso superior a 20% no IPCA, de 22,7% e a 22,8%, pela ordem, percentuais bem acima da média do índice, de 15,7%. A inflação de alimentos é um dos fatores que afetam a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, por atingir especialmente o bolso dos mais pobres. A queda dos preços de combustíveis tem um efeito menos significativo sobre a renda da maior parte dos eleitores.
A notícia marginalmente positiva é que a inflação do núcleo de alimentação, que inclui produtos mais industrializados, baixou de um pico de 24,8% no IPCA-15 de maio para 18,8% em julho, mas ainda está acima do acumulado de 16% em 12 meses, segundo Karp.
A inflação dos núcleos, medidas que tentam suavizar o efeito de itens mais voláteis, exatamente como alimentação, esboça um arrefecimento. Considerando os cinco núcleos acompanhados pelo Banco Central, a média móvel trimestral passou de 13,3% em junho para 12,5% em julho, de acordo com a MCM. “Tem um sinal de alguma melhora, mas ainda é um número muito alto”, afirma Senna.
Em uma ponta mais positiva está a inflação dos bens industriais, que, na métrica suavizada de três meses, passou de 14,4% na prévia de junho para 11,6% na de julho. Economistas lembram que a categoria inclui o etanol, que também foi alvo de medidas para redução de impostos. “Tem algum ruído por causa disso, mas tem coisas mais tendenciais também”, diz Karp, notando que a média móvel trimestral já roda abaixo da inflação em 12 meses, de 13,5%. “O câmbio no ano contra ano não está mais depreciando tanto e vimos alguns alívios globalmente em cadeias de suprimentos”.
A inflação dos bens industriais subjacentes, grupo que retira o etanol e outros que tiveram mudança de tributação, porém, desacelerou bem menos, de 15,9% em junho para 15,2% em julho, segundo a MCM. “O núcleo dos industriais ainda não está tão bom. Parou de subir, mas não teve uma queda super clara e está meio parado girando nesse nível alto de 15%, acima dos 12 meses, que está em 13,1%”, observa Karp.
Olhando à frente, a perspectiva é de continuidade dessa trajetória de desaceleração dos números agregados na média móvel trimestral, por causa dos efeitos dos cortes de impostos, que ainda devem pegar o IPCA cheio de julho e deixar um “residual” para agosto, observa Litvac. O IPCA-15 de julho ainda não contemplou, por exemplo, a redução do ICMS em telecomunicações. “A inflação nesse bimestre de julho e agosto tende a ser baixa, o que gera impacto para a projeção do ano. Todo mundo está migrando, aos poucos, para perto de 7%”, afirma ela.
É uma inflação que cai no indicador cheio, mas com uma composição ainda ruim, principalmente em termos de política monetária, diz Karp. “O mercado de trabalho ainda está muito aquecido, o que pega muito em serviços via salários. Essa parte mais ligada a preços inerciais, aos núcleos, deve continuar ruim por um tempo.”
O fenômeno acontece lá fora também, nota Senna. “O mercado está mais otimista, as bolsas voltaram a se animar, as expectativas de inflação lá fora estão cedendo. Mas o alerta que eu tenho feito é que, onde a coisa precisa de fato melhorar, que é na inflação, não tem ainda nenhum sinal concreto”, afirma ele, falando sobre os Estados Unidos.
Também na média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada, o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) – que é entendido como o índice oficial acompanhado pelo banco central americano, o Fed – acelerou para 7,2% em junho, enquanto seu núcleo foi para 5,2%. “A política monetária só poderá ser aliviada, tanto lá fora quanto aqui, se a inflação der trégua”, diz Senna.
Fonte: Valor Econômico

