O movimento da inflação “implícita” – ou seja, embutida em outros indicadores – é acompanhado de perto pelos economistas, já que costuma anteceder a direção da trajetória das expectativas de inflação do Boletim Focus, que coleta projeções de mercado e é divulgado pelo Banco Central. Caso a dinâmica persista, é possível que se abra espaço para a discussão sobre o início do ciclo de cortes da taxa Selic.
Há algumas formas de se monitorar essa tendência. Uma delas é por meio da inflação extraída dos títulos públicos. A inflação medida pela NTN-B com vencimento em agosto de 2024 chegou a 6,49% – maior patamar deste ano – no dia 16 de fevereiro, e ontem marcava 4,37%. Já o indicador embutido na NTN-B para maio de 2025 caiu de 6,66% no mesmo dia de fevereiro para 4,98% ontem.
Outra maneira de “ler” a inflação é por meio dos contratos futuros de cupom de IPCA, os chamados DAPs. São derivativos que os investidores usam para se proteger de flutuações na taxa de juro real do Brasil e apostar na trajetória da inflação. Nas máximas do ano, os DAPs para agosto de 2024 e maio de 2025 marcaram 6,57% e 6,73%, e fecharam o pregão de ontem aos 4,53% e 4,92%, respectivamente.
Se as medidas de inflação implícita apresentam recuo expressivo, o movimento exibido nas expectativas de inflação dos economistas no Focus ainda é bastante contido. Ontem, apesar de a mediana das projeções para o IPCA em 2023 tenha caído de 6,03% para 5,80%, a estimativa para 2024 oscilou apenas levemente de 4,15% para 4,13%. Mesmo assim, foi a terceira queda seguida nas projeções para o ano que vem.
De acordo com o economista João Fernandes, da Quantitas, há vetores globais e locais influenciando a dinâmica da inflação implícita pelo mercado. Um deles é que vem crescendo a percepção de que o aperto monetário já praticado pelos bancos centrais terá impacto relevante nos níveis de inflação daqui em diante.
“Lá fora, existe a percepção de que há uma inflação corrente menor em regiões onde houve um aperto monetário maior. No Brasil, tivemos um aperto relevante e essa dinâmica reforça a ideia que esse nível de juros vai colocar a inflação em direção à meta. Também tivemos uma reversão importante no mercado global de inflação implícita e esses mercados acabam sendo correlacionados”, afirma.
Fernandes também aponta para uma dinâmica benéfica nos preços de alimentos, que tem contribuído para as revisões negativas nas projeções de inflação. “Há uma visão um pouco mais disseminada de que os alimentos vão ser um fator de baixa para a inflação não só em 2023 como também em 2024”, diz. Assim, o economista vê espaço para o recuo nas projeções do Focus continuar nas próximas semanas. Recentemente, afirma, a Quantitas revisou sua projeção de inflação para 2024 de 5% para 4,5%.
Para o analista da mesa de renda fixa institucional da XP Bruno Canesin, a queda nos preços das commodities tem sido determinante para a direção da inflação implícita após os recuos vistos nas cotações do minério de ferro, petróleo e grãos. Ele também afirma que a alteração na política de preços da Petrobras ajuda a reduzir a inflação de curto prazo, pois os ajustes nos preços de combustíveis devem ser feitos com mais velocidade para baixo do que para cima.
Ao mesmo tempo, o debate sobre a meta de inflação foi ganhando outro olhar no mercado nas últimas semanas e também contribuiu para uma retirada dos prêmios de inflação embutidos nos preços dos ativos. “Membros do governo vêm afirmando que o entendimento em relação ao assunto mudou um pouco e que não necessariamente uma alteração no centro da meta traria ganhos em termos da política monetária. Com os preços no atacado caindo bastante, leituras negativas nos IGPs [Índices Gerais de Preços] e o câmbio comportado, parece que estão sendo criadas as condições para o início do ciclo de cortes de juros”, diz.
Canesin conta que uma pesquisa da XP mostrou que a porcentagem dos respondentes que acreditavam em uma alteração no centro da meta recuou de 75% em março para algo próximo de 60% em maio. “Não mudar o centro da meta pode fazer com que os analistas diminuam as projeções de inflação para algo em torno de 3,5% em 2025 e 2026. Os analistas seguem reticentes em mudar as expectativas de prazos mais longos devido à discussão da meta. Em se confirmando a manutenção, acredito que teremos uma revisão forte dessas expectativas e isso pode ser um fator adicional para os cortes.”
Ele também diz que, atualmente, as implícitas para 2023 operam ao redor dos 5,5%, o que indicaria espaço para novas reduções nas projeções do Focus para o ano corrente, que estão em 5,8%. Já para 2024, a continuidade de baixa depende da diminuição das incertezas relacionadas à meta.
A Kinea, por sua vez, reduziu as apostas na queda da inflação implícita nas últimas semanas, à medida que a assimetria nos preços observada pela gestora diminuiu. Mesmo assim, segundo a economista Daniela Lima, pode haver uma queda marginal nas projeções do Focus, especialmente se o governo conseguir manter um discurso de maior preocupação com a questão fiscal e se o câmbio se mantiver no patamar dos R$ 5. “É difícil dizer quanto espaço ainda há para a inflação implícita recuar, mas a assimetria para a gente está diminuindo, dado às incertezas que devemos ter sobre a capacidade do governo de cumprir com as metas fiscais.”
De acordo com o estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, o movimento denota uma percepção de mudança da natureza do balanço de riscos para a inflação, com os fatores de queda sobrepujando os de alta. Em relatório a clientes, ele atribui a mudança a uma conjuntura que inclui a queda das commodities; o deslocamento para baixo da curva de juros; a postura dura do Comitê de Política Monetária; o corte de R$ 0,40 na gasolina pela Petrobras; a nova política de preços dos combustíveis,; a deflação duradoura dos preços no atacado; a sustentação do real em um patamar mais apreciado; ente outros fatores.
Fonte: Valor Econômico

