Por Lu Aiko Otta e Guilherme Pimenta — De Brasília
02/10/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
Coisa frequente em outros governos, mas rara no atual, os ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento (MPO) deixaram vir à tona sua discordância em um ponto: como resolver a “bomba-relógio” dos precatórios – um problema que vem se avolumando e, se nada for feito, deixará um estoque de R$ 250 bilhões a pagar em 2027. O Valor apurou que a proposta do Planejamento, então mantida sob sigilo na pasta, envolve manter todo o montante dos precatórios como despesa primária, com exclusão desse gasto da regra de despesa do novo arcabouço fiscal. No entanto, os valores pagos entrariam no cômputo do resultado primário.
O montante a ser pago a cada ano já é conhecido em abril do ano anterior. Se esse valor exceder a variação permitida para o crescimento das despesas previstas no novo arcabouço, o excedente poderia ser pago fora da meta fiscal a depender do valor, segundo a proposta do Planejamento. Tal decisão seria tomada ano a ano pelo Congresso Nacional, quando da apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Esse modelo é diferente do desenho defendido pelo Fazenda: colocar como despesa primária apenas o principal do precatório. O restante (encargos) seria computado como despesa financeira. Documento detalhando essa proposta foi encaminhado nesta semana ao Supremo Tribunal Federal (STF). A corte analisa ação de inconstitucionalidade contra as emendas constitucionais aprovadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que permitiram adiar parte dos pagamentos.
A proposta foi encaminhada ao Supremo sem assinaturas do Ministério do Planejamento. A pasta é contra a separação de despesas financeiras, como proposto pela Fazenda. A ministra Simone Tebet e sua equipe foram mantidas a par das discussões, mas discordaram desta solução.
Na avaliação de técnicos do órgão ouvidos pelo Valor, não há sentido em classificar encargo incidente nos precatórios como despesa financeira e, de outro lado, encargo incidente a alguma receita a receber da União como receita primária. Outro problema apontado por técnicos é a necessidade de estabelecer critérios segregar a despesa financeira.
A pasta avalia ainda que eventual mudança de classificação poderia gerar ruídos na contabilidade fiscal da União. Também destacam que haveria ruídos com a estatística fiscal Banco Central, que hoje classifica tudo despesa primária, sem diferenciação. No pedido dirigido ao Supremo, a Advocacia-Geral da União (AGU) solicita que a autoridade monetária passe a estabelecer o mesmo entendimento, diferenciando a despesa entre financeira e primária.
Nos bastidores, técnicos do Planejamento defendem que, retirando os precatórios dos limites de gasto do novo arcabouço e mantendo na meta de resultado primário, haveria um controle sobre essa despesa. “Há quem defenda também retirar da meta, mas isso poderia gerar um incentivo a uma gestão incorreta dos precatórios”, esclareceu uma fonte ao Valor, ao dizer que a retirada também da meta de resultado chegou a ser cogitada no início deste ano pela pasta, que desistiu deste encaminhamento.
Outra vantagem desse desenho, segundo técnicos do Planejamento, seria evitar que uma despesa de comportamento imprevisível, como a dos precatórios, acabe retirando espaço de outros gastos do governo. Assim, é seria importante retirar dos limites de gastos impostos pelo novo arcabouço fiscal.
A busca da solução para os precatórios por via do Judiciário não inviabiliza outras alternativas. Em comum, as duas pastas pensam em alternativas para lidar com os precatórios não pagos, caso o STF declare o adiamento deles inconstitucional.
Tebet defendeu publicamente a discussão desse problema no Legislativo. Ela e outros integrantes da pasta foram consultados esta semana por parlamentares. Avalia-se na pasta que a atitude do Ministério da Fazenda estimulou o debate sobre esse tema no Congresso, que é de solução urgente.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), como já defendeu publicamente a ministra, seria o melhor caminho para resolver a questão, segundo alegam fontes do MPO. Mas também não é descartada uma saída via Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Assim, avaliam que o STF poderia declarar a manobra à Constituição de 2021 inconstitucional, mas não modularia sua decisão como quer a Fazenda.
Para além de encontrar soluções para os precatórios não pagos desde 2021, o Planejamento quer melhorar a gestão do impacto das disputas judiciais sobre as contas públicas. Atualmente, o governo mantém um acompanhamento sobre as grandes causas em andamento na Justiça. Causas e valores são informados no anexo de riscos fiscais da LDO. No entanto, esse acompanhamento se refere apenas às causas na casa dos bilhões. Disputas de valor inferior não aparecem, mas representam valores elevados.
A ideia é utilizar o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, criado em janeiro deste ano, para melhorar a atuação das áreas jurídicas do Executivo. Por exemplo, identificar quais dispositivos legais dão base a que a União perca causas referentes à Previdência, e atuar para alterá-los.
Fonte: Valor Econômico

