Por Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
27/04/2022 05h01 Atualizado há 5 horas
O modo de aversão a risco se intensificou ontem nos mercados, provocando uma corrida para ativos de proteção. Como resultado, o que se viu foi uma alta generalizada do dólar, queda das bolsas globais e, no Brasil, um novo dia de estresse nos juros futuros. No mercado local de câmbio, o dólar chegou a encostar novamente nos R$ 5, enquanto o Ibovespa enfileirou seu sétimo dia seguido de perdas, fato que não ocorria desde maio de 2016, no auge da crise que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
No fim do dia, o principal índice da bolsa terminou em baixa de 2,23%, aos 108.212,86 pontos, menor nível de fechamento desde 24 de janeiro. No primeiro pregão de abril, o Ibovespa tinha alta superior a 16% no acumulado de 2022, ganhos que foram reduzidos a menos de 4% após o fechamento de ontem. Já o dólar encerrou o dia cotado a R$ 4,9901, em alta de 2,35%, apesar do leilão extraordinário de 10 mil contratos de swap cambial realizado pelo Banco Central (BC).
Os temores de um aperto mais célere da política monetária nos Estados Unidos têm se somado às perspectivas de desaceleração no crescimento da economia mundial, com sinais de que a China deve manter suas políticas rigorosas de controle da pandemia. Essa combinação tem tornado o cenário global mais complexo e alimentado um comportamento de ampla aversão a risco.
No contexto de menor demanda por risco, os ativos brasileiros, que vinham de ganhos expressivos no primeiro trimestre, têm demonstrado rápida deterioração.
“Os últimos dias têm sido de movimentação muito intensa do câmbio. A apreciação tinha sido um pouco exagerada e, agora, há uma forte realização”, afirma o economista-chefe da Western Asset no Brasil, Adauto Lima. Ele nota que os preços das commodities arrefeceram nos últimos dias e enfatiza, em especial, o cenário de desaceleração mais forte da economia global, que tem alimentado a aversão a risco nos mercados.
“Quando se soma a política monetária nos EUA, a economia chinesa crescendo menos em função das restrições e de questões estruturais, a percepção de risco e de insegurança se torna muito grande”, afirma. Além disso, ele cita a incerteza com os impactos da guerra na Ucrânia, que voltou a aumentar após a Rússia cortar fornecimento de gás natural para a Polônia e para a Bulgária.
O estresse observado no mercado de câmbio também empurrou para cima as taxas futuras de juros, que demonstraram alta firme ao longo de toda a curva. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 subiu de 11,99% para 12,13%, enquanto a do DI para janeiro de 2027 escalou de 11,82% para 11,965%.
“Apesar de sua recente alta, esperamos um ambiente global menos benigno para o real à frente. Atualmente, os fundamentos apontam para direções mistas para o real: enquanto por um lado o fortalecimento do dólar e a maior aversão ao risco devem empurrá-lo para baixo, a nova rodada de aumentos de preços de commodities deve ter um efeito positivo sobre ele”, afirmam, em nota enviada a clientes, os economistas do Citi.
Para eles, o efeito das commodities no câmbio vinha prevalecendo até recentemente, mas o cenário pode mudar no curto prazo. “Vemos riscos crescentes para um ambiente global menos benigno para os emergentes, devido ao esperado aperto monetário dos EUA. Além disso, uma potencial rodada adicional de fortalecimento do dólar em meio aos preços mais baixos das commodities pode exacerbar os impactos negativos no real, dando apoio à nossa projeção de R$ 5,19 até o fim de 2022.”
A moeda americana também subiu em relação a outras divisas emergentes, mas de forma mais branda. No fechamento do mercado local, o dólar avançava 0,94% ante o peso mexicano, subia 0,92% contra o rand sul-africano e ganhava 0,31% na comparação com o peso chileno.
Tomás Awad, sócio-fundador da 3R Investimentos, afirma que, mesmo durante a valorização dos ativos locais no primeiro trimestre, tinha pouca convicção de que o rali da bolsa era sustentável. “Não vejo muitos meios de o rali continuar, até porque eu não via lá atrás. O cenário de uma bolsa de lado já devia ser de comemoração”, diz.
Na visão do profissional, o pano de fundo global é bastante desafiador no momento, com inflação global elevada, um aperto monetário duro nos Estados Unidos, desaceleração do crescimento na China e uma geopolítica bastante conturbada. Com fundamentos pouco consistentes da economia brasileira, Awad tem preferência pelos setores mais ligados ao consumo básico da bolsa local.
Para além da fragilidade do cenário externo ontem, os participantes do mercado local receberam mal os resultados do Santander no primeiro trimestre. Assim, o setor financeiro, um dos poucos do Ibovespa que vinham demonstrando resiliência nos últimos dias, fechou o dia com perdas generalizadas. As units do Santander recuaram 4,55%, enquanto as ações ordinárias do Banco do Brasil caíram 2,25%. Os papéis preferenciais do Bradesco e do Itaú Unibanco tiveram perdas de 4,29% e 3,40%, respectivamente.
Os investidores globais têm demonstrado cautela crescente desde quinta-feira, quando o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, chancelou os discursos de membros do comitê de que uma alta de juros mais rápida no país é uma opção. Ao mesmo tempo, os agentes monitoram a evolução da pandemia na China, com temores de que Pequim, a capital do país, seja submetida ao mesmo nível de restrições observadas em Xangai.
“O contexto externo segue desafiador. Dúvidas acerca da atividade econômica à frente – especialmente em relação à China -, tensão geopolítica elevada e juros globais em alta são os obstáculos lá fora. A procura por mercados commoditizados, com preços atrativos e juros altos, têm favorecido o fluxo para os ativos brasileiros, mas pode perder intensidade caso a aversão ao risco global se eleve”, observam os profissionais da BB DTVM em comentário semanal.
Nesse contexto, o comportamento dos investidores globais ontem foi de fuga de ativos de risco de risco e busca por proteção. Em Nova York, o Dow Jones encerrou em queda de 2,38%, o S&P 500 caiu 2,81% e o Nasdaq perdeu 3,95%. O índice de volatilidade do S&P 500, conhecido como o “termômetro do medo” de Wall Street, disparou 24,06%, para 33,52 pontos.
Os rendimentos dos Treasuries também recuaram, sinalizando os maiores receios dos investidores com o cenário à frente. O juro de dois anos recuou para 2,54%, de 2,63% da véspera, enquanto o bônus do título de 10 anos caiu a 2,77%, de 2,81% do dia anterior.
Fonte: Valor Econômico
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