Por Victor Rezende, Gabriel Roca, Igor Sodré e Matheus Prado — De São Paulo
08/06/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
O mercado voltou a embarcar em um cenário cuja percepção é de maior risco fiscal à frente. O plano do governo federal de ressarcir os Estados que aceitarem zerar o ICMS que incide sobre o diesel e o gás de cozinha elevou a preocupação com as contas públicas e penalizou os ativos domésticos, assim como declarações do presidente Jair Bolsonaro de que não se pode descartar, ainda, um decreto de calamidade pública.
O movimento mais expressivo se deu no mercado de juros, que costuma ser mais sensível à atuação fiscal. A taxa do DI para janeiro de 2027 saltou de 12,405% para 12,57% no fechamento e alcançou o maior nível desde o fim de outubro. O real, por sua vez, figurou entre as moedas de pior desempenho no dia. No encerramento dos negócios, o dólar era negociado a R$ 4,8742, em alta de 1,64%.
São várias as propostas na mesa. No Senado, com aval já da Câmara dos Deputados, tramita o PLP 18, projeto de lei complementar que impõe um teto de 17% a 18% à cobrança do ICMS sobre itens como energia elétrica, combustíveis e gás natural. Na segunda-feira, o governo anunciou que, caso o projeto seja aprovado, encaminhará uma PEC para viabilizar compensações aos Estados que se dispuserem a zerar, a partir desse teto, o ICMS para diesel e gás de cozinha. O governo falou, ainda, em zerar as alíquotas federais de PIS/Cofins e Cide da gasolina e do etanol.
Nos cálculos da Genoa Capital, a combinação das medidas anunciadas pelo governo na segunda-feira e do PLP 18 representa uma perda fiscal potencial de cerca de 1,5% do PIB em termos anualizados. “É algo difícil de ser ignorado. Além disso, fica o temor de que novas medidas fiscais possam ser anunciadas futuramente”, observa Luiz Alberto Basqueira, sócio e co-gestor de renda fixa da casa.
Além dos anúncios, declarações de membros do Congresso ao longo do dia sinalizaram pressão em aprovar o PLP 18, cujo impacto é de aproximadamente R$ 100 bilhões. “Acho difícil não imaginar que os governadores tenham que, futuramente, subir outros impostos para cobrir essas perdas, o que também aumenta a incerteza da inflação mais à frente”, aponta o gestor.
Para Basqueira, as medidas que são cogitadas deixam um risco altista para a inflação em prazos mais longos. “Além da piora fiscal, o fato do corte do PIS/Cofins durar até o fim do ano tira aproximadamente 0,7 ponto percentual do IPCA em 2022, mas isso voltaria em 2023, impactando o horizonte relevante do Banco Central”, diz.
Não por acaso, embora os juros de longo prazo tenham sido bastante pressionados, os mais curtos também exibiram alta. A taxa do DI para janeiro de 2024 avançou de 13,115% para 13,18%.
Para o sócio e gestor de renda fixa da Gauss Capital, Carlos Menezes, a proposta desenhada pelo governo não materializou o pior cenário para o mercado, já que na mesa estavam hipóteses como a decretação do estado de calamidade ou a alteração da política de preços da Petrobras. No entanto, o impacto fiscal maior que o esperado pelos agentes financeiros pesou negativamente sobre os preços dos ativos, observa o profissional.
“Não achamos [a proposta final] muito ruim. Mas, de qualquer forma, veio com um impacto fiscal maior que o precificado pelo mercado e indicou um certo ‘desespero’ do governo por baixar a inflação, mesmo que isso tenha custos maiores”, afirma Menezes.
A visão é compartilhada pelo gestor de renda fixa da AF Invest, Maurício Valadares. Para ele, o Brasil segue uma série de países ao redor do mundo que adotaram medidas de subsídio aos combustíveis, no contexto da alta disseminada dos preços. “Mais que a medida anunciada, o mercado está colocando mais prêmio por possíveis medidas que podem vir à frente.”
O mercado de câmbio também registrou movimentos expressivos na sessão de ontem. Nas máximas do dia, o dólar chegou a R$ 4,93, mas perdeu um pouco de fôlego ao longo do dia. O movimento, porém, não foi suficiente para o real deixar de estar entre os piores desempenhos do dia.
Apesar do movimento de forte alta do dólar visto ontem, Ricardo Cattaruzzi, gestor de moedas da ACE Capital, vê a desvalorização do real como algo pontual. “Os motivos que fizeram o real ter um desempenho melhor em relação a outras moedas, como os juros altos por aqui, permanecem. Acredito que o que estamos vendo agora é algo para o curto prazo”, diz.
Para Cattaruzzi, o mercado deve ficar mais atento às questões fiscais nos próximos dias, até que seja definido o rumo das contas públicas. “A tendência é o mercado ficar um pouco mais nervoso por conta disso”, aponta o gestor da ACE.
O mau humor visto nos mercados de câmbio e de juros não teve reflexos mais contundentes no Ibovespa, que fechou em queda de 0,11%, aos 110.070 pontos. “Com o governo voltando a mostrar intenção de ‘empurrar o teto para cima’, o mercado também voltou a se preocupar com a saúde fiscal do país”, diz César Mikail, gestor de renda variável da Western Asset. Ele nota, porém, que o Ibovespa conseguiu encontrar um “chão” no nível dos 110 mil pontos, já que as empresas ligadas a commodities continuaram a sustentar o índice.
Nessa linha, Vale ON subiu 2,34% e Petrobras ON e PN avançaram 0,36% e 1,19%, respectivamente. “Apesar da questão fiscal, a proposta é positiva para a Petrobras, já que tira, por ora, o peso dessa discussão para a companhia. Mas, se os preços do petróleo voltarem a subir, o que não é nosso cenário-base, o problema volta”, diz Mikail.
Fonte: Valor Econômico