Por Jéssica Sant’Ana, Raphael Di Cunto e Guilherme Pimenta — De Brasília
28/08/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
O pacote que deverá ser oficializado pelo governo na próxima quinta-feira (31) visando garantir aumento de receita para ajudar a cumprir a promessa de zerar o déficit primário em 2024 deve envolver quatro projetos de lei e duas medidas provisórias. A equipe econômica quer que os textos sejam convertidos em lei até o fim deste ano, mas parte das propostas enfrenta resistência e pode ter que passar por mudanças, apurou o Valor.
As medidas que dependem do Congresso são a maioria para que o governo consiga arrecadar os R$ 130 bilhões estimados para fechar a conta no ano que vem. Os números ainda podem mudar porque estão sendo fechados pela equipe econômica até o envio da peça orçamentária. Mas o governo tem na gaveta planos “A, B, C e D”, como costumam dizer integrantes do Ministério da Fazenda. As alternativas envolvem, por exemplo, transações tributárias – que não dependem do Congresso – e podem ajudar na missão do resultado primário igual a zero.
Das medidas que dependem dos congressistas, o projeto com tramitação mais avançada é o que altera a regra de empate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em favor do fisco. O texto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e a previsão é que seja votado – e aprovado – no plenário antes de quinta. Com isso, segue para sanção presidencial, pois já tinha sido aprovado pela Câmara.
A proposta é uma prioridade para o Executivo. Há R$ 1,2 trilhão em estoque no âmbito do órgão recursal da Receita Federal. A Fazenda estima ser possível arrecadar no ano que vem, no mínimo, R$ 40 bilhões com o retorno do voto de qualidade.
O projeto que regulamenta apostas esportivas também deve caminhar. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nomeou, na sexta-feira (25), o líder do PSDB, deputado Adolfo Viana (BA), como relator. A proposta passa a trancar a pauta de votações do plenário a partir do dia 8 de setembro. O tucano terá duas semanas para negociar ajustes com o governo e com o setor. A medida deve render R$ 2 bilhões de arrecadação em 2024.
A missão fica mais difícil quando se fala da medida provisória dos fundos exclusivos e do projeto de lei das “offshores”. Apesar do acordo com Lira, os textos – que ainda nem chegaram ao Congresso, o que deve acontecer nesta segunda (28) – já enfrentam resistência.
Conforme adiantou o Valor na sexta, a cúpula da Câmara discorda da proposta da Fazenda de cobrar uma alíquota de 10% sobre a antecipação do pagamento de Imposto de Renda (IR) dos fundos exclusivos e deve reduzi-la a 6%, mesmo patamar aprovado pela casa em 2021 na reforma do Imposto de Renda. Os 6%, lembram fontes, foram o percentual combinado com representantes do mercado financeiro na época. A cobrança, contudo, nunca chegou a ocorrer porque o Senado travou a reforma da tributação sobre a renda.
Atualmente, os fundos exclusivos só recolhem IR quando são encerrados ou quando os recursos são sacados. O governo pretende que eles passem a ser tributados periodicamente, como ocorre no sistema “come-cotas”, e enviará uma MP com este objetivo. O texto também vai propor a tributação do estoque de rendimentos. Com isso, a Fazenda espera arrecadar R$ 3 bilhões ainda em 2023 e pouco mais de R$ 7 bilhões no ano que vem.

Governistas acreditam que a mudança pode se tornar um novo foco de embate entre os deputados e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas líderes partidários ressaltam que já teria ocorrido acordo nos bastidores com o secretário-executivo do ministério, Dario Durigan, para a redução, apurou o Valor. Durigan liderou as negociações, pois Haddad acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em viagem à África.
Já a tributação das “offshores” foi enviada inicialmente pelo governo como medida provisória, mas terá de ser convertida em projeto de lei, a pedido do Congresso. Lira já sinalizou que o texto terá de deixar de considerar os ganhos com variação cambial da “offshore” para fazer a tributação. A ideia da Fazenda era que a variação cambial do recurso investido no exterior compusesse o ganho de capital tributável. A expectativa de arrecadação era de R$ 3,6 bilhões.
Há, ainda, o projeto de lei que vai propor o fim dos juros sobre capital próprio (JCP), mecanismo usado por grandes empresas para se financiar e reduzir o pagamento de IR. O Valor apurou que ainda não há acordo. A Fazenda vai sugerir o fim do mecanismo, mas o assunto não foi discutido com Lira nas reuniões da semana passada.
Na reforma do IR, a Câmara chegou a aprovar o fim deste instrumento, mas, como contrapartida, havia uma redução no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, o que não ocorrerá neste momento.
Haverá, ainda, uma medida provisória para tratar da tributação de benefícios fiscais concedidos pelos Estados no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), apurou o Valor. Esse tema foi decidido em abril pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a favor da União, mas a Fazenda regulamentará a questão para garantir a arrecadação, além de abrir transação tributária para débitos antigos. Haddad vem falando em arrecadar até R$ 90 bilhões, mas o valor que deve ir na peça orçamentária deve girar em R$ 50 bilhões.
Se são seis as medidas que ainda dependem do Congresso, por outro lado, as novas regras para preço de transferência já viraram lei. O governo apoiou uma medida provisória enviada pelo governo anterior ao Congresso. Essa MP já foi aprovada e sancionada. Falta a regulamentação da Receita Federal.
O preço de transferência é o nome dado à forma de apuração de parte do lucro das multinacionais para fins de pagamento do IR e CSLL. O governo vem falando em uma arrecadação adicional de R$ 25 bilhões por ano com a mudança nas regras de cálculo.
Fonte: Valor Econômico

