Por Alexandre Bassoli
23/06/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
Após um período de acelerado crescimento de 1900 a 1980, o baixo crescimento tem sido a norma da economia brasileira nas últimas quatro décadas. Desde 1980, o PIB per capita mostra uma expansão acumulada de 33%, segundo dados do FMI. Perdemos o bonde da história, num período em que outros países outrora mais pobres conseguiram mudar substancialmente o seu patamar de desenvolvimento. O exemplo mais óbvio é a China, que no mesmo período apresentou crescimento per capita de nada menos que 2.700%. A Coreia do Sul, que em 1980 tinha um PIB per capita equivalente a menos da metade do brasileiro, ao longo do mesmo horizonte acumulou expansão de 743%, e tem agora uma renda por habitante que é mais do que o triplo da nossa.
Mesmo pelos padrões enfadonhos das últimas décadas, os números do Brasil nos últimos dez anos são muito ruins. Também de acordo com o FMI, a renda per capita no Brasil em 2023 estará 4,1% abaixo do patamar observado há 10 anos. O longo período de semiestagnação deu lugar a um forte empobrecimento do país. Tivemos entre 2014 e 2016 uma das piores recessões da história, com uma queda da renda per capita de 8,6%, e desde então a economia não se recuperou plenamente.
Há, porém, um aparente paradoxo nos dados econômicos. O mercado de trabalho se recuperou com vigor nos últimos anos, e a taxa de desemprego alcançou no início deste ano os menores patamares desde 2015. Pelas métricas usuais, a economia está próxima do pleno emprego, ou talvez tenha ido além desse ponto. Não por acaso, o rendimento médio habitual de trabalhadores tem crescido em termos nominais perto de 13% ao ano, segundo os dados da Pnad. Isso ajuda a explicar a persistência da inflação.
A despeito de alguma queda recente, o núcleo por médias aparadas do IPCA tem se mantido próximo a 6% em termos anualizados, um patamar ainda alto à luz das metas. Um olhar mais detido mostra que a resiliência deriva principalmente dos preços de serviços, exatamente o componente mais sensível ao aperto das condições do mercado de trabalho.
Bancos centrais que operam sob o regime de metas de inflação têm o mandato de calibrar a taxa de juros para produzir a convergência da inflação para a meta, ainda que essa convergência possa ser gradual para suavizar as oscilações de produto. Pode haver um dilema para a política monetária quando se tem simultaneamente alta inflação e elevada ociosidade. Essa não é, contudo, a situação atual do Brasil: temos inflação persistentemente acima da meta, ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho exibe baixos níveis de ociosidade e fortes pressões salariais. É natural, portanto, que a política monetária tenha se mantido em campo restritivo no período recente.
O ponto a ser destacado é que o mau desempenho brasileiro na última década não pode ser atribuído à política monetária. Uma economia em pleno emprego que exibe queda de sua renda per capita ao longo de dez anos sofre de doença mais grave. Estamos diante de uma queda de produtividade que destruiu capacidade produtiva. Tudo indica que a economia ainda lida com efeitos da forte piora da alocação de recursos no período que culminou com a recessão de 2014-2016. Destacam-se naquele período, afora os graves desequilíbrios macroeconômicos, o agigantamento dos bancos públicos, as intervenções governamentais crescentes e a maior incerteza regulatória.
É grave equívoco supor que as mazelas do Brasil no período recente possam ser suplantadas com ataques ao regime monetário. Está superada há décadas a noção de que se pode alcançar maior crescimento de forma sustentada através de maior tolerância com a inflação. O Brasil já incorreu várias vezes nessa estratégia ao longo de sua história, a última delas a partir de 2011. Os resultados são conhecidos: uma recessão de proporções históricas acompanhada de inflação em 10,7% em 2015. A Argentina levou essa estratégia ao extremo e não por acaso colheu resultados ainda piores: queda da renda per capita de 9% nos últimos dez anos, ao mesmo tempo em que dá passos largos rumo à hiperinflação.
A melhor contribuição que a política monetária pode dar ao crescimento sustentado é assegurar a estabilidade de preços e reduzir a incerteza macroeconômica. É preciso compreender a gravidade da “malaise” que nos acometeu na última década e construir uma agenda com foco no aumento da produtividade e na sustentabilidade fiscal.
Alexandre Bassoli é economista-chefe da Apex Capital
E-mail: alexandre.bassoli@apexcapital.com.br
Fonte: Valor Econômico

