Iniciativas trazem resultados econômicos, sociais, ambientais, agradam investidores e fazem rodar a tão sonhada economia circular
Por Marlene Jaggi
31/08/2023 06h01 Atualizado há 4 horas
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/y/z/BovrqVSvuu9ncWIfwSJw/056-logistica-20reversa-recicla-20solar.jpg)
Da coleta à triagem dos materiais, da prensa à conscientização de consumidores e ao cooperativismo, Ruth Dácio, 48 anos, assimilou, durante 30 anos, experiências valiosas. A bagagem acumulada foi fundamental para superar revezes, como o incêndio que atingiu a cooperativa formada em Manaus, em 2018, e a queda nos preços dos materiais, quando a alíquota de importação de resíduos estava zerada, no ano passado. O aporte de R$ 380 mil que recebeu da petroleira ExxonMobil renovou o ânimo e tem potencial para colocar a Eco Cooperativa em outro patamar de gestão de resíduos recicláveis na capital do Amazonas – uma das regiões do país em que a logística reversa ainda tem muito a avançar. Os recursos serão destinados para a implementação do modelo YouGreen, que busca transformar as cooperativas convencionais em exemplos de eficiência e inovação.
“Com os processos estruturados, nosso objetivo é aumentar a eficiência e a capacidade da cooperativa, com mais produtividade dos colaboradores e menos impacto para o meio ambiente”, diz Dácio, hoje coordenadora de operação e produção da cooperativa, cuja meta é coletar, até 2025, cem toneladas de resíduos por mês. A parceria com a petroleira ainda possibilitou a compra de uma transpaleteira, capaz de locomover grandes volumes de carga, de uma prensa e uma esteira de triagem, a integração com uma central de serviços compartilhados, com consultoria jurídica e comercial, além de treinamentos e processos educativos para catadores.
Estabelecer parcerias com organizações, redes e cooperativas é um dos mecanismos usados pelas empresas para cumprirem as metas estabelecidas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). As iniciativas trazem resultados econômicos, sociais, ambientais, agradam investidores e fazem rodar a tão sonhada economia circular. Mas o país ainda precisa avançar muito no tema, dizem os agentes envolvidos na operação.
Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), o Brasil reciclou no ano passado apenas 4% de um total de 82 milhões de toneladas de resíduos. “Os setores estão em estágios diferentes na implementação da logística reversa”, diz Pedro Maranhão, presidente da associação. O sistema de medicamentos, exemplifica, só teve seu decreto aprovado em 2020, enquanto a coleta de pilhas e baterias começou de forma voluntária há 20 anos. Até agora, 12 classes de produtos têm sistemas de logística reversa implementados, com formas de monitoramento especificadas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/t/6/0ARdkrSACS4Ag1LsQxUQ/056-logistica-20reversa-fernanda-20daltro-cempre.jpg)
Do lado das empresas, embora muitas fujam às responsabilidades detalhadas na PNRS, não faltam exemplos positivos, como mostra o monitoramento da plataforma Reciclar pelo Brasil, construída em 2017 a partir dos projetos da Coca-Cola e da Ambev para apoiar cooperativas de catadores. Gerenciada pela Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), a plataforma reúne hoje 18 grandes empresas parceiras em 230 cidades. Entre 2017 e 2022, o número de cooperativas e associações ligadas ao projeto subiu de 110 para 245 e o de catadores passou de 1.048 para 6.187. No período, o volume de materiais reciclados totalizou 664 mil toneladas, o faturamento com a venda dos resíduos chegou a R$ 443 milhões e a renda média dos catadores passou de R$ 590,43 para R$ 1.413,00.
Na Coppercaps, cooperativa com cinco unidades e 355 cooperados em São Paulo, as parcerias com empresas como Tetrapack, Klabin, Braskem e Down, entre outras, também sustentam bons resultados: no ano passado, a rede faturou R$ 17 milhões com a venda de 22 mil toneladas de resíduos recicláveis. Para este ano, a meta é chegar a 25 mil toneladas. A cooperativa criou um centro de referência para catadores, oferecendo alfabetização, cursos técnicos e programas como o “Rede Transforma”, cujo objetivo é acabar com a tração humana na coleta de materiais, explica Telines Basilio do Nascimento Junior, diretor-presidente da Coopercaps.
Apesar dos avanços, Anderson Nassif, gerente da Ancat, considera imenso o desafio de eliminar os gargalos da atividade. Segundo ele, é preciso ampliar a atenção dos governos e empresas para o tema e promover a adesão dos consumidores, que muitas vezes desconhecem a oferta de serviços ou desanimam diante da distância ou da dificuldade de acesso aos pontos de coleta, hoje, concentrados em regiões com maior densidade populacional. “Ainda há perto de 5 mil lixões a céu aberto. É preciso acabar com eles e fazer a inclusão socioeconômica dos catadores que sobrevivem da coleta nesses locais”, diz.
Para Fernanda Daltro, gerente-executiva do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), essas e outras dificuldades podem ser amenizadas com mudanças na legislação da logística reversa implementadas pelo governo neste ano, entre as quais, a criação de normas para embalagens. “O consumo é difuso, diversificado, por exemplo, de pneus, que propõe local de coleta, ou o de baterias, que já tem coleta nos pontos de revenda”, afirma. A criação de uma certificação para a logística reversa para empresas que cumpram os requisitos estabelecidos e o aumento das alíquotas de importação de resíduos são outras medidas que podem impulsionar o setor. “As empresas, especialmente as listadas em bolsas de valores, buscam essa certificação”, argumenta. De forma geral, segundo Daltro, as companhias tendem a investir no aumento de produtividade das cooperativas. “Algumas tentam influenciar os recicladores para melhorar o preço ou a economia circular, mas, de forma geral, as empresas precisam fazer mais”, observa.
Uma das pioneiras no desenvolvimento de sistemas de logística reversa, a Coca-Cola reúne seus projetos no programa “Mundo Sem Resíduos”, lançado pela matriz, em 2018, que estabelece metas e prazos para suas embalagens pós-consumo. Uma delas é garantir que, até 2025, 100% das embalagens utilizadas pela companhia sejam recicláveis (já alcançou 99,4% no Brasil). Outra é coletar e reciclar 100% das embalagens comercializadas até 2030 – o percentual atual no Brasil é de 43%.
A companhia também se compromete a incorporar 50% de conteúdo reciclado nas embalagens até 2030 (o índice alcançado no país é de 23% e até o fim do ano deverá chegar a 25%) e a assegurar que 25% do volume de vendas seja feito por meio de embalagens retornáveis (o índice já é de 20% no Brasil e de 34% na América Latina). “A região se tornou líder mundial nesse quesito”, diz Rodrigo Brito, head de sustentabilidade para Coca-Cola Brasil e Cone Sul. A ideia é reduzir o uso de matérias-primas virgens e ampliar a oferta de embalagens retornáveis.
Entre as ações para alcançar essas metas estão o lançamento, em 2020, da água mineral Crystal 100% feita com PET reciclado e a mudança de cor da embalagem da Sprite, de verde para transparente, que tem maior procura e valor na cadeia de coleta, explica Brito. Desde 2018, os investimentos do Sistema Coca-Cola Brasil (The Coca-Cola Company, fabricantes e Fundação Coca-Cola) em programas e iniciativas de coleta e reciclagem chegam perto de R$ 50 milhões. Além do projeto “Reciclar pelo Brasil”, a Coca-Cola Brasil mantém outras parcerias, como a feita com Coca-Cola Femsa no projeto SustentaPET, que consiste numa central de coleta de PET pós-consumo com quatro unidades. O material é comprado diretamente de cooperativas e catadores individuais.
Na área de eletroeletrônicos domésticos e seus componentes, há desde 2019 um decreto que obriga as empresas a coletarem e destinarem o lixo eletrônico. O cronograma de cinco anos foi iniciado em 2021, com um percentual progressivo, que começou em 1% naquele ano para chegar a 17% em 2025. “As 80 empresas associadas ao Green Eletron estão cumprindo, mas há milhares de indústrias e importadores nesse setor e pouca fiscalização”, diz Ademir Brescansin, gerente-executivo da empresa gestora. O acordo também prevê que o número de cidades atendidas pela logística reversa do setor chegue a 400 em 2025 – eram 24 em 2021. Atualmente, há logística reversa em 1.100 pontos de 266 cidades.
No setor de óleos lubrificantes, o sistema de logística reversa tem ajudado fabricantes a ultrapassarem o compromisso de recolher 45,5% do óleo lubrificante usado ou contaminado (Oluc). Em 2022, quando foi produzido 1,4 milhão de metros cúbicos, o quarto maior volume da história desse mercado, foi feita a reciclagem de 51,4% de Oluc. A Iconic, gestora das marcas Ipiranga Lubrificantes e Texaco, recolheu 102 milhões de litros de Oluc e cerca de 1,15 milhão de toneladas de embalagens por meio do Instituto Jogue Limpo. No ano passado, a Iconic investiu cerca de R$ 36,5 milhões em logística reversa.
Fonte: Valor Econômico