Por Francisco Góes, Rafael Rosas, Murillo Camarotto e Taís Hirata — Do Rio, Brasília e São Paulo
05/09/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
A nova edição do Programa de Aceleração do Crescimento, renomeado de Novo PAC, retoma a visão do Estado como indutor do desenvolvimento, uma marca das gestões petistas no governo federal. Os investimentos com recursos do Orçamento Geral da União e via empresas estatais continuam a ser parte relevante do programa, embora esta terceira edição do PAC também traga, como uma das novidades, maior participação do setor privado. Economistas e especialistas em infraestrutura ouvidos pelo Valor manifestam preocupação com o fato de o relançamento do PAC coincidir com um momento em que há dúvidas no mercado sobre a capacidade do governo de cumprir as metas fiscais: “Se os investimentos não forem pensados em um contexto de contas públicas mais acertadas, o tiro pode acabar saindo pela culatra no aspecto macroeconômico”, diz a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).
A maioria dos analistas acredita que será difícil zerar o déficit nas contas públicas em 2024, como previsto na proposta orçamentária enviada ao Congresso na semana passada. Assegurar o superávit primário (resultado positivo entre receitas e despesas do governo, excetuando-se o pagamento com juros da dívida) é importante para que a economia continue a melhorar, a inflação fique sob controle, os juros sigam caindo e o risco-país melhore ainda mais. Mas para que a meta fiscal seja alcançada será preciso garantir receitas extraordinárias, o que hoje não está assegurado. O novo arcabouço fiscal, aprovado pela Câmara, se alicerça no crescimento das receitas.
Se as receitas extras não aparecerem, o governo teria que contingenciar gastos ou mudar a meta fiscal, o que seria ruim para as expectativas dos agentes do mercado. Seria o popular “veja bem”, expressão usada para justificar alguma mudança de rota nos planos. “Seria preciso ver o tamanho do ‘veja bem’ que poderia se fazer, o qual pode ser razoável, compreensível, ou chutar tudo para o alto, o que é uma coisa completamente diferente”, acrescenta Manoel Pires, também do FGV Ibre. Se, eventualmente, o governo tiver que fazer contingenciamentos de gastos no começo do ano que vem como forma de cumprir a meta fiscal, o PAC poderia enfrentar dificuldades na parte que cabe ao governo.
Lançado em 11 de agosto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros, o Novo PAC prevê R$ 1,7 trilhão em investimentos, sendo R$ 1,4 trilhão até 2026, quando termina o mandato do atual governo. Os demais R$ 300 bilhões seriam aplicados no período posterior a 2026, com nova gestão no Planalto. Do total previsto, R$ 371 bilhões serão feitos com recursos orçamentários da União; R$ 343 bilhões via esforço de empresas estatais; R$ 362 bilhões mediante financiamentos e R$ 612 bilhões são esperados como contribuição do setor privado.
A participação privada considera projetos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs), que não deslancharam no âmbito federal nos primeiros PACs. Silvia Matos, do FGV Ibre, diz que para o investimento privado acelerar será preciso uma redução dos juros na economia: “Se fizer gasto público em um contexto que atrapalhe a política monetária, o juro pode não cair tanto. Aí o setor privado, para entrar, vai pedir subsídio.”
Na ocasião da apresentação do programa, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, coordenador do PAC, destacou responsabilidades assumidas pelo governo federal na execução de obras, incluindo as questões fiscal e ambiental. O viés de sustentabilidade ambiental é outro aspecto que permeia toda a nova edição do PAC. Também na cerimônia, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que os bancos públicos vão entrar com R$ 440 bilhões de investimento no PAC. Só o BNDES aportaria R$ 270 bilhões em quatro anos.
O diretor de planejamento do banco, Nelson Barbosa, diz que o PAC é uma maneira de o governo selecionar projetos e mobilizar as diferentes instâncias da administração federal para a execução desses empreendimentos. “O PAC dá um horizonte de planejamento e permite dar foco a projetos de investimentos que são prioritários para o governo”, diz o ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. Pires concorda mas acrescenta que o governo não é obrigado necessariamente a executar tudo que está listado no PAC. O risco, diz, é existir uma pressão dos ministérios para que tudo vire PAC, uma vez que estando no programa o projeto ganha preferência para ser incluído no Orçamento da União.
Esta é a primeira de uma série de três reportagens do Valor que vai discutir o PAC. Esta avalia os efeitos macroeconômicos do programa na economia, a governança e a questão das obras paradas, tema sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU). A segunda parte, na semana que vem, vai tratar dos gargalos para execução dos investimentos, que incluem desafios ambientais e de construção. Já a terceira reportagem dará ênfase à participação privada e a alguns dos principais eixos setoriais da iniciativa. O PAC foi dividido em nove subeixos. Para compor esse retrato do programa, este jornal ouviu mais de 20 pessoas nas últimas semanas, incluindo economistas, especialistas em infraestrutura, representantes de associações e entidades de classe e porta-vozes do governo federal.
Barbosa diz que o BNDES vai analisar os projetos a serem financiados pela instituição de forma técnica, observando aspectos como riscos e o fluxo de caixa dos mesmos e levando em conta ainda as fontes de empréstimo disponíveis, sejam de mercado ou do governo, dependendo do tipo de empreendimento. “O fato de o projeto ter sido parado ou não no passado não é necessariamente um critério de análise do BNDES e, sim, o seu fluxo de caixa futuro.”
As versões anteriores do PAC enfrentaram problemas de execução e obras inacabadas e, em alguns casos, custaram mais do que o previsto. A nova versão exigirá um sistema eficiente de monitoramento e fiscalização. De forma geral, os projetos precisam ser bem desenhados para serem implantados no custo e no prazo previstos. A obra mais cara é sempre aquela inacabada, dizem especialistas. E os empreendimentos têm que ser conduzidos com base em critérios técnicos, não políticos, para evitar erros do passado. Essa é uma realidade que faz ainda mais sentido quando se considera projetos que serão executados com recursos públicos do orçamento federal.
O economista Lívio Ribeiro, do FGV Ibre, questiona, por exemplo, se faz sentido insistir na construção de navios no país depois de todos os problemas verificados nas primeiras gestões petistas, quando a maioria das embarcações previstas não foi entregue. Muitas das que saíram dos estaleiros foram concluídas via aditivos contratuais que encareceram as encomendas para a Petrobras, o grande demandante do setor. Outro exemplo é a Refinaria do Nordeste (Rnest), que consta com obras no PAC III e que foi alvo de investigações, pela Lava-Jato, por irregularidades.
Barbosa diz que o governo espera que o Novo PAC aumente a taxa de investimento na economia para um patamar de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2026. “No PAC I e II, a taxa de investimento passou de 20% e chegou próximo de 21%, ficou flutuando nesse patamar por alguns anos.” Agora, afirma, o aumento do investimento será feito respeitando a responsabilidade fiscal e o controle da inflação. O ex-ministro diz que, ao aumentar os investimentos, cria-se demanda de curto prazo capaz de impulsionar o crescimento da economia nos próximos anos e elevar o produto potencial mais à frente.
Segundo Barbosa, investimentos que cabem ao governo federal foram definidos em consonância com as metas fiscais: “Se trabalhou com o piso de investimento do novo arcabouço fiscal, que é de menos de 0,6% do PIB”. Ele diz que os investimentos públicos e privados do PAC somados àqueles feitos fora do programa, fruto da própria recuperação da atividade, devem fazer com que a economia cresça mais, o que ajudaria a estabilizar e depois a reduzir a dívida pública.
Nas contas do FGV Ibre, o investimento de 0,6% do PIB equivale a R$ 70 bilhões por ano. A pergunta que os economistas se fazem é se o governo teria como gastar mais. “Se quiser gastar mais com investimento a primeira coisa é saber se tem espaço ou não, dado que no atual contexto, mesmo com a volta do superávit em 2025, a dívida continua aumentando”, diz Matos. Para Pires, se o governo for bem-sucedido em ampliar a arrecadação para cumprir a meta fiscal, poderia até ampliar parte dos gastos. “Se conseguir [arrecadar mais], abre espaço para incluir mais despesa, então eventualmente o piso fiscal pode ser um pouco maior.”
“O exercício que o governo fará para compatibilizar o PAC no Orçamento é abrir espaço fiscal para gastar mais que o piso. O governo está conseguindo aprovar medidas de arrecadação, mas não todas. A questão é se consegue elevar a despesa [com investimentos] de R$ 70 bilhões para R$ 100 bilhões [ano] a partir de um aumento de arrecadação. Se conseguir fazê-lo, não me parece um esforço sobrenatural, seria viável dentro do arcabouço. Mas, se vai ser bem-sucedido, o tempo vai dizer”, diz Pires.
Maurício Muniz, secretário especial de articulação e monitoramento da Casa Civil, diz que o PAC está em sintonia com o arcabouço fiscal: “O arcabouço trabalha com um piso [de investimentos] de R$ 68 bilhões [ano] e trabalhamos com uma previsão de R$ 60 bilhões por ano para o PAC. Quase todo o piso é o PAC. Fizemos um estudo dos anos anteriores e chegamos a essa relação histórica de 70% a 85% do total de investimentos no PAC. Os valores revelam um salto em relação aos governos anteriores, mas estão dentro do arcabouço e têm responsabilidade fiscal. Então, estamos no equilíbrio, por isso vamos alavancar também o investimento privado.”
Muniz defende o investimento público: “Há aqueles que identificam a necessidade de maior investimento público em infraestrutura e há os que falam de irresponsabilidade fiscal. Ambos estão errados. Precisa ter investimento público, não dá para achar, como os governos anteriores, que o setor privado vá resolver a necessidade de infraestrutura que o país tem. Diversos estudos mostram que o investimento privado costuma acompanhar o investimento público, para cima e para baixo.”
Matos concorda que o pico na série de investimentos no país coincidiu com as primeiras versões do PAC. Mas observa que quando se olha para o retorno desse capital o resultado não foi bom. “Significa que o gasto público pode até, do ponto de vista microeconômico, ser negativo, uma vez que faz investimentos que saem caro pelo lado fiscal e, além disso, são ineficientes.” Segundo ela, o que aumenta o potencial de crescimento de forma rápida são ganhos de produtividade do capital. Mas se os investimentos são mal feitos, a produtividade pode até ter efeito negativo – o que ocorreu no passado. “Não dá para comemorar investimento se ele não dá retorno.”
Fonte: Valor Econômico