Por Fernanda Guimarães — De São Paulo
27/10/2023 05h04 Atualizado há 4 horas
Apenas um quinto (18%) das empresas que abriram capital nos últimos cinco anos na bolsa brasileira conseguiu manter suas ações no azul até aqui, em um momento de alta volatilidade nos mercados, cenário que resultou em uma seca de novas estreias. Das 74 ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) realizadas desde 2018, somente 13 têm seus papéis valendo mais que no dia em que foram precificados.
Nesse retrato, a queda foi expressiva para ao menos metade das companhias que chegou à bolsa ao longo desse intervalo. Olhando em retrospecto, a queda de 47 empresas foi superior a 40%. Delas, 14 derreteram mais que 80%, conforme levantamento feito pela Seneca Evercore.
O pior desempenho entre as companhias que realizaram IPOs nesse período é observado pela empresa de logística Sequoia, que neste ano passou por um processo de reestruturação de dívidas, com recuo de 96% do valor registrado na oferta. Procurada, a companhia diz que “sofreu com fatores externos, como elevação dos juros em 2022 e a escassez de linhas de risco sacado no início do ano, além de uma demanda menor no varejo”. Afirma que, desde então, passa por processo de reestruturação e “vem contando com a confiança de investidores e credores”.
A lista das empresas que viram suas ações despencar após o toque de sino na B3 não ignora os grandes nomes e que tiveram ofertas com demanda relevante. A gigante do setor de saúde Rede D’Or, dona dos hospitais São Luís, por exemplo, fez um IPO histórico em 2020, estreando na bolsa avaliada em mais de R$ 100 bilhões. Mesmo assim, perdeu 61% de seu valor desde então, período em que o Ibovespa, principal índice da bolsa, caiu 2%.
O Grupo Mateus, maior atacarejo das regiões Norte e Nordeste, recua 30% desde o IPO. A Petz, rede de petshops que estreou em 2020, cai 77% até aqui. O levantamento leva em conta o fechamento das ações no dia 23 deste mês. Procuradas, as empresas citadas não comentaram.
Dentre as ofertas realizadas nesse período, aquelas ligadas à economia real representam um número menor de operações, mas exibem melhor desempenho no preço de ação. Da mesma forma, ocorreram apenas quatro ofertas de companhias ligadas aos setores de petróleo e gás e “utilities” (serviços públicos), mas elas acumulam hoje um resultado médio de 40,7% acima do preço de IPO.
No sentido oposto, as companhias ligadas aos setores de tecnologia e varejo, que sofrem interferência direta da variação dos juros, foram as que apresentaram a pior performance na mesma base comparativa. E foram esses setores, juntamente com o setor imobiliário, que concentraram mais da metade das aberturas de capital dentro do período analisado.
“As ações que estão com perfomance positiva são de empresas que estão indo bem, com entrega de resultado, mas isso ficou restrito a um grupo muito seleto”, afirma o sócio da Seneca Evercore, Daniel Weinstein. O executivo aponta que o mercado, mais impaciente em um momento de mercado incerto, “muda rapidamente de cavalo”.
Para Ricardo Bellissi, corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil, muitas empresas que são líderes em suas áreas e foram à bolsa sofreram uma correção estrutural porque o custo de capital mudou nos últimos anos. “Quando se olha para trás, o custo de capital era baixo, mas a curva inverteu e as empresas tiveram de consumir mais caixa”, lembra.
No topo da lista, a Orizon lidera o ranking entre as empresas que estão no azul, com alta de 58% desde o IPO. O bom desempenho fez com que a empresa lançasse neste ano uma oferta subsequente (“follow-on”), o que a ajudou a ganhar liquidez no mercado. Na sequência vêm a incorporadora Cury, com ganho de 56% e a 3R Petroleum, também com 56%. No grupo das empresas com maior valorização na bolsa desde o IPO, a geração de caixa medida pelo Ebitda cresceu 112% no período.
Olhando para o fim da lista, considerando as vinte maiores quedas desde 2018, a temática falta de liquidez chama a atenção, principalmente na parte de baixo do ranking, com as maiores desvalorizações.
Segundo uma fonte do mercado que falou na condição de anonimato, outro ponto relevante é que a última onda de ofertas, que veio na esteira do grande fluxo de capital injetado nas economias pelos bancos centrais, também trouxe ao mercado empresas que ainda não estavam prontas para um IPO. Esse fator também contribui para a forte retração de alguns nomes em momento de mais volatilidade.
“Os últimos IPOs tiveram como referência a história de crescimento das companhias. No entanto, essa não é a tônica para futuras operações, que vão colocar a rentabilidade como fator importante de empresas que buscam listagem”, reforça o executivo do Goldman Sachs.
Importante lembrar que nem em 2022 nem em 2023 houve IPOs. O período marca um dos maiores desertos de debutes na bolsa da história recente. O estudo aponta que, desse grupo, mais de 90% das estreias se concentram no biênio de 2020 e 2021.
O gestor de renda variável da Ace Capital, Tiago Cunha, afirma que a temática “tech” foi preponderante na última safra de IPOs. Empresas com esse perfil são vendidas com um múltiplo mais alto, visto que o olhar está voltando ao potencial de crescimento. “Existe essa dependência muito grande do crescimento”, aponta. No entanto, Cunha destaca que as companhias “tech” são as mais afetadas quando há uma mudança das taxas de juros – exatamente como ocorreu do ano passado para cá.
Ele aponta, por outro lado, que isso não quer dizer que entrar em um IPO seja um mau negócio e que segue analisando as sondagens de ofertas que chegam à sua mesa. “É um dever de ofício”, afirma Cunha. (Colaborou Mônica Scaramuzzo)
Fonte: Valor Econômico

