30 May 2023 ADRIANA FERNANDES MARIANA CARNEIRO
A aprovação do novo arcabouço fiscal na Câmara revelou a bem-sucedida articulação diretamente conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda assim, na direção da agenda da área, têm aparecido algumas falhas, sejam da equipe econômica, sejam de outros setores do governo, e há pontos em aberto à espera de uma solução política pelas mãos do ministro.
A expectativa de que Haddad possa encontrar uma saída para pelo menos sete erros de articulação política do governo Lula na economia, reunidos pelo Estadão (veja a lista no quadro ao lado), se dá em razão da relação que o ministro estabeleceu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) na tramitação do arcabouço fiscal. Nos bastidores, tanto políticos quanto interlocutores do mercado financeiro dizem que o ministro conquistou a confiança de Lira em um momento-chave de empoderamento do Congresso, o que será decisivo para a aprovação da reforma tributária.
No dia da votação mais importante para o governo até agora, a da regra fiscal, Haddad foi o único ministro convidado a participar de reunião com Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e 14 representantes do setor privado. A leitura em Brasília da comemoração antecipada da aprovação cristalizou o descredenciamento do time político de Lula, Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), pela cúpula do Congresso.
Na noite seguinte, em 24 de maio, sob o comando de Lira, os parlamentares deram o recado ao Planalto, impondo três derrotas ao governo na área ambiental. Ainda que a votação do novo arcabouço fiscal tenha sido expressiva, com 372 votos favoráveis, o governo só tem 130 votos firmes no Congresso e, por isso, não possui apoio suficiente para impor sua agenda.
O grande teste não será nas medidas reformistas, que Lira e Pacheco chamam de “pautaPaís” e que tomaram para si, como o arcabouço e a reforma tributária, mas nas iniciativas que ele terá de aprovar para aumentar a arrecadação – necessária para colocar o marco fiscal de pé. “Aumento de imposto não passa no Congresso hoje. A tributação dos trusts pode até passar porque foi feita para compensar o Imposto de Renda; mas, de resto, muito difícil”, afirma o senador Efraim Filho (União-PB).
TRIBUTAÇÃO NO EXTERIOR. Um dos erros mais recentes é Haddad ter editado uma medida provisória (MP) num domingo (30 de abril), véspera de 1.º de maio, sem avisar Lira nem outros deputados de que passaria a taxar investidores no exterior para compensar a isenção no IR para rendimentos até R$ 2 mil.
Apesar do tropeço, a equipe de Haddad optou por correr o risco por causa do teor da medida, que sempre enfrentou resistências e poderia ser abortada antes mesmo de sair do papel. Em matéria tributária, que envolve interesses bilionários, a máxima é que não se avisa antes. Mas, para interlocutores do presidente da Câmara, a surpresa não caiu bem, e há risco de a MP caducar, embora algumas lideranças acreditem que a taxação pode receber apoio no Congresso e surpreender os críticos.
MUDANÇA NO CARF POR MP. Nesse jogo de erros e acertos, o primeiro escorregão ocorreu na tentativa de arrecadar mais com a mudança no Carf. Haddad optou por tentar elevar o poder da União no conselho por meio de medida provisória, apesar de o Congresso ter aprovado em 2020 um projeto de lei na direção oposta – com o fim do voto de qualidade da Receita em casos de empate. Na ocasião, os parlamentares decidiram dar mais poder aos contribuintes nos julgamentos, numa decisão patrocinada por Lira e Pacheco.
O resultado é que a MP, que expira nesta quinta-feira, deve caducar. Haddad já entrou em campo para corrigir a rota. O governo enviou um projeto de lei, que tramita com urgência, mas ainda não há relator designado.
ACORDO NO STF. O segundo tropeço nesse assunto foi Haddad ter costurado acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal (STF), ignorando o Legislativo. Isso foi mal interpretado porque o ministro buscou resolver em outro Poder uma querela que os parlamentares dizem ser parte de um “revisionismo” do governo, a exemplo da privatização da Eletrobras.
CASO ELETROBRAS. A autorização de venda do controle da estatal foi concedida em 2021, pelo Congresso, com projeto relatado por Elmar Nascimento (União-BA), aliado de primeira hora de Lira e apontado como possível sucessor dele na presidência da Câmara. Ainda assim, por iniciativa de Rui Costa, segundo informou Lula, o governo decidiu questionar no STF o poder de voto do governo na empresa.
VERBORRAGIA. Lula e Rui Costa criticaram a privatização – o chefe da Casa Civil chegou a falar em “mau cheiro de imoralidade” no processo de venda do controle da companhia. A iniciativa não teve o apoio de Haddad, que na sexta-feira passada fez malabarismo para evitar se posicionar diretamente sobre o assunto. “Acho que a privatização foi malfeita. Disse isso quando foi aprovada”, disse, em entrevista à GloboNews.
REVÉS NO SANEAMENTO. Lira já avisou que, no Congresso, a iniciativa de rever a privatização não vai prosperar – o que foi interpretado como uma senha de que o mesmo vale para o marco do saneamento. O projeto de lei que derruba os decretos de Lula sobre o tema, aprovado na Câmara no fim de abril, está oficialmente tramitando no Senado. Mas ninguém acredita que sairá da gaveta, ainda mais depois que o governo sinalizou a senadores que pretende revogar o texto para evitar a derrota.
“A revisitação de temas que o Congresso votou há pouco tem de acontecer, quando acontecer, no âmbito do Congresso. É importante que acalmem os ânimos com relação a essas pautas que, efetivamente, não terão eco nos plenários das duas Casas”, afirmou Lira, na última semana, em discurso ao lado de Haddad. Neste caso, ainda que a iniciativa tenha partido da Casa Civil de Rui Costa, Haddad deverá entrar em campo para ajudar a preparar um novo decreto, dessa vez negociado com os parlamentares.
INDICADO AO BC. O próximo item da fila, porém, é acertar os ponteiros com o Senado para viabilizar a indicação de seu número 2, Gabriel Galípolo, para a diretoria de política econômica do Banco Central (BC).
O anúncio, feito sem aviso prévio ao presidente da Casa, atrasou a sabatina dele na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Com isso, agora são poucas as chances de o escolhido de Haddad chegar ao BC a tempo de participar da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 20 e 21 de junho, para definir a taxa básica de juros.
Antes disso, Galípolo já foi informado pela equipe política de que deverá participar de reuniões com senadores para fazer a sua apresentação. Sua rejeição não está no mapa.
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) minimiza o mal-estar provocado pelo jeito com que a escolha veio a público, sem costura política prévia, como é de praxe. “Eu também não fui avisado”, disse.
Entre economistas do mercado, a imagem de Haddad como articulador político é positiva, porque ajudou a viabilizar a agenda econômica no Congresso, ao limpar o caminho para a aprovação do arcabouço fiscal e, no futuro, da reforma tributária.
Mas há quem veja risco nessa trajetória, ao ressaltar que Haddad só ficou popular entre os deputados porque “político gosta de gastar, e o arcabouço deixa gastar” mais no curto prazo.
No meio político, a aproximação de Haddad e Lira é vista ainda como um jeito de o presidente da Câmara incomodar o PT e estimular o fogo amigo no núcleo do governo Lula. •
Percepção No mercado, a imagem de Haddad como articulador é positiva, pois viabiliza a agenda econômica
Fonte: O Estado de S. Paulo.

