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“Todo mundo se lembra como as coisas eram mais baratas. O aumento do preço do combustível atrapalhou tudo porque muitos produtos são transportados por caminhão nos EUA. Eu pagava US$ 2,6 o galão da gasolina [equivalente a 3,8 litros]. Este ano chegou a US$ 3,58 na Flórida. A gasolina premium passou dos US$ 4”, diz o técnico em radiologia Alberto Navarro, de 61 anos, um cubano radicado em Miami desde 1985. Em 2002, o galão bateu os US$ 5.
Kimberley Johnson, de 53 anos, moradora de Atlanta, na Geórgia, tem na ponta da língua um relato parecido. “Os preços da comida precisam ser acessíveis. Dois presidentes atrás, a gente comprava um pacote de frango por US$ 5. Agora o mesmo pacote custa US$ 25. Por que a comida ficou tão cara? É isso o que precisa mudar”. Ela é dona de uma pequena empresa que presta serviços para médicos e incrementa sua renda dirigindo um Tesla branco para o Uber.
Comparações entre preços no antes e no depois da pandemia continuam na cabeça de muitos americanos, especialmente daqueles que vivem com o orçamento doméstico mais apertado.
A pandemia de covid-19 terminou em 2022 e em junho daquele ano os EUA registraram uma inflação de 9,1%, um recorde em décadas e efeito dos desarranjos provocados pela crise sanitária. A inflação perdeu força desde então, mas os preços se mantêm nas alturas.
Os efeitos daquele período estão desaguando agora nas eleições presidenciais de 5 de novembro.
Pesquisas recentes do “New York Times”/Siena, Reuters/Ipsos e Pew Center cravam a economia como o assunto número 1 para os eleitores. Preços, e também empregos, aparecem entre os tópicos econômicos que mais preocupam. Os dois candidatos à Presidência dos EUA fornecem receitas bem diferentes aos eleitores.
A atual vice-presidente dos EUA e candidata do Partido Democrata, Kamala Harris, promete, entre diversas medidas, criar um mecanismo para controlar aumentos abusivos de preços. Ela também quer dar incentivos fiscais para baratear imóveis residenciais para quem for comprar sua primeira casa.
O ex-presidente e candidato pelo Partido Republicano, Donald Trump tem usado a alta dos preços no governo de Biden e Kamala como munição de campanha. Ele já disse que se eleito vai fazer – sob enorme ceticismo de economistas – cortar pela metade preço da energia elétrica. Suas principais apostas, no entanto, são o corte de impostos sobre empresas (como forma de dar mais impulso à economia) e a imposição linear de tarifas de importação (como forma de proteger a indústria local).
“As opiniões dos consumidores sobre a economia atingiram patamares muito ruins em junho de 2022, atingindo um mínimo histórico na época”, lembra a economista Joanne Hsu, diretora de pesquisas da Universidade de Michigan. “Os consumidores perceberam que a inflação melhorou, que não é tão ruim quanto era há dois anos. Entretanto, eles continuam frustrados com os preços altos. Hoje alguns podem até dizer que a inflação está sob controle, mas ainda há um impacto dos preços altos no bolso das pessoas, em seus orçamentos. E, no mês passado, ainda víamos mais de 40% dos consumidores nos dizendo espontaneamente que os preços altos estavam corroendo sua renda, corroendo seu padrão de vida”, disse ela em entrevista ao Valor.
Dentro de quatro meses, Biden deixa a Casa Branca com números relativamente positivos. Projeções apontam que o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA crescerá cerca de 2,5% este ano. A taxa de desemprego atualmente está na casa dos 4%. E o índice de preços ao consumidor de agosto ficou em 2,5%.
O ritmo do PIB deve manter um padrão dos últimos anos. Desde 2007, o crescimento da maior economia do mundo oscila entre 2% e 3%. Em relação à criação de postos de trabalho, os anos Biden e Kamala produziram as melhores marcas dos últimos 20 anos. Mas em relação preços, mesmo depois do pico histórico de 2022, os números continuaram acima do que o registrado desde meados de 2012. Em agosto, a inflação caiu para 2,5%, mais próximo do histórico das últimas eleições. Este ponto, no entanto, é para muitos, a cicatriz do atual governo.
“Os preços ainda estão altos e certos segmentos da sociedade, os mais jovens, pobres, negros, latinos sentem mais essa questão”, disse, de Chicago, Clifford Young, veterano analista americano e que está à frente das pesquisas de opinião pública da Ipsos, nos EUA. Em Miami, Alberto Navarro diz que seu voto é de Trump. Kimberley, em Atlanta, está indecisa, mas se inclina a escolher o republicano. No Estado da Flórida, Trump lidera com folga, enquanto na Geórgia a situação é de empate técnico.
O Valor esteve em setembro com eleitores em Miami (Flórida), Atlanta (Geórgia) – ambas no sul dos EUA – e Detroit (Michigan), no meio oeste americano. A tônica dos comentários de muitos que declaram seu voto em Trump são os preços. Já entre eleitores de Kamala, muitos enfatizam suas promessas de mais equidade, de promoção dos direitos das mulheres e empregos.
“Kamala Harris reconhece que os preços são um ponto fraco para ela e que é um ponto fraquíssimo do governo Biden”, diz Young. “Ela precisa enfatizar mensagens e propostas positivas e está tentando fugir do fato de ser parte do governo porque a inflação é associada a atual gestão e poderia ser negativamente associada a ela.” Segundo ele, a democrata usa apenas de forma “cirúrgica” alguns iniciativas bem avaliadas da gestão.
Pesquisa “New York Times”/Siena feita entre os dias 11 e 16 de setembro apontou que Trump é visto como melhor do que Kamala para lidar com questões econômicas.
Dos entrevistados, 54% disseram que o consideram mais preparado nesse quesito. Kamala apareceu com 40%; 6% disseram não tinham opinião ou não responderam. A mesma pesquisa tinha mostrado um quadro semelhante em agosto: Trump 56%; Kamala, 40%. E os que não tinham opinião ou não responderam eram 4%.
Kamala desfruta de uma ligeira vantagem sobre Trump no que diz respeito à intenção de votos. O agregador de pesquisa 538 mostra a democrata com 48,5% das intenções e Trump com 45,7%, de acordo com o balanço de 29 de setembro.
Kamala e Trump apresentaram na semana passada mais detalhes de seus planos para a economia.
Na quarta-feira, a vice-presidente escolheu discursar no Clube Econômico de Pittsburgh, na Pensilvânia – um dos Estados onde a disputa por votos e as pesquisas mostram um dos cenários mais acirrados do país.
Entre suas propostas está aumentar a taxação de 21% para 28% sobre grandes empresas – medida que precisaria de aprovação do Congresso.
Durante sua Presidência, Trump reduziu essa tributação de 35% para os atuais 21%. Algumas estimativas apontam que o aumento pretendido por Kamala daria ao cofres públicos US$ 1 trilhão ao longo de dez anos. No mercado financeiro americano há uma avaliação de que a medida prejudicaria os ganhos de muitas empresas.
Kamala também quer conceder novas isenções fiscais às indústrias nos EUA ligadas a áreas da futura fronteira tecnológica, como biomanufatura, inteligência artificial (IA), computação quântica, baterias e outras. Setores tradicionais da indústria também receberiam novas isenções se aumentarem postos de trabalho.
Outra promessa – numa tentativa de dar uma resposta direta ao descontentamento de eleitores com preços – é a instituição de uma política nacional com vistas a impedir grandes empresas que atuam na cadeia de alimentos de subirem preços de forma exagerada, prejudicando consumidores.
A proposta não deixa claro ainda o que seria considerado um aumento excessivo. No Senado americano, no entanto, algumas propostas vão na mesma linha.
Na terça-feira, durante evento na cidade de Savannah, no Estado da Georgia, Trump já havia feito um discurso sobre algumas de suas prioridades econômicas.
Da sua lista de propostas consta a imposição de tarifas de 10% a 20% sobre praticamente todos os produtos importados pelos EUA. No caso dos produtos vindos da China, as novas tarifas seriam de 60% ou mais. A ideia é que as medidas incentivem a indústria dos EUA.
Diferentemente de Kamala Harris, que pretente aumentar impostos sobre grandes empresas, Trump fala em reduzi-los dos atuais 21% para 15%. A medida, segundo ele, valeria para as empresas que mantivessem sua produção em território americano.
Como parte de um pacote com medidas para reduzir impostos prometidos por Trump, está o fim da taxação sobre gorjetas que garçons, funcionários de hotéis, taxistas e outros profissionais recebem diariamente. Ele também fala em isentar valores recebidos da seguridade social.
Segundo a agência de notícias Reuters, estimativas feitas por diversos economistas que avaliam o impacto no orçamento americano das propostas de cortes de impostos de Trump apontam que elas adicionariam entre US$ 3,3 trilhões a US$ 6,6 trilhões ao déficit federal ao longo de uma década.
As projeções, também segundo a Reuters, apontam que as propostas de planos de gastos e de redução de impostos de Kamala teriam um peso muito menor nos déficits. Alguns cálculos mostram até mesmo cenários de diminuição dos déficits, com uma redução de US$ 400 bilhões em uma década a um superávit de US$ 1,4 trilhão.
De todas as propostas econômicas em jogo, ao menos uma tem impacto sobre empresas e países que fazem negócios com os EUA. Trata-se da ideia de Trump de impor novas tarifas de importação.
Para as empresas do Brasil que exportam para os americanos, qual seria o impacto?
“Se houver um aumento linear de tarifas, as empresas dos EUA que usam produtos brasileiros também pagarão tarifas mais altas para importar de outros países. Será mais custo para os americanos. Ou as empresas de lá internalizam a produção – quando for possível – ou reduzem suas margens de lucro ou ainda repassam para os preços”, diz o economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria. “Eu diria que no agregado o efeito será neutro. Seria diferente se fosse uma tarifa bilateral [que afetasse apenas Brasil]. Mas uma tarifa flat, igual para todos, só aumentará o custo dos EUA de importar.”
Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do Brasil – atrás da China e zona do euro. É uma pauta concentrada em itens intra-indústria, bens de meio de cadeia
Longe das divisões e das paixões de uma das campanhas presidenciais mais tensas e com mais reviravoltas dos EUA em muitos anos, Ribeiro comenta duas das propostas dos candidatos sob as lentes da teoria econômica ortodoxa.
Para ele, taxar o importação para incentizar a indústria americana não passa de um remake, “Bem vindo à década de 60. Essa é uma ideia que, no fim, desemboca em preços mais altos. As estruturas produtivas estão organizadas do jeito que estão porque assim são mais eficientes. Se fosse eficiente produzir tudo dentro dos EUA tudo já seria produzido lá. E isso não acontece porque não é eficiente.”
Sobre a promessa de Kamala de criar um mecanismo para deter preços abusivos, Ribeiro diz: “A existência de estoques reguladores é exatamente para evitar que choques temporários sejam transmitidos pelas cadeias. O problema é que esse tipo de medida começa com boas intenções de evitar excessos [de reajustes] e termina com a má prática de controlar preços.
Fonte: Valor Econômico

