A falta de espaço para estímulo fiscal adicional ao consumo das famílias, a perspectiva negativa para os investimentos e um cenário externo desfavorável não indicam impulso à atividade nos próximos meses, na sua avaliação. “Estamos vivendo uma conjuntura mais favorável, mas, olhando tudo, eu diria que não há uma sinalização no sentido de tomar isso como um indicador de crescimento mais robusto ao longo dos próximos meses”, afirma.
Ainda que o PIB termine 2023 entre 2,5% e 3%, destaca, os dados anualizados mostram uma trajetória de desaceleração em relação à virada do semestre, não o contrário. A atividade avançou 3,4% de abril a junho deste ano, ante igual período de 2022.
No segundo trimestre, diz Picchetti, a surpresa com o PIB veio pelo lado da demanda, notadamente do consumo das famílias e do governo. “Tem um componente do lado fiscal, mas não tem espaço para isso continuar acelerando.”
Conectando a discussão com a entrega recente do Orçamento para 2024, Picchetti diz que o governo vai precisar combinar aumento de arrecadação e redução das despesas, “mas não estamos vendo espaço muito grande para nenhum dos dois”.
Para o PIB de 2024, ele também diz ver um cenário mais nebuloso. Fundamentos como a demanda externa e questões internas envolvendo os parâmetros que vão nortear a evolução fiscal e, como resultante disso, a própria política monetária “estão bem pouco claros”, segundo Picchetti.
A seguir, os principais pontos da entrevista ao Valor:
Surpresas com o PIB
O PIB do segundo trimestre surpreendeu bastante, essa é a primeira constatação. O que causou surpresa veio pelo lado da demanda, tanto pelo consumo das famílias quanto pelo consumo do governo, que cresceram bem acima do imaginado. Os serviços também vieram acima, na esteira do consumo das famílias. A agropecuária veio em linha, a indústria também. É importante mostrar de onde vem a surpresa, justamente, para falar sobre o que isso traz de perspectivas. Está sinalizando um crescimento potencial bem maior que a gente imaginava? Minha leitura é que não. Na verdade, o dado anualizado mostra que estamos em trajetória de desaceleração, não de aceleração. O que substancia essa acepção é que esse crescimento muito grande da demanda tem um componente do lado fiscal, de programas de renegociação de crédito e, principalmente, de transferências diretas, mas não há espaço para continuar acelerando.
Estímulos
Não tem espaço fiscal. E, ligando com a questão mais geral recente, é olhar para uma perspectiva de ajuste para entregar pelo menos parte do Orçamento proposto para 2024, que, de alguma forma, precisa combinar aumento de arrecadação com redução, eventualmente, do lado das despesas. Só que não estamos vendo espaço muito grande para nenhum dos dois. Do lado da despesa, não tem nenhum tipo de redução substantiva, pelo contrário, tem o governo com uma perspectiva de crescimento não só pelo aumento de contratações e novos concursos, mas também pela política salarial. E, do lado das receitas, já estamos vendo desaceleração, muito com base no que imagino que vai ser, exatamente, a desaceleração da atividade. Ao menos que tenha aumento substancial de alíquotas, não vai ser pela base de arrecadação que vai ter esse crescimento. Tudo isso, pra mim, descarta o cenário de aceleração contínua de impulso fiscal para manter essa trajetória de crescimento que vimos na virada do semestre.
Fatores de impulso
De onde vêm os fatores potenciais de impulso ao PIB? De um lado, do consumo interno, que não vejo em condições de acelerar. Do outro lado, de investimentos. Apesar do início do ciclo de queda de juros, acredito que tem um tempo ainda para isso fazer efeito. Tanto que a perspectiva para investimentos no ano é de fechar com um acumulado negativo. Então, desse lado, não vem. Aí, sobra a demanda externa. De fato, ela vem ajudando. A exportação cresceu no segundo trimestre, mas até um pouco abaixo do esperado. E estamos em um contexto de demanda externa com um cenário desfavorável. A China está desacelerando bastante, e, nos principais parceiros, ainda tem uma perspectiva de política monetária que certamente não é expansionista. Juntando esses três fatores, nenhum deles aparece como potencial de impulso grande para os próximos meses a ponto de imaginar que, no ano, vão reverter essa perspectiva de desaceleração – que, no fundo, está na conta de todo mundo. O ano fecha positivo, com um PIB em torno de 2,5% ou até próximo de 3%, mas já menor do que a taxa anualizada na virada do semestre.
Desinflação desconfortável
Estamos em um processo de desaceleração da inflação, mas não é confortável. Divulgamos o IPC-S [Índice de Preços ao Consumidor – Semanal] de agosto com mais uma deflação e outros números, como núcleos, mostram desaceleração. Mas tem essa conta esperada para o segundo semestre com combustíveis e alimentos, que vão devolver parte do desempenho muito favorável que tiveram no meio do ano. Temos previsão de fechar 2023 com uma inflação algo abaixo de 5%, mas ainda é acima da meta, não é confortável. Já começou uma trajetória de queda de juros, mas o efeito disso é muito mais para 2024 do que para agora. O mercado de trabalho também está mostrando uma resiliência surpreendente, a taxa de desemprego está menor até do que antes do início da pandemia; tem um crescimento da massa salarial, pequeno, mas positivo. Só que não é um crescimento muito saudável, porque, quando olhamos a qualidade do emprego gerado, grande parte acontece no setor informal. Isso não é um bom sinal em termos de robustez do comportamento do mercado de trabalho e para o nível de atividade. Resumindo, estamos vivendo uma conjuntura mais favorável, mas, olhando tudo, diria que não há uma sinalização no sentido de tomar isso como um indicador de crescimento mais robusto ao longo dos próximos meses.
Trajetória da Selic
Entre agora e o fim do ano, tem espaço para manter o que está na conta de quedas adicionais da Selic. Mas, nesse quadro de desaceleração, terá de se avaliar novas informações na virada do ano, se, de fato, essa desaceleração vai tornar mais confortável e, inclusive, mais necessário cumprir essa trajetória de quedas. Eu diria que a trajetória para o fim do ano ainda não é comprometida pelo número do PIB do segundo trimestre acima do esperado. Mas, mais para frente, até 2024, tem que ter novas informações para calibrar isso melhor.
PIB forte também em 2024?
Acho que esse número tem muito mais uma racionalidade de “carry-over” [herança estatística] que uma projeção realmente sólida, baseada na evolução dos fundamentos que a gente consegue ver. O ideal seria ter um modelo que incorporasse uma previsão muito boa do que vai acontecer do lado fiscal, de câmbio, de demanda externa. Isso está difícil, por enquanto. Mas, de novo, os fundamentos – na demanda externa, o que vai acontecer com a China, a política monetária de países centrais, a guerra na Ucrânia, e nas questões internas, os parâmetros que vão nortear a evolução fiscal e, como resultante disso, a própria política monetária – até a virada do ano são bem pouco claros sobre como vão ser os meses de 2024.
Fonte: Valor Econômico

