O envio ao Congresso da medida provisória que acaba com a isenção fiscal das debêntures incentivadas levou a uma corrida por esses papéis em junho. Relatório da área de pesquisa do banco ABC Brasil mostra recordes de captação de fundos de infraestrutura e de negociação desses títulos no mercado secundário. Além disso, os prêmios de risco, que já estavam baixos, caíram ainda mais e passaram a ficar negativos, ou seja, os papéis passaram a pagar menos que a NTN-B: a mediana passou a ser seis pontos-base abaixo do título público, menor patamar do histórico e 18 pontos abaixo do registrado em maio.
O movimento teve impacto de 0,5 ponto percentual de acréscimo, em média, no rendimento dos fundos, já que, na prática, os spreads (diferença entre o papel e o título público de referência) caem porque o preço dos títulos sobe. Como esses papéis estão na carteira dos fundos, ao marcar o preço em prática no mercado, o patrimônio sobe. Gestores da área, porém, acreditam que a maior parte do movimento já passou e que agora a tendência é de normalização. Já nas emissões no mercado primário, ainda deve ser observado aumento, para aproveitar a isenção fiscal.
“O volume de originações aumentou de forma expressiva no fim de junho, com investidores institucionais e gestores de fortunas ampliando o apetite por ativos com selo de incentivo, mesmo em prazos mais longos e com spreads comprimidos”, diz Fernando Mancini, responsável pela área de Securitização da fintech Bloxs. Vitor Duarte, CIO da Suno Asset, explica que o nascimento de um papel desse tipo não é rápido, com todo o processo de formatação e registro. “Então ainda não deu tempo. E também tem muita gente acreditando que a tributação vai cair.”
Renato Jerusalmi, sócio-fundador e gestor de portfólio da Riza Asset, diz que o fluxo já era comprador antes e ficou ainda mais, mesmo após as probabilidades de a MP passar no Congresso diminuírem, com a disputa política em torno do IOF. O fundo da gestora ganhou 0,45 ponto percentual com o fechamento dos spreads, o que deu um total de 1,57%. “No dia do anúncio da MP o volume no secundário subiu de R$ 150 milhões por dia para R$ 1 bilhão, e os spreads caíram de 15 a 20 pontos-base nos três dias seguintes”, comenta ele.
Na ARX Investimentos, o impacto no retorno foi o mesmo, com os fundos incentivados da casa registrando média de 1,5% em junho, segundo Lucas Dias, gestor de crédito privado. “O mercado entrou em compasso de espera, mas ainda permanece mais aquecido do que antes da MP.” Essa puxada no rendimento por causa dos spreads, lembra Jerusalmi, pode gerar mais demanda, já que o varejo costuma “olhar no retrovisor” para tomar decisões. Mas, para ele, a maior parte do movimento já aconteceu. Gustavo Harada, chefe da área de alocação da Blackbird Investimentos, também diz que o escritório sentiu aumento na procura logo após o anúncio, mas nas duas últimas semanas o movimento já voltou ao normal.
De acordo com o relatório do banco ABC, os fundos de infraestrutura captaram no mês R$ 10,4 bilhões, maior volume desde outubro. O mercado primário também acelerou, com R$ 65 bilhões em emissões, frente a R$ 38,9 bilhões em maio, mas o mercado secundário ainda mais: teve o segundo maior volume de negociação do histórico, com R$ 95 bilhões, atrás apenas de julho de 2024 (R$ 97 bilhões). As debêntures incentivadas negociaram R$ 37 bilhões, maior número do histórico, que começa em 2023, e as ofertas em andamento hoje somam R$ 86,8 bilhões.
No dia do anúncio da MP, o volume no secundário subiu de R$ 150 milhões diários para R$ 1 bilhão”
“Está havendo uma corrida por triplo A, cujo risco se aproxima do governo, mas, caso a tributação passe no Congresso, em seis meses a realidade vai se impor”, alerta Samer Serhan, sócio responsável pela área de crédito da JiveMauá. “A tendência de médio prazo é que a arbitragem acabe e os preços de títulos da mesma empresa convirjam, compensando a cobrança de 5% de Imposto de Renda. Ou seja, uma corrida que em breve será inócua.” Jerusalmi calcula que um papel que hoje emite sem prêmio sobre a NTN-B chegaria a NTN-B mais 40 pontos-base com a tributação. “Vai encarecer para as empresas e para o investidor vai ser neutro”, diz.
Para Dias, da ARX, a tendência é que esses papéis com spreads maiores levem o mercado a um novo ponto de equilíbrio. “Haverá um limite de até onde podem ser comprimidos os spreads dos títulos anteriores a 2026.” Mancini, da Bloxs, diz que vê a demanda forte até 2026, principalmente de investidores qualificados e institucionais, que, segundo ele, estão redesenhando suas carteiras para capturar esse benefício fiscal enquanto ainda é possível. Mas Serhan lembra que essas emissões precisam de lastro em projetos de infraestrutura, “e em algum momento essa capacidade vai ser atingida”.
“Por outro lado, fica cada vez mais difícil para os fundos oferecer 100% do CDI. “Os títulos estão pagando 10 pontos abaixo da NTN-B e precisamos de mais 60 para ir a 100%. A gente nem olha operações abaixo disso.” Duarte aponta ainda como ponto negativo o risco de “superalocação” por parte dos investidores. “Na hora em que o novo título for nascer para financiar um projeto, a carteira já vai estar lotada e ainda mais com imposto. Então vai ser ruim no ano que vem, se a MP de fato entrar em vigor.”
Fonte: Valor Econômico

