Com números que reforçam a sensação de um mercado de trabalho aquecido e diante de sinais de desancoragem das expectativas de inflação nos Estados Unidos, caiu por terra a chance de o Federal Reserve (Fed) continuar reduzindo os juros a cada reunião. Já vinha ganhando força nos últimos dias o sentimento de que haveria uma pausa no ciclo, mas o mercado começou a migrar para cenários em que o banco central americano deve ter cada vez menos espaço para reduzir os juros em 2025 e pode, inclusive, deixar as taxas paradas ao longo do ano.
Os contratos futuros dos Fed funds, compilados pelo CME Group, atestam um comportamento cada vez mais descrente dos mercados quanto à continuidade do processo de flexibilização monetária. Um primeiro corte nos juros neste ano é visto com chances majoritárias de se concretizar somente em junho, e a probabilidade de haver pelo menos uma segunda redução até o fim do ano está em apenas 31%. E, mesmo em prazos mais longos, a percepção é que os juros continuarão elevados, o que é comprovado pelas taxas dos títulos de 20 e 30 anos próximas de 5%, nas máximas em 14 meses.
“Chegou ao fim o ciclo de cortes de juros”, crava o economista Aditya Bhave, do Bank of America, ao defender a visão do banco de que o Fed não mais conseguirá flexibilizar a política monetária neste ano. “Nosso cenário base aponta para o Fed em uma pausa prolongada. Mas achamos que os riscos para o próximo movimento estão inclinados em direção a uma alta”, alerta. Bhave nota que o mercado ainda precifica pouco mais de um corte de 0,25 ponto nos juros neste ano, mas avalia que isso se trata de prêmio de risco caso a economia perca força.
Riscos para o próximo movimento [do Fed] estão inclinados em direção a uma alta”
“Em nossa opinião, a questão mais importante daqui em diante será a barra para retomar as altas. O sarrafo é elevado, porque o Fed ainda acha que os juros estão restritivos, mas as elevações provavelmente estarão sobre a mesa se o deflator dos gastos com consumo (PCE) anual exceder 3% ou se as expectativas de inflação de longo prazo desancorarem”, avalia.
Um primeiro sinal de alerta nessa direção foi emitido pela Universidade de Michigan. No mesmo dia em que o relatório de empregos (“payroll”) mostrou uma criação de postos de trabalho bem mais forte que o esperado em dezembro, a sondagem quinzenal da universidade com consumidores americanos mostrou um aumento relevante das expectativas inflacionárias. O salto maior ocorreu na métrica de 12 meses, que passou de 2,8% em dezembro para 3,3% na leitura preliminar deste mês. Houve, ainda, alta de 3,0% para 3,3% nas expectativas de inflação de cinco anos.
“Embora esses não sejam níveis preocupantes para as expectativas em nossa visão, na margem isso tornará o Fed ainda mais cauteloso em relação aos cortes nos juros no curto prazo”, avalia a equipe de economistas para EUA do Citi, comandada por Andrew Hollenhorst. “Um fator que pode ter motivado essa alta nas expectativas pode ter sido o fato de os consumidores esperarem preços mais altos de bens como resultado de potenciais tarifas comerciais neste ano. Iremos monitorar com atenção para ver se há alguma evidência de antecipação das compras de bens duráveis.”
Em outras métricas, também há alguma alta nas expectativas de longo prazo, mas em níveis mais contidos do que os observados na pesquisa da Universidade de Michigan. No fechamento de sexta-feira, a inflação “implícita” de dez anos dos EUA, extraída dos títulos públicos americanos, subiu para 2,43%, maior nível desde abril.
Nesse contexto, o Citi continua a adotar uma abordagem mais “dovish” (suave) em relação ao consenso do mercado e espera um total de cinco cortes nos juros neste ano, com retomada do ciclo em maio. Do lado oposto, a equipe de economistas para EUA do Deutsche Bank, liderada por Matthew Luzzetti, se alinha ao BofA e não vê mais reduções nos juros americanos neste ano.
“Os dados de dezembro reforçam a mensagem recente de paciência do Fed e sustentam a nossa visão de que, com o crescimento robusto, o mercado de trabalho resiliente e a inflação persistentemente alta, há espaço limitado para o Fed cortar as taxas de juros neste ano”, escrevem os analistas do banco alemão em relatório enviado a clientes.
Com a disparada recente dos rendimentos dos Treasuries e consequente queda das bolsas de Nova York, os economistas do Barclays notam que houve um aperto das condições financeiras, em um contexto no qual o Fed deve sustentar uma pausa no ciclo por algum tempo. O banco britânico passou a esperar somente uma redução nos juros neste ano, em junho, e avalia que novos cortes só serão retomados em 2026.
“Embora o fluxo de dados recente – incluindo o mercado de trabalho mais forte e as expectativas de inflação mais altas – justifique uma política mais restritiva, achamos que isso será alcançado sustentando uma pausa mais prolongada do que esperávamos antes”, afirmam os economistas do Barclays em nota a clientes.
Fonte: Valor Econômico

