A criação de um tributo sobre dividendos já começa a levar empresas a buscar formas de antecipar o envio de recursos ao exterior, movimento que pode destravar uma saída relevante de dólares neste fim de ano. O tema tem sido acompanhado de perto por participantes do mercado consultados pelo Valor, que veem risco de um fluxo cambial que seja bastante negativo nos últimos meses de 2025, a exemplo do observado no ano passado. Esse movimento, se confirmado, pode ter impacto na taxa de câmbio, que, até o momento, tem mostrado um comportamento bastante benigno.
O último mês do ano é, tradicionalmente, um período no qual o fluxo cambial costuma ser negativo, justamente por ser afetado por remessas de lucros e dividendos para o exterior. O risco de uma saída mais intensa de dólares no fim deste ano pode aumentar com a aprovação do projeto do Imposto de Renda (IR), que cobra 10% de imposto sobre lucros e dividendos remetidos a não residentes a partir de 2026.
No acumulado do ano até setembro, as remessas já rodam 7% acima do mesmo nível visto em 2024, mas boa parte disso se deve ao crescimento dos lucros reinvestidos e que ainda não foram enviados ao exterior. O fluxo cambial neste ano, até o fim de outubro, está negativo em US$ 12,6 bilhões, segundo o Banco Central.
Alguns dispositivos do projeto de lei, que foi aprovado pelo Congresso Nacional, podem atenuar uma possível saída maciça de dólares na reta final deste ano. Entre eles, está a isenção do imposto para lucros e dividendos relativos a resultados apurados até 2025, desde que a distribuição seja aprovada até o fim de dezembro e o pagamento seja efetivado até 2028. “Com esses pontos aprovados, é possível que isso amenize o potencial negativo do fluxo cambial ainda neste ano”, observa o economista de um banco estrangeiro.
No entanto, fontes ouvidas pelo Valor veem potencial para alguma pressão no fluxo cambial. Semanas atrás, a avaliação predominante no mercado era que a saída de capital entre novembro e dezembro seria menos intensa que a de 2024, já que o estresse do ano passado resultou de uma confluência de fatores negativos: sazonalidade; piora do risco fiscal; transição no comando do Banco Central; e dúvidas com o governo Trump, que, então, era visto como favorável à valorização do dólar.
Neste ano, além de ter aumentado a incerteza sobre a continuidade do ciclo de cortes nas taxas de juros americanas pelo Federal Reserve (Fed) nos últimos dias, o que desfez parte da tese de dólar fraco, a questão dos dividendos trouxe um novo fator que pode pressionar a taxa de câmbio. De acordo com tesourarias de grandes bancos, as empresas já estão procurando soluções diante da aprovação do projeto.
O operador de câmbio de um banco estrangeiro diz, na condição de anonimato, que há uma preocupação dos investidores em relação ao fluxo no fim deste ano. “Temos escutado que a saída de dividendos tende a ser maior em relação a anos anteriores”, diz. “Ainda que tenha a regra da transição, que, em tese, deveria aliviar [a saída], há sempre o receio de que a regra no Brasil mude, e nesse caso a companhia não vai perder uma oportunidade; não vão perder essa janela mais garantida de não ter os dividendos taxados.”
Visão semelhante é defendida pelo estrategista da tesouraria de outro grande banco. Ele afirma que ainda é incerto se haverá um aumento relevante no fluxo de saída de dólares, mas também diz observar a questão com atenção. “Pode ser algo anedótico, com uma empresa aqui e outra ali remetendo para fora. Algumas companhias têm apontado que podem ficar com medo jurídico, já que as coisas podem ir e voltar, e, assim, podem antecipar um pedaço das remessas.”
O economista-chefe da Adam Capital, Juliano Cecílio, diz esperar uma aceleração na saída de lucros e dividendos e avalia que esse comportamento do fluxo físico “sugere uma situação de desequilíbrio da taxa de câmbio”.
“Ainda que, neste ano, o real esteja ‘surfando’ a onda global de um dólar mais fraco, o comportamento do nosso câmbio foi neutro em termos relativos ao de outras moedas de países que se relacionam comercialmente conosco, ou seja, o real andou mais ou menos junto com as outras moedas”, avalia o economista.
Cecílio diz que a regra de transição “pode amenizar” a saída, mas, ainda assim, acredita que o fluxo cambial será “mais negativo que o normal”. “Tudo no Brasil é incerto e, diante da incerteza, as saídas de dividendos devem ser maiores”, afirma.
O economista tem mantido um viés mais negativo com as contas externas brasileiras. Nos cálculos da Adam, o déficit em conta corrente deve ficar em torno de 4% neste ano e de 5% em 2026.
A XP Asset Management avalia a questão dos dividendos como um ponto de alerta para sua posição comprada em real (aposta na valorização da moeda brasileira). “A sazonalidade de fluxo de fim de ano é sempre um ponto de atenção, ainda que não signifique uma sazonalidade de preço, até porque boa parte desse capital que sai já foi ‘hedgeado’ ao longo do ano. A particularidade deste ano são as discussões sobre uma antecipação de dividendos por conta da tributação”, diz o gestor macro Bruno Marques.
“Há, ainda, muita incerteza sobre isso, se vai ter efeito no fluxo; se as empresas têm caixa para antecipar. Na teoria, a empresa pode maximizar suas remessas. Geralmente, ela não transforma em dividendo todo o seu lucro, porque precisa de parte desse dinheiro para fazer caixa. Mas a companhia pode querer mandar todo montante possível para fora e, por exemplo, buscar financiamento interno. Não é uma análise trivial, porque é algo muito novo”, observa o gestor da XP Asset.
Fonte: Valor Econômico

