Por Gabriel Roca — De São Paulo
19/09/2022 05h08 Atualizado há uma hora
A despeito da comunicação mais dura utilizada por autoridades do Banco Central nas últimas semanas e das evidências de que o aperto monetário nas economias desenvolvidas deve avançar com ainda mais força, uma ampla maioria de economistas e investidores acredita que o ciclo de aperto monetário no Brasil chegou ao fim. Mesmo assim, a desancoragem recente nas projeções do IPCA para 2024 e a composição ruim da inflação fazem com que uma a cada quatro casas consultadas espere um ajuste de 0,25 ponto na taxa Selic nesta quarta-feira.
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Segundo pesquisa realizada pelo Valor com 109 instituições financeiras, 82 delas esperam que o Banco Central mantenha as taxas de juros inalteradas em 13,75% na decisão de política monetária desta semana. As outras 27 contam ainda com um ajuste residual de 0,25 ponto percentual, o que levaria a Selic para 14% ao fim do ciclo.
O levantamento também reforça a visão de que, após esta reunião, as taxas de juros devem permanecer inalteradas no Brasil até o encerramento do ano, período em que ainda ocorrerão mais dois encontros do Copom. Apenas 2 das 109 instituições participantes enxergam ajustes residuais nas reuniões de outubro e dezembro.
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A visão de que o ciclo de aperto no país estaria muito próximo do fim vinha bastante consolidada após o comunicado da última decisão do Copom, quando o colegiado afirmou que iria avaliar “a necessidade de um ajuste residual, de menor magnitude, em sua próxima reunião”. No entanto, para parcela do mercado a comunicação mais recente utilizada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo diretor de política monetária da instituição, Bruno Serra, trouxe de volta a possibilidade de uma extensão do ciclo nesta reunião.
“Minha impressão era, inicialmente, que a comunicação dura era apenas para tirar precificação prematura de cortes. Mas aí veio a fala do Bruno Serra de que era necessário ter cautela com o eventual encerramento do ciclo. Foram sinais evidentes de que tem um 0,25 na mesa e a probabilidade não é irrelevante. Antes, para mim, o fim do ciclo estava dado, mas o 0,001% se transformou em 20% ou 25% de chance de acontecer”, avalia o economista-chefe da BGC Liquidez, Juliano Ferreira. Ele, no entanto, afirma que o BC só deve entregar a última alta de 0,25 ponto caso acredite que essa seria a mensagem mais clara para o mercado de que vai levar mais tempo para iniciar seu ciclo de cortes. “Não acho que seria o instrumento correto. É possível fazer uma parada de forma ‘hawkish’ [dura]”, afirma.
Para o economista Leonardo Costa, da ASA Investments, será importante monitorar a atualização nas projeções de inflação do BC, que devem mostrar uma queda nos anos de 2022 e 2023, devido às recentes medidas de desoneração praticadas em preços administrados, e uma alta nas projeções para 2024. No último Copom, as projeções da autoridade para o IPCA em 2024 estavam em 2,7% – abaixo da meta de 3% daquele ano – e devem ser revisadas para o redor da meta, segundo Costa.
“A percepção que a gente tem desde o último Copom é que o movimento foi mais deflacionário e há uma percepção de inflação um pouco mais baixa. Por outro lado, as expectativas para 2024 seguem preocupando. Isso deve dar subsídios para o BC interromper o ciclo em 13,75%, ainda que mantendo um discurso duro, de vigilância, e indicando a manutenção dos juros por um longo período de tempo”, afirma o economista da ASA.
A visão é semelhante à da economista do Itaú Unibanco, Júlia Gottlieb. Segundo ela, desde o último Copom, a dinâmica da inflação foi benigna, na margem, e as projeções do BC para a inflação em 2022 devem recuar de 6,8% para 6,1%, diminuindo o risco de inércia para o ano seguinte. “Com isso, ele não precisa fazer o ajuste residual na linha do que foi abordado no último comunicado. Em relação à sinalização, ele pode indicar que fará uma parada, mas que, dada toda a conjuntura econômica, o cenário prescreve uma política ainda significativamente contracionista e que o Copom deve manter uma postura vigilante”, afirma.
De acordo com a pesquisa realizada pelo Valor, a mediana de 106 projeções para o IPCA em 2022 foi de 6,10%, enquanto o ponto médio das estimativas (105) para o IPCA em 2023 alcançou os 5,10%. Já para o ano de 2024, a mediana de 91 projeções coletadas foi de 3,50%, nível idêntico ao observado na pesquisa realizada antes da última reunião do Copom, em agosto.
O economista sênior do Safra, Eduardo Yuki, também espera que o BC mantenha as taxas inalteradas na reunião de quarta, mas vê necessidade de uma comunicação dura por parte da autoridade. “O comunicado poderá reiterar a vigilância do BC com as expectativas de inflação, sinalizando uma postura bastante firme. Também poderá indicar a necessidade de manutenção da Selic em patamar restritivo por período suficientemente prolongado, com objetivo de ancorar as expectativas de inflação de 2024. Assim, esperamos por uma comunicação austera.”
Mesmo a parcela do mercado que avalia que a continuidade do ciclo de aperto monetário é a melhor estratégia para o BC reconhece que uma eventual alta de 0,25 ponto na Selic não faria grande diferença do ponto de vista econômico, mas seria importante como mensagem a ser transmitida.
Para Gustavo Arruda, diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, ainda é cedo para decretar vitória sobre a inflação e, em um cenário de acúmulo de incertezas, tanto do ponto de vista doméstico quanto global, uma postura conservadora do Banco Central seria a mais adequada.
“Se ele parar, vai ser um erro? Tenho a impressão que não. A maior parte do ciclo já foi e estamos discutindo os detalhes. Mas eu gosto mais de olhar para o balanço de riscos e acho que, se ele parar, vai correr mais riscos. Se há a possibilidade de existir um cenário que o BC precise voltar a subir os juros, depois de anunciar a pausa, é melhor continuar com ajustes pequenos, já que o custo seria menor.” Arruda espera alta de 0,25 ponto na reunião de setembro e que a taxa Selic termine o ano em 14,25% – projeção que pode ser revisada a depender da comunicação do BC.
José Pena, economista-chefe da Porto Investimentos, possui um cenário-base de cortes de juros apenas na metade do segundo semestre do ano que vem. No entanto, ele diz que os dados de atividade divulgados pelo IBGE na semana passada trouxeram sinais positivos, que apontam para a possibilidade de o BC encontrar condições de cortar o juro um pouco mais cedo do que esperava.
“A queda no varejo foi disseminada, mas foi mais acentuada nos setores sensíveis ao crédito, como bens duráveis. São sinais de que o aperto está começando a mostrar seus efeitos”, afirma. De acordo com Pena, o setor de serviços, que, na contramão do varejo, surpreendeu positivamente, é menos dependente do crédito e mais dependente da renda, recentemente turbinada pelas transferências do governo e pelo mercado de trabalho.
“Podemos ter, na virada do ano, um quadro de menor atividade doméstica, com efeitos mais claros da política monetária na atividade e com o benefício adicional dos BCs lá fora apertando mais e diminuindo a inflação importada”, diz Pena, estimando que, caso o cenário descrito se confirme, o ciclo de cortes pode ter início na virada do primeiro para o segundo semestre.
Segundo a pesquisa, a mediana das projeções dos participantes para a taxa Selic ao fim de 2023 é de 11%, mesmo nível da pesquisa anterior.
Em relação ao ciclo de aperto mais intenso nos mercados desenvolvidos, os economistas não acreditam que, por ora, uma alta adicional de juros nos EUA, em relação ao que está precificado, tenha potencial de alterar os planos de voo do BC. “Hoje a precificação é de taxa terminal entre 4,25% a 4,5% [nos EUA]. Mesmo se for um pouco maior, não acredito que faria o real descarrilar e o BC voltar a subir juros”, afirma Pena.
Fonte: Valor Econômico

