A onda de licitações do setor de infraestrutura deverá persistir em 2026, mesmo com o ano eleitoral. Hoje, há um total de 40 leilões com chance relevante de sair do papel no próximo ano, com previsão de ao menos R$ 148 bilhões em investimentos, segundo levantamento feito pelo banco Santander, a pedido do Valor. Os dados consideram apenas iniciativas de maior porte em estágios mais avançados – da etapa de consulta pública para frente -, tanto de novas concessões quanto de repactuações.
O valor total contratado pode ter variações, tanto de projetos em estudo que ainda têm chances de sair – como projetos de ferrovias – quanto de iniciativas maduras que poderão sofrer resistência, por exemplo, o megaterminal de contêineres em Santos, o Tecon 10, que enfrenta disputas no setor em torno das regras de concorrência, destaca Igor Fonseca, que coordena a área de “project finance” do Santander e é responsável pelo levantamento.
Além disso, o cálculo não inclui os investimentos dos leilões de reserva de capacidade de energia elétrica, que estão marcados para o começo do próximo ano. Segundo ele, os valores ainda não podem ser previstos com precisão, porém há uma expectativa de que outras dezenas de bilhões de reais deverão se somar à conta.
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Hoje há um consenso no mercado de que o setor de infraestrutura vive um ciclo inédito de licitações. Neste ano, nos setores de energia elétrica, rodovias e saneamento básico, as concorrências somaram cerca de R$ 156 bilhões de obras contratadas.
Só na quinta-feira (18), R$ 19 bilhões de investimentos foram gerados com o leilão de duas concessões de água e esgoto em Pernambuco. Os lotes foram conquistados pelo consórcio da BRK Ambiental com a Acciona – o grupo ficou com o maior contrato, que inclui 151 cidades, entre elas a capital – e o Pátria, que fez sua estreia no setor com a vitória na disputa pelo bloco Sertão, com 24 municípios. Ao todo, foram arrecadados R$ 4,25 bilhões em outorgas, que serão divididas entre Estado e prefeituras.
O grande destaque da atual onda de leilões, porém, é o setor de rodovias. Neste ano, as novas concessões e as repactuações de contratos problemáticos somaram R$ 97,5 bilhões em obras contratadas para os próximos anos. Para 2026, o Santander mapeou um potencial de geração de ao menos mais R$ 72,5 bilhões de investimentos na área.
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Outros dois segmentos com destaque no mapeamento foram mobilidade urbana, com perspectiva de R$ 30,9 bilhões em obras que podem ser contratadas, e o de água e esgoto, que poderá gerar R$ 20,5 bilhões – valor que não contabiliza a privatização da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), ainda sem modelagem definida (veja reportagem Privatização da Copasa está prevista para março de 2026, segundo fontes).
O cenário eleitoral instável não é visto como fator de risco relevante pelos analistas “O setor de infraestrutura se tornou bastante maduro. Muitos grupos seguem demonstrando interesse, mesmo diante da imprevisibilidade do resultado eleitoral. Os participantes assimilaram que, ganhando candidato A ou B, os contratos tendem a ser respeitados, as agências tendem a ter espaços de atuação observados”, afirma Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer.
As eleições deverão, inclusive, acelerar os leilões no começo do ano, antes de o calendário político começar a esquentar, avalia Frederico Barreto, coordenador de economia da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
Apesar do consenso de que o avanço das licitações em 2026 está garantido, a instabilidade eleitoral poderá criar um grande desafio na precificação dos ativos, pondera Fonseca, do Santander.
“Os investimentos ocorrem em um horizonte de três a cinco anos depois de cada leilão. Então, o que vai mais impactar o retorno financeiro vai ser o custo da dívida no futuro, no momento em que for levantada. Em um ambiente de eleições, há incerteza em torno da política fiscal do novo governo e da taxa de juros de longo prazo, fazer previsões se torna mais difícil. Essa variável [custo de dívida] tem um peso tão relevante quanto o custo dos investimentos”, afirma.
Apesar da incerteza, hoje a taxa de juros já está alta e isso não tem impedido a participação de investidores nos leilões, com ofertas competitivas, destaca Luciene Machado, superintendente de Soluções para Cidades do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que participou da estruturação de uma série de concessões de infraestrutura do atual ciclo.
O desafio agora será manter um pipeline robusto de leilões nos próximos 10, 15 anos”
“As condições macroeconômicas dos últimos dois, três anos levaram a uma taxa de juros elevada. Provavelmente os investidores acham que, para o futuro, é deste cenário para melhor e não para pior. Não acredito que haja grande influência do cenário a ponto de impedir as ofertas”, diz.
Para ela, dois fatores são importantes para a atratividade: além de uma boa estruturação dos contratos, é necessário haver um patrocínio firme das lideranças à frente dos projetos. “Iniciativas com essas condições têm recebido a validação dos principais investidores. A taxa de juros alta não tem sido suficiente para impedir isso”, afirma Machado.
Diante da confiança no calendário de leilões em 2026, a preocupação de parte do setor de infraestrutura já começa a se voltar para a renovação dos estoques de projetos para os próximos anos, após as eleições, aponta Roberto Guimarães, diretor de Planejamento e Economia da Abdib.
“O grande desafio para a infraestrutura não está nos próximos cinco anos, em que os investimentos já estão contratados pelos leilões que estão sendo feitos hoje. A dúvida é como manter um pipeline robusto nos próximos dez, quinze anos”, diz.
Um complicador, segundo Guimarães, é que cada vez mais os projetos deverão demandar aportes de recurso público para dar viabilidade aos contratos.
Nesse sentido, os setores de trens e de mobilidade urbana são vistos com preocupação. “Há um grande gargalo nessas áreas, e a solução depende de dinheiro público. Não vamos conseguir fazer concessão pura [sem aporte público] de metrôs, ferrovias estruturantes. É preciso fazer Parcerias Público-Privadas [PPPs, com aporte público]. E isso demanda orçamento”, afirma.
Para Fonseca, do Santander, embora não haja nenhum projeto de ferrovia em fase mais avançada, há expectativa de que ao menos um leilão do setor saia em 2026. “Essa área se tornou prioritária no governo federal, estão fazendo uma série de ‘roadshows’ para atrair investidores. Há muito esforço e vontade política para viabilizar. Mas a atratividade do capital privado ainda terá que ser confirmada”, afirma.
“Na média, os retornos exigidos em ferrovias são maiores, porque o risco é muito alto, e a modelagem precisa suportar esse retorno. Como o investimento é gigantesco, é difícil equalizar e fazer a conta fechar”, avalia o executivo do Santander.
Vanzella aponta um cenário desafiador para o segmento, mas destaca o esforço do poder público para tirar os projetos do papel. “O governo está prevendo inovações relevantes, como aportes de recursos públicos ou decorrentes de indenizações, mecanismos de compartilhamento de riscos.”
Apesar de desafiador, trata-se de um setor com potencial grande de investimentos. Segundo a Abdib, a soma dos projetos federais chega a R$ 140 bilhões.
Fonte: Valor Econômico

