Segurança e imigração desafiam as campanhas de Claudia Sheinbaum e Xótchtl Gálvez, que lideram as pesquisas para eleições deste domingo
PorMarcela Franzoni e Carlos Carvalho
Duas mulheres lideram a corrida presidencial no México, a ser decidida no domingo. Na ponta das intenções de voto, com 55% em pesquisas recentes, continua Claudia Sheinbaum, ex-prefeita da cidade do México (2018-2023) e integrante do Movimento Regeneração Nacional (Morena), partido do atual presidente, Andrés Manuel López Obrador. No segundo posto, com 34%, está Xóchtl Gálvez, senadora pelo Partido Ação Nacional (PAN), indígena e representante da coalizão de centro-direita PRI-PAN-PRD. As eleições no México não têm segundo turno, com mandato presidencial de seis anos, e não é permitida a reeleição.
Embora o perfil das siglas envolvidas sugira uma disputa entre esquerda e direita, em vários temas as propostas das duas candidatas convergem. A polarização acentuada se dá efetivamente em torno do legado de López Obrador, e não em torno de posições ideológicas, ao contrário do que tem ocorrido na América Latina. A elevada aprovação do presidente poderá impulsionar Sheinbaum ainda mais na reta final de campanha e ajudar seu partido a manter e até mesmo a ampliar a maioria no Congresso.
Sheinbaum e Gálvez prometem fortalecer o sistema público de saúde, por exemplo, e enfatizam a importância de garantir fontes regulares de financiamento e acesso a medicamentos e tratamentos de alta complexidade.
A governista utiliza a campanha para defender a reforma feita na gestão de López Obrador, que unificou os sistemas de saúde pública no Instituto Mexicano de Seguro Social. O objetivo era universalizar o acesso da população que não possui seguridade social, parcela expressiva por conta da informalidade laboral de 53% da população ocupada, segundo dados de 2023.
A segurança é o tema mais debatido da campanha. Os números oficiais apontam uma disparada no número de assassinatos, 35.606 por ano em 2018-2022, muito acima da média anual de 26.194 homicídios no governo de Peña Nieto (2012-2018), do Partido Revolucionário Institucional (PRI).
O país vive uma escalada da violência desde o governo de Felipe Calderón (2006-2012), do Partido Ação Nacional (PAN), que decretou guerra contra os cartéis de droga. O período ficou marcado pelo emprego das Forças Armadas na segurança pública e pelos vultosos recursos do governo dos Estados Unidos com a Iniciativa Mérida, que previa também melhorias no sistema de Justiça e treinamento para militares mexicanos.
Diante da magnitude e da complexidade dos problemas, especialmente os de segurança e ligados à imigração para os EUA, a defesa ou ataque do legado de Obrador não é suficiente para oferecer respostas efetivas aos desafios colocados e aos anseios dos mexicanos
Além dos resultados pífios na diminuição dos assassinatos, que dobraram em relação ao governo de Vicente Fox (2000-2006), vieram à tona denúncias de corrupção das forças de segurança, desrespeito aos direitos humanos e militarização da política de segurança pública, conforme escrevemos no Valor em 18/01/24. López Obrador foi eleito com um discurso de mudança e promessa de desmilitarização, o que não avançou.
O tema desafia as duas candidatas. Sheinbaum propõe o fortalecimento da Guarda Nacional, órgão originalmente civil criado por Obrador para combater o narcotráfico. Em agosto de 2022, o presidente tentou transferi-lo para a alçada da Secretaria da Defesa Nacional, o que seria um aprofundamento da militarização, mas não conseguiu. Sheinbaum quer retomar a proposta, que distancia a centro-esquerda mexicana de outros partidos com este perfil na América Latina, contrários à utilização das Forças Armadas para enfrentar as ameaças internas.
Gálvez enfrenta críticas de representar o legado do PAN, que implementou a guerra às drogas no México. A candidata busca utilizar a campanha para se diferenciar das políticas adotadas no passado, enfatizando o fracasso da gestão Obrador em lidar com a crise. Contrariamente a Sheinbaum, ela defende atribuir maior peso civil à Guarda Nacional e retirar os militares de funções públicas no campo da segurança, com a recriação da extinta Polícia Federal. A proposta enfrentaria barreiras consideráveis, pois o governo mexicano atualmente depende muito das corporações militares para sua estratégia de segurança.
O cenário da violência no México é muito desafiador. As autoridades públicas e a imprensa têm destacado as “zonas de risco das eleições de 2024”, aquelas em que há maior probabilidade de crimes. Segundo informações fornecidas pelo jornal El Financiero, até março foram registradas 156 agressões a pessoas relacionadas ao processo eleitoral e 51 assassinatos, sendo 25 deles de aspirantes a cargos públicos. Os feminicídios e assassinatos de jornalistas também fazem parte deste cenário trágico.
O agravamento da violência também afeta os migrantes que utilizam o território mexicano para chegar nos Estados Unidos. Muitos relatam ameaças, violência física, extorsão e sequestros durante o trânsito entre a fronteira sul e norte, e muitos permanecem acampados na Cidade do México, considerada relativamente mais segura, aguardando a resposta das autoridades estadunidenses.
O governo mexicano tenta, sem sucesso, encaminhar a questão de forma coordenada com o governo dos EUA, que permanece tratando o tema como parte da agenda doméstica e sujeito a medidas unilaterais. A questão migratória é atualmente a mais relevante nas relações México-Estados Unidos. O tema ganhou ainda mais destaque depois que os países negociaram o Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta em 1º de julho de 2020.
A questão migratória é objeto de forte disputa na política interna dos Estados Unidos. Diante do número recorde de apreensões na fronteira México-EUA em 2023, segundo o Pew Research Center, a sociedade estadunidense mostra-se refratária à adoção de leis mais permissivas. Neste quadro, Biden aposta na ambiguidade, já que foi eleito com um discurso humanitário e até aumentou o número de vistos temporários, mas não avançou em medidas mais consistentes devido à forte oposição de setores da sociedade.
Esta indefinição dos EUA empurra parte da responsabilidade para o governo mexicano, que tampouco tem uma política clara. Para Gálvez, a questão migratória deve ser abordada de forma conjunta com os Estados Unidos, mas não avança além disso. A candidata enfatiza o combate ao crime organizado na fronteira sul do México e a promoção de políticas públicas para migrantes que queiram trabalhar no país. Sheinbaum insiste na promessa de campanha de Obrador em 2018, de implementar políticas de desenvolvimento nos países de origem dos migrantes. As propostas das candidatas foram tentadas em anos recentes, sem resultados.
Diante da magnitude e da complexidade dos problemas, a defesa ou ataque do legado de Obrador não é suficiente para oferecer respostas efetivas aos desafios colocados e aos anseios dos eleitores mexicanos.
Marcela Franzoni é professora de Relações Internacionais da Belas Artes e pesquisadora do Observatório de Regionalismo.
Carlos Eduardo Carvalho é professor da PUC-SP, Departamento de Economia.
Fonte: Valor Econômico