Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
06/09/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
O aperto das condições financeiras globais, em meio ao salto dos rendimentos dos Treasuries aos níveis mais altos em 15 anos, se somou a uma piora na percepção de risco doméstico, diante das renovadas incertezas em torno da condução da política fiscal à frente. Como resultado, o juro real (descontada a inflação) de longo prazo, uma das melhores métricas para se aferir o risco-Brasil, abandonou a tendência de queda e alcançou o maior nível desde junho, em um movimento que levou o Tesouro Nacional a efetuar o menor leilão de NTN-Bs do ano nesta terça-feira, ao emitir apenas R$ 648,6 milhões na venda.
Após ter chegado à mínima do ano em 11 de agosto, de 5,32%, a taxa da NTN-B com vencimento em maio de 2055 voltou a subir e, na sessão de ontem, chegou a 5,693%, na máxima desde 13 de junho, de acordo com a Anbima.
As discussões em torno de juros reais mais altos e por um período prolongado nos mercados desenvolvidos afetaram as curvas de juros ao redor do globo e tiveram reflexo direto no mercado doméstico. Além disso, na última semana, o mercado passou a exigir prêmios mais elevados pelos ativos domésticos diante de uma piora na percepção de risco em torno da sustentabilidade das contas públicas.
“A alta dos juros globais contaminou o mercado brasileiro. E, mais recentemente, o mercado voltou a ficar um pouco mais preocupado com a questão fiscal. Passado o arcabouço, há uma preocupação com a execução fiscal; houve esse ruído sobre a possibilidade de se rediscutir a meta de resultado primário do próximo ano; e outro ponto foi a posição técnica do mercado, que estava mais alocado em NTN-Bs do que nos pré-fixados”, aponta o estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein.
O processo de redução de risco observado nas últimas semanas, assim, afetou em cheio o mercado de juro real. “Se olharmos as últimas duas semanas, o desempenho das NTN-Bs foi pior que o dos pré-fixados”, diz o estrategista, que aponta, ainda, para uma redução nas emissões pelo Tesouro. Embora o leilão de NTN-Bs de ontem tenha sido o menor do ano, Goldenstein nota que o Tesouro já havia desacelerado o ritmo de emissões de títulos indexados à inflação.
O desempenho ruim das NTN-Bs nas últimas semanas também é destacado por Michael Kusunoki, gestor de renda fixa e multimercados da BNP Paribas Asset Management, que também enfatiza a elevação das curvas de juros globais e o recrudescimento da preocupação do mercado com as contas públicas como os motivos principais. “Teve motivo para tanto? Tenho um pouco mais de dúvida”, diz.
“É difícil achar alguém no mercado que acreditava na meta de zerar o déficit primário no ano que vem. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), na semana passada, só constatou que realmente será difícil zerar o déficit”, afirma o profissional. Para ele, após a aprovação do arcabouço fiscal, os agentes financeiros passaram a ter uma percepção de risco mais aguçada. “O mercado vinha com uma certa complacência para os riscos fiscais e, agora, acordou. Os riscos existem, mas não vejo uma escalada”, diz.
Ao notar que os juros reais de longo prazo são mais sensíveis às discussões fiscais, Kusunoki observa que vê, inclusive, alguns motivos positivos nesse lado e cita o aumento dos preços do petróleo. “Existe o fator inflacionário, mas do ponto de vista fiscal é algo positivo.”
O gestor revela que os fundos da BNP Asset, no momento, já apostam na queda dos juros reais de mercado, com posições que miram mais os vencimentos intermediários, na medida em que Kusunoki nota que as NTN-Bs continuam a ser uma proteção contra a possibilidade de a inflação ser mais alta à frente. Ele cita como argumentos a mudança na composição da diretoria do Banco Central nos próximos anos e as expectativas de inflação de médio e longo prazo, que pararam de cair.
“Acreditamos que a NTN-B é o meio mais eficiente para surfar esse otimismo de curto prazo ligado à queda de juros, mas isso até o vencimento de 2028”, diz o gestor. “Até monitoramos mais a parte longa após esse movimento recente, mas nos mantemos cautelosos. O prêmio para alongar as posições não é suficiente, já que ainda temos dúvidas sobre a questão fiscal”, diz.
O superintendente de renda fixa da SulAmérica Investimentos, Getúlio Turatti Ost, por sua vez, acredita que as NTN-Bs de longo prazo começam a voltar para níveis “mais interessantes” por estarem com taxas em torno de 5,7%. Ele, contudo, diz preferir os papéis com prazo intermediário no momento. “Dado o patamar de juro real que estamos vendo hoje, elas estão atrativas mesmo quando comparamos com o nível de juro real no mundo”, afirma.
A SulAmérica, assim, tem começado a aumentar risco no momento, mas em um processo cauteloso, diante da piora no risco externo. “Na nossa avaliação, grande parte da justificativa para essa abertura [alta] dos juros vem da conjuntura internacional. Tivemos em agosto um mês marcado por muita pressão na renda fixa americana, com as taxas nas máximas em 15 anos. E adicionamos a esse cenário a possibilidade de a questão fiscal voltar a ser um risco maior no Brasil, terminando um pouco daquela lua de mel”, afirma Ost.
Para ele, a paciência dos agentes parece ter diminuído nas últimas semanas, diante de uma menor confiança que o governo conseguirá colocar a dívida pública em uma trajetória mais confortável. “O que nos parece é que a régua para a condução da nossa política fiscal é muito diferente se o Treasury de dez anos está em 3,80% ou se está em 4,30%”, enfatiza o profissional da SulAmérica.
Na visão de Goldenstein, da Warren Rena, a piora recente na dinâmica das NTN-Bs intermediárias e longas parece ser algo mais transitório. “Acho que as NTN-Bs ganham alguma atratividade relativa com os pré-fixados, na medida em que cresce a percepção de que o Banco Central, no futuro, não vai buscar a ferro e fogo a inflação em exatos 3% e que talvez se contente com uma inflação um pouco mais alta, mas dentro da banda”, diz. Para ele, o “piso” da inflação implícita, obtida através da diferença entre os juros futuros e as taxas das NTN-Bs, se torna maior nesse cenário.
Além disso, Goldenstein diz que o mercado passou por um período de carrego desfavorável para as NTN-Bs, em que a inflação ficou muito baixa. “Mas, a partir de agora, podemos ver um aumento do conforto para carregar posições em NTN-Bs. Passamos por um momento que machucou muito o mercado, porque as taxas caíram e, mesmo assim, os títulos rendiam abaixo do CDI pelo fato de o carrego ser muito desfavorável, com a inflação rodando perto de zero.”
Fonte: Valor Econômico