Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
24/05/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
Na medida em que participantes do mercado embutem nos preços dos ativos cenários menos brilhantes para a economia americana e juros mais elevados em outras economias avançadas, o dólar tem perdido força ao redor do globo, e esse movimento tem reflexos no mercado doméstico. O real, inclusive, continua a se valer dos juros em níveis elevados e, assim, mostra desempenho superior aos pares, na medida em que revisões altistas de crescimento econômico do Brasil também ajudam a compor o cenário.
Ontem, o dólar exibiu queda expressiva, ao recuar 1,41% e terminar o pregão negociado a R$ 4,8044. Nas mínimas do dia, a moeda americana chegou à casa de R$ 4,78. Movimento intenso também foi visto no exterior, onde o DXY, índice que mede o desempenho do dólar contra uma cesta de seis moedas principais, fechou em queda de 1,04%, aos 102,07 pontos.
“O rali do dólar esfriou, ao menos por enquanto”, diz Erik Nelson, estrategista macro do Wells Fargo. Em nota enviada a clientes, ele observa que o “excepcionalismo econômico” dos Estados Unidos foi afetado nas últimas semanas, na esteira de leituras abaixo do esperado de alguns indicadores da economia americana, enquanto os dados da zona do euro e do Reino Unido passaram a surpreender positivamente.
Além disso, Nelson enfatiza que o tom mais duro adotado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em relação à retirada de estímulos “parece estar se estabilizando” e, em contraste, o Banco Central Europeu (BCE) continua a antecipar o seu cronograma de ajuste monetário. Ontem, o euro saltou em relação ao dólar, sustentado por declarações da presidente do BCE, Christine Lagarde, de que os juros devem subir em breve na zona do euro. Isso abriu caminho para o mercado precificar que a taxa de depósito do BCE, hoje em -0,5%, deve abandonar o campo negativo mais rapidamente.
“Essa dinâmica de mudança entre os bancos centrais impõe limites ao dólar no curto prazo, embora o Fed ainda possa se tornar cada vez mais rígido, a depender da evolução dos dados de inflação”, aponta Nelson. Ontem, enquanto os juros europeus exibiram forte alta, com destaque para o rendimento do Bund alemão de dez anos, que subiu para 1,018%, o retorno da T-note de dez anos teve alta mais branda e chegou ao fim do dia negociado a 2,854%.
Por aqui, o alívio no mercado de câmbio proporcionou queda aos juros futuros, em um movimento que se somou às discussões sobre ICMS na Câmara dos Deputados e à melhora na demanda global por ativos de risco. Assim, a taxa do DI para janeiro de 2024 caiu de 12,79% para 12,77%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 recuou de 12,09% para 12,035%.
A dinâmica do pregão de ontem deu prosseguimento a movimentos que já eram vistos na semana passada, com queda dos juros futuros e do dólar ante o real. No pregão de sexta-feira, fundos locais aumentaram posições vendidas (aposta na queda) em dólar futuro em 10.685 contratos, enquanto investidores estrangeiros reduziram posições compradas (aposta na alta) em dólar em 6.065 contratos, de acordo com Luís Laudisio, trader de renda fixa da Renascença.
“Temores crescentes quanto a uma desaceleração econômica nos EUA pesaram, aparentemente, sobre a força do dólar em escala global”, notam os profissionais do Santander. “Esse pano de fundo nos últimos dias favoreceu o desempenho positivo do real (uma moeda de beta elevado, ou seja, que usualmente amplifica os movimentos vistos no exterior). Essa valorização foi reforçada provavelmente por altas adicionais nas cotações de commodities”, escrevem os analistas do banco em relatório semanal, ao comentarem sobre o desempenho do câmbio.
A AZ Quest tem mantido viés construtivo com o real e mantém a expectativa de que o câmbio possa se valorizar ainda mais à frente. “O mercado acaba percebendo, agora, que o Fed descartou a possibilidade de uma aceleração mais forte [no ritmo de alta de juros], após uma forte correção, especialmente nas bolsas americanas”, diz Gustavo Menezes, gestor macro da AZ Quest com foco em câmbio. “Ao menos por enquanto fica um pouco afastada a possibilidade de ajustes mais fortes nos juros nos EUA.”
Ele nota que o cenário externo tem dominado os movimentos no mercado de câmbio nos últimos 40 dias, na medida em que os mercados globais passaram a reprecificar de maneira recorrente o ritmo de elevação dos juros nos EUA. A ênfase dada pelo presidente do Fed, Jerome Powell, de que as próximas duas elevações de juros devem ser de 0,5 ponto percentual afastou, assim, a percepção de que um aumento ainda mais agressivo nas taxas poderia ocorrer no curto prazo, o que ajuda a aliviar o dólar.
Além disso, em segundo plano está a percepção de um crescimento econômico mais robusto no Brasil, no momento em que o cenário tem se mostrado mais nebuloso nos EUA nos últimos dias. Diversos agentes têm apontado para cenários de uma expansão mais forte do que o esperado em solo brasileiro, o que ajuda a dar algum apoio ao real.
“O mercado tem tomado surpresas positivas nas expectativas de crescimento de curto prazo. Isso ajuda, sim, a moeda em relação ao diferencial de crescimento, mas tem impactos mais fortes em relação à política monetária”, diz Menezes. Para ele, com a Selic rumo à casa dos 13% e as surpresas altistas de atividade, a percepção do mercado é que os juros devem ficar restritivos por ainda mais tempo.
“O BC tem deixado explícita a vontade de encerrar o ciclo, já que existe uma defasagem que vai demorar para ser sentida na inflação corrente. Mas, ao mesmo tempo, o próprio BC diz que é cedo demais para falar sobre corte de juros e acho que os números de atividade mais fortes só fortificam isso”, afirma Menezes. A AZ Quest espera que a Selic fique em 13,25% no fim do ciclo e que encerre 2023 em 9,75%. A gestora projeta, ainda, crescimento de 1,2% neste ano.
Cabe apontar que algumas instituições revelaram cenários mais construtivos para o crescimento econômico neste ano. A Itaú Asset Management elevou ontem a projeção para o PIB de 2022 de 0,8% para 1,6%, enquanto os economistas do Banco do Brasil aumentaram a estimativa de crescimento de 1,3% para 1,5%.
Fonte: Valor Econômico

