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Após anos com taxas de juros excepcionalmente baixas — em território negativo durante um bom tempo —, o Japão enfrenta um momento de turbulência no mercado de renda fixa. Os rendimentos dos títulos ultralongos dispararam nos últimos dias e chegaram a níveis nunca antes vistos, sem qualquer sinal de intervenção do Banco do Japão (BoJ). O movimento, embora parte de uma tendência global de juros longos mais altos, expõe uma perda de confiança nos papéis japoneses, que enfrentam dificuldades para atrair maior demanda mesmo entre investidores até então tidos como cativos.
As taxas já estavam em uma dinâmica de elevação há algum tempo, em linha com os movimentos globais, e, nesta semana, o fraco leilão de bônus do governo japonês (JGBs) de 20 anos foi o gatilho para uma piora acentuada do comportamento das taxas no mercado. A taxa “bid-to-cover”, um indicativo da demanda dos investidores pelos papéis, ficou em 2,5 vezes, o menor nível desde agosto de 2012.
Isso provocou o mau humor dos agentes com os papéis já durante a sessão de terça-feira e se espalhou para trechos ainda mais longos da curva de juros japonesa. No encerramento da quarta-feira, a taxa do JGB de 20 anos era negociada a 2,545%, enquanto o retorno do papel de 40 anos atingiu máxima histórica, cotado a 3,619%.
Parte da crise no mercado de renda fixa japonês deriva de uma postura mais conservadora que tem sido adotada pelo BoJ há algum tempo, ainda que de forma bastante cautelosa. A autarquia é conhecida por historicamente intervir no mercado com compras volumosas de JGBs e, de acordo com dados do Ministério das Finanças japonês referentes a dezembro, o BoJ detém 46,3% de todo o mercado de dívida do país, ainda que tenha começado a diminuir a quantidade de compras de ativos desde julho de 2024.
Dado o contexto que já considera uma diminuição da demanda pelos papéis japoneses pelo BoJ, os investidores também começaram a mostrar um interesse menor pelo JGBs, em um momento no qual a demanda por papéis de longo prazo de mercados avançados tem se mostrado menor em meio a uma reprecificação do nível das taxas.
O gestor Gabriel Giannecchini, da Gauss Capital, acrescenta que uma falha na comunicação do BoJ em dar clareza sobre a magnitude e o escopo do processo de redução de compras de ativos (“tapering”) ajuda a explicar parte do estresse no mercado japonês. “O BoJ não precisa parar com a redução nas compras. Basta dar maior clareza ao mercado. Nós teremos a reunião de junho, e é esperada uma sinalização mais clara de como será o ‘tapering’”, avalia.
Além das questões monetárias de curto prazo, a fraca demanda por JGBs também tem raízes mais estruturais, como aponta a equipe de estrategistas do J.P. Morgan liderada por Takafumi Yamawaki. O banco nota, por exemplo, que há uma menor compra dos ativos por seguradoras, que são investidores cativos de títulos longos.
“A demanda dos investidores locais por ‘duration’ está diminuindo de forma constante”, notam os estrategistas do banco. Eles afirmam que parte do déficit fiscal está retornando para instituições financeiras de depósito em vez de fluir para seguradoras de vida, que, tradicionalmente, assumem riscos de “duration” mais longo.
“Além disso, as seguradoras de vida estão mudando o foco de suas vendas: reduzindo a ênfase em seguros de vida com cobertura por morte (que geram passivos de prazo muito longo) e oferecendo produtos com menor necessidade de cobertura com JGBs ultralongos, o que também contribui para a queda de demanda por esses títulos”, enfatiza Yamawaki. Na visão do J.P. Morgan, a desaceleração estrutural na demanda por “duration” representa “um dos principais desafios para o mercado de JGBs”.
Yamawaki acrescenta que a questão fiscal do país também está adicionando ao prêmio de risco nos juros ultralongos. O Japão passará por uma eleição à Câmara dos Conselheiros em julho, na qual tanto a oposição quanto os governistas prometem estímulos fiscais à economia, o que ajuda a pressionar adicionalmente o mercado.
Os estrategistas do Citi têm visão similar sobre os riscos fiscais no país. Em relatório, Tomohisa Fujiki aponta que as preocupações fiscais com as eleições iminentes e a deterioração da dívida/PIB do país está aumentando os juros dos títulos públicos em um momento no qual a sensibilidade dos mercados à questão fiscal está elevada.
“O rebaixamento do rating dos EUA pode colocar a política fiscal sob escrutínio global. Seja isso verdadeiro ou não, o aumento da razão dívida/PIB e o alargamento dos déficits fiscais são fatores que elevam o prêmio de risco”, diz o Citi.
Giannecchini, da Gauss, explica que um gasto fiscal mais alto normalmente requer uma taxa de juros maior para que os investidores financiem a dívida. “Esse é um movimento muito comum no Brasil e nos mercados emergentes, mas nós estamos vendo isso agora em mercados desenvolvidos, quebrando as barreiras fiscais que eles tinham”, enfatiza.
Essa situação também pode culminar em uma deterioração mais rápida do mercado de renda fixa do país, uma vez que a piora em um dos campos pode gerar um agravamento da situação fiscal japonesa. Ainda assim, o gestor da Gauss atenta que, neste momento, o custo dos juros na dívida japonesa ainda se mostra bastante contido.
Esse período se torna ainda mais raro na história econômica japonesa se consideradas as recentes decisões de política monetária do BoJ, um dos bancos centrais considerados mais “dovish” pelo mercado. A taxa de depósito no Japão está em 0,50% ao ano – o maior patamar desde a crise do subprime em 2008 -, em uma tentativa da autarquia de trazer a inflação do país, atualmente em 3,4%, de volta à meta de 2%. E, embora ainda esteja em um ciclo de aperto, o BoJ tem mostrado cautela para elevar as taxas.
Fonte: Valor Econômico
