Por Sergio Lamucci — São Paulo
10/06/2022 05h00 Atualizado há 5 horas
Depois de vários meses de surpresas desagradáveis, o IPCA de maio trouxe algumas boas notícias sobre a inflação. O indicador ficou em 0,47%, abaixo do 0,59% do consenso dos analistas ouvidos pelo Valor Data, um movimento puxado principalmente pela queda de 7,95% das tarifas de energia elétrica, com o fim da cobrança adicional nas contas de luz. Além disso, os preços de alimentação no domicílio também tiveram uma desaceleração significativa – passaram de 2,59% em abril para 0,43% no mês passado. Ainda assim, uma análise detalhada do IPCA mostra que as pressões seguem disseminadas, com altas expressivas de serviços e bens industriais.
A variação acumulada em 12 meses recuou de 12,13% para 11,73%, um nível ainda muito alto, marcando o nono mês seguido acima de dois dígitos. A meta de inflação de 2022, vale lembrar, é de 3,5%. Com as medidas para reduzir a todo custo os preços de combustíveis, caso da redução dos impostos sobre o diesel e o gás de cozinha, é possível que o IPCA deste ano fique cerca de dois pontos percentuais abaixo dos cerca de 9% projetados até a semana passada por vários analistas, mas isso implicará uma inflação mais elevada no que vem.
Para começar, o índice de difusão, que mostra o percentual de itens com alta no mês, ficou em 72,41%, inferior aos 78,25% de abril, mas ainda elevado em termos históricos. Em maio do ano passado, por exemplo, o indicador foi de 64,46%. Os números são da MCM Consultores Associados.
Medidas que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis, os núcleos continuam rodando em níveis muito altos. A média dos cinco núcleos acompanhados com atenção pelo Banco Central (BC) subiu 0,93% em maio, muito próximo do 0,95% do mês anterior, de acordo com a MCM. Em 12 meses, superou dois dígitos pela primeira vez desde novembro de 2003 – passou de 9,69% para 10,11%.
Os serviços também seguiram pressionados, refletindo a reabertura das atividades presenciais, com o fim das medidas de distanciamento social adotadas para combater a disseminação da covid. A variação passou de 0,66% em abril para 0,85% em maio e, em 12 meses, saltou de 6,94% para 8,02%, segundo os dados da MCM. Os serviços mais sensíveis à demanda também tiveram alta forte, ainda que um pouco inferior à do mês anterior. O aumento foi de 0,75% em maio, um pouco abaixo do 0,79% de abril. No acumulado em 12 meses, essa medida do grupo, que exclui serviços domésticos, turismo, cursos e comunicação, também superou 8%, pulando de 7,74% para 8,21%.
Os bens industriais continuam a subir com força. Aí, há a influência dos problemas das cadeias globais de suprimentos, agravados com a guerra entre Rússia e Ucrânia. Os preços desses produtos avançaram 1,06% em maio, um pouco abaixo do 1,22% de abril. Foi a décima alta consecutiva em torno de 1% ou mais. Em 12 meses, houve uma pequena desaceleração, mas para um nível ainda muito elevado, de 14,22% para 13,98%, aponta a MCM.
No caso da alimentação no domicílio, a queda foi de fato expressiva, mas o acumulado em 12 meses subiu de 16,11% em abril para 16,35% em maio, com a alta no mês passando de 2,59% para 0,43%. Para junho, porém, o economista Fabio Romão, da LCA Consultores, espera nova aceleração de alimentação a domicílio para 1,52%. Essa alta de forte de alimentos é um dos fatores que derrubam a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, especialmente entre os mais pobres.
Com esse pano de fundo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que gosta de alardear as suas credenciais liberais, pediu ontem, em evento da Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), para os empresários travarem os preços. “Nova tabela de preços, só em 2023.”
Além disso, há todo o esforço para tentar reduzir a todo custo os preços de combustíveis. Na segunda-feira, o governo propôs ressarcir os Estados que toparem zerar o ICMS do óleo diesel e do gás de cozinha, além de jogar a zero as alíquotas dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol. A medida tem sido classificada como populismo fiscal e estelionato eleitoral por especialistas em contas públicas. Com pesado impacto fiscal, as medidas podem ter um impacto expressivo para reduzir a inflação deste ano, mas devem levar a uma alta mais forte dos índices de preços no ano que vem.
O economista Lívio Ribeiro, da BRCG Consultoria, revisou as suas projeções para o IPCA de 2022 e 2023, em reação às “inúmeros medidas de cunho temporário e populista” que surgiram, devendo diminuir a variação dos preços administrados neste ano, “mesmo que ao custo de aumento dos preços no ano que vem”. Segundo ele, “a caixa de Pandora foi aberta e ainda há enorme incerteza quanto ao alcance das medidas, mas parece razoável admitir que um recuo do IPCA de aproximadamente dois pontos percentuais em relação à nossa projeção, consiga ser alcançado”. Nesse quadro, ele cortou a estimativa do IPCA para este ano de 9,5% para 7,5%. A estimativa do ano que vem, por sua vez, subiu de 4,6% para 6,2%.
“Em ambos os casos, há enorme incerteza quanto ao resultado, o que só saberemos quando tivermos textos definitivos das matérias em votação no Congresso”, diz Ribeiro, em nota. “Há, no entanto, uma certeza desagradável: as metas de inflação estão perdidas para 2022 e 2023, tornando o desafio de convergência em 2024 ainda mais complicado.”
A meta para 2022 é de 3,5%, declinando para 3,25% em 2023 e para 3% em 2024. Com isso, ganha força a possibilidade de que os juros tenham que ficar em níveis altos por mais tempo. Na semana que vem, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a Selic em mais 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano.
Alguns analistas apostam em mais um aumento na reunião de agosto. No entanto, mesmo se o ciclo de alta parar em 13,25%, há a chance de a taxa demorar mais para cair, num contexto de risco fiscal maior e inflação mais elevada em 2023.
Fonte: Valor Econômico

