O sentimento negativo no mercado local, que chegou ao ápice em novembro e dezembro diante da frustração com o pacote do governo de revisão de gastos, segue no ar entre importantes gestoras de recursos brasileiras. Após uma piora significativa nos preços dos ativos domésticos, que ficaram menos convidativos para a montagem de novas apostas pessimistas, a grande maioria das casas adota mais cautela com os mercados locais, mas segue com um viés defensivo em bolsa, no real e nos juros locais, diante da contínua desconfiança com a trajetória da dívida.
“O governo tem uma dificuldade enorme de tomar medidas para conter o gasto público, e a trajetória da dívida é insustentável. Passamos bastante tempo discutindo se os cortes serão de R$ 40 bilhões ou de R$ 70 bilhões, mas a verdade é que essa discussão passa longe do tamanho do ajuste que precisa ser feito para colocar a dívida em uma trajetória sustentável. É preciso pensar em um superávit de 2% a 2,5% do PIB”, disse o economista-chefe da Vinland Capital, Aurelio Bicalho, em “call” mensal da gestora nesta semana.
Para ele, no segundo semestre a eleição presidencial de 2026 deve começar a entrar no radar dos investidores, que, assim, devem tentar avaliar qual será a competitividade do atual governo para buscar a reeleição em um cenário de desaceleração econômica, inflação elevada e Selic em níveis bastante restritivos.
É nesse contexto que a Vinland ainda permanece com um viés cauteloso com o Brasil, de acordo com o gestor José Monforte. “A raiz da questão fiscal não está sendo endereçada e, com isso, é muito difícil expressar qualquer posição otimista no Brasil. Por outro lado, os níveis são importantes. Seguimos com viés ‘tomado’ [aposta na alta das taxas] na curva de juros do Brasil, principalmente na parte mais longa, a partir do DI para janeiro de 2027. Em moedas, nosso viés continua sendo comprado em dólar contra o euro, contra o iene e contra o real”, disse o gestor.
A Ibiuna Investimentos aponta que, sem uma resposta efetiva para os problemas fiscais do país, é provável que o movimento de alta na curva de juros, depreciação do real, fraqueza da bolsa e piora das expectativas de inflação não tenha se exaurido. “Seguimos atentos a uma eventual mudança de estratégia para o ajuste fiscal, mas até termos maior clareza, seguimos com posições defensivas nos ativos do país”, diz a equipe da gestora em carta referente a dezembro.
A raiz da questão fiscal não está sendo endereçada e, com isso, é muito difícil expressar qualquer posição otimista”
A Ibiuna, inclusive, mantém apostas na alta dos juros nominais e da inflação “implícita” (que é extraída dos títulos públicos), além de posições compradas em dólar contra uma cesta de moedas que inclui o real.
Abordagem semelhante é adotada por Bruno Marques, cogestor dos fundos macro da XP Asset Management, ao avaliar que há dois temas em paralelo no Brasil: o cenário monetário, no qual o BC precisa elevar mais os juros; e o cenário fiscal. “As duas coisas não são isoladas, já que uma das razões de o BC precisar subir os juros é a influência do fiscal sobre a atividade, mas, por outro lado, a política monetária mais dura contribui para o aumento da relação dívida/PIB ao longo dos próximos anos”, afirma.
Marques revela que a gestora encerrou posições “tomadas” em juros, mas mantém algumas que expressam uma visão negativa com os ativos brasileiros, como apostas na valorização do dólar contra o real e na alta da inflação “implícita”. “Continuamos bastante preocupados com o Brasil. Falando prospectivamente, é impressionante que, mesmo com toda a deterioração vista em dezembro, há uma inatividade do governo. Se nos perguntassem três, quatro meses atrás o que aconteceria se o dólar chegasse a R$ 6, diríamos que, com certeza, o governo mudaria de postura. Não vimos nada perto disso.”
O gestor da XP Asset nota que, em falas recentes de integrantes do governo e da equipe econômica, ainda não há uma sensação de preocupação com o nível dos preços e com a dinâmica dos mercados. “E vemos, ainda, uma discussão sobre explicar melhor o que o governo está fazendo ou de que o problema é de comunicação. Mas não é isso. Há uma deterioração muito forte da dívida/PIB sem sinalização de que isso irá mudar.”
Exatamente por isso, Pedro Dreux, sócio e gestor macro da Occam, chama atenção para a velocidade da deterioração dos preços dos ativos domésticos observada em dezembro, na medida em que os mercados chegaram a precificar a Selic acima de 17% em 2025.
“Nesse nível de juros, não temos nenhuma posição estrutural. Apesar de acreditarmos que os fundamentos vão continuar se deteriorando, não é óbvio ‘tomar’ juros [apostar na alta] nestes níveis”, avalia Dreux, embora continue a apontar que a volatilidade deve seguir elevada e que o quadro de deterioração segue desafiador.
“Os sinais que o governo vem dando indicam que não vai vir nada de estrutural do lado dos gastos e, no mercado, a ficha está caindo de que o ajuste que a gente vai fazer da nossa dívida vai ser via inflação”, afirmou Dreux ao participar de “call” mensal da Occam. Para ele, isso não permite descartar, por exemplo, uma inflação que caminha para 7% ou 8% neste ano.
De acordo com a Verde Asset, gestora de Luis Stuhlberger, as saídas sazonais de dólares no mês de dezembro foram exacerbadas pelo pessimismo generalizado que se abateu sobre os agentes econômicos após a apresentação do pacote fiscal. Segundo a equipe de gestão, as intervenções cambiais do BC, feitas em grande escala, atenuaram os efeitos imediatos das saídas, mas não podem ser mantidas em ritmo semelhante daqui para frente.
“Os impactos inflacionários da desvalorização serão sentidos ao longo de 2025 e forçarão o BC a levar os juros para patamares que considerávamos esquecidos. O modelo econômico de acelerador fiscal com freio monetário segue em direção ao muro, e embora os preços de vários ativos já embutam prêmios de risco bastante significativos, continuamos a manter um posicionamento mais negativo”, afirmam os profissionais da Verde Asset, ao revelarem a manutenção de posições vendidas em bolsa e em real, bem como uma pequena aposta na queda dos juros reais.
Outras gestoras expressaram visões negativas para os ativos do Brasil em suas cartas mensais. O Bahia Asset Management disse manter posições tomadas (aposta na alta) em juros nominais e em juros reais e vendidas no real contra uma cesta de moedas. Já o Opportunity Total iniciou uma aposta contrária ao real sob a visão de que a política cambial do Banco Central gerou distorções temporárias no preço da moeda brasileira, que “ainda enfrenta fundamentos frágeis e carrego relativamente baixo no curto prazo”.
A Kinea Investimentos, por sua vez, mantém uma posição vendida na bolsa brasileira, “que reflete não somente nossa visão da instabilidade interna ainda presente, como também nossa visão negativa para mercados emergentes vis-à-vis as elevadas taxas de juros reais presentes na economia americana”.
Já a Legacy Capital mantém baixa exposição ao mercado doméstico, mas, em carta mensal, diz se preocupar com o ritmo acelerado de venda de reservas pelo BC, além de projetar uma inflação de 6,2% para este ano.
Fonte: Valor Econômico

