Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
30/05/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
O cenário inflacionário já demandava cautela e indicava um desafio elevado para o Banco Central à frente. As preocupações dos participantes do mercado, porém, têm aumentado, na medida em que a inflação acende sinais vermelhos, com caráter ainda mais persistente, ao mesmo tempo em que a autoridade monetária tem dado sinais de que o fim do ciclo de aperto está próximo. A deterioração do cenário continuou a se materializar nas projeções do mercado: a escalada das expectativas de inflação teve continuidade e um aumento da Selic além de junho entrou com força no debate.
Entre os dias 24 e 27 de maio, o Valor consultou 101 instituições financeiras e consultorias quanto às projeções de inflação e de taxa básica de juros neste ano e em 2023. Desde a última coleta, publicada em 12 de maio, a mediana de expectativas para o IPCA passou de 8,35% para 8,9% neste ano e de 4,2% para 4,5% em 2023. Em relação à Selic, a mediana de estimativas se manteve em 13,25% no fim deste ano, mas aumentou de 9,5% para 9,63% no fim de 2023. A média aritmética simples de projeções para a Selic no fim deste ano também subiu, de 13,39% para 13,48%.
Com o juro básico em 12,75%, o BC contratou uma nova alta na Selic na reunião de junho, ao mesmo tempo em que tem dado sinais cada vez mais claros de que deseja encerrar o ciclo de aperto monetário iniciado em março de 2021. Apesar disso, a autoridade monetária passou a adotar uma estratégia mais dependente de dados.
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Parte do mercado tem migrado para um cenário de uma elevação em agosto. Duas semanas atrás, 25% das estimativas indicavam elevação nos juros em agosto. Na pesquisa atual, esse cenário já é defendido por cerca de 36% das casas.
“Há o desejo de parar, mas temos uma inflação ainda muito ruim. Em todos os meses, o IPCA-15 e o fechado vêm surpreendendo negativamente”, diz o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha. Ele supõe que o BC tentará encerrar o ciclo, mas sem sucesso. Assim, a gestora projeta a Selic em 14,25% no fim do ciclo.
“Eu vejo o risco de o BC parar e as expectativas de inflação piorarem ainda mais. Se a inflação corrente estivesse um pouco melhor, dando sinais de arrefecimento, acredito que ele teria mais conforto, mas está piorando e se espalhando”, observa Rocha. A JGP, inclusive, é uma das casas cujo cenário se mostra ainda mais complexo para uma desinflação em 2023, ao projetar o IPCA do próximo ano em 5,6%.
A leitura de maio do IPCA-15 assustou o mercado em relação à dinâmica de preços. A aceleração dos núcleos ligou o alerta entre economistas quanto a cenários de uma inflação ainda mais persistente à frente.
“O IPCA-15 veio, realmente, com uma qualidade muito ruim, mas muito ruim mesmo. O BC, de fato, já elevou muito os juros, mas temos medo de que ele acabe parando o ciclo com uma situação inflacionária dessa natureza. Isso poderia desancorar ainda mais as expectativas”, aponta o economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, cuja projeção aponta a Selic a 13,75%.
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Ele defende que, para o BC, é melhor continuar a subir os juros agora para não correr o risco de ter de aumentar a Selic ainda mais no futuro devido à chance de desancoragem adicional das expectativas.
Carvalho nota que houve uma mudança na estratégia do BC, que passou a ficar mais dependente de dados. “Antes, o BC era muito explícito e, agora, não está sendo mais para tentar ver se, com o tempo passando, ele consegue alguma evidência de que a política monetária está funcionando. Assim, o melhor, neste momento, é desacelerar para ganhar tempo”, defende.
O economista-chefe para Brasil do BTG Pactual, Claudio Ferraz, também se mostra atento à surpresa desfavorável do IPCA-15. “Uma inflação altamente disseminada, com núcleos muito altos, é o tipo de composição que leva você a reavaliar o cenário de curto e médio prazo, impactando projeções mais longas”, observa o profissional.
A perspectiva de que o ciclo de elevação da Selic termine com a taxa em 13,25%, assim, ganhou contornos menos claros, na visão do economista. “Apesar de esperarmos uma alta de 0,5 ponto agora em junho, os riscos são para cima. Eles têm crescido no sentido de que talvez tenhamos mais um movimento de alta em agosto”, diz.
Ferraz, porém, afirma que sinais mais claros de desaceleração econômica poderiam evitar que o BC estendesse o aperto monetário para o segundo semestre. “O debate pode crescer se os dados de atividade em junho e em julho começarem a mostrar um enfraquecimento mais acentuado. Ainda há um período longo para o BC acompanhar os indicadores econômicos, mas, nesse sentido, a bola está com os dados.”
Ao menos no curto prazo, a atividade econômica tem mostrado resiliência, apesar do aperto das condições monetárias e financeiras observado desde o fim do ano passado. “Caso a demanda se prove mais resiliente que o esperado, o trabalho do BC ficará mais difícil. No entanto, acreditamos que, devido à defasagem da ação da política monetária, de cerca de nove meses, a maior parte do efeito do aperto do juro real será observada no segundo semestre”, afirma a economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, Andressa Castro.
Assim, para ela, não é possível tirar conclusões precipitadas sobre a ação da política monetária com base nas surpresas positivas dos últimos meses na atividade. “Nesse sentido, os principais indicadores a se monitorar serão o ritmo de consumo do excesso de poupança, que tem contribuído para a resiliência da demanda, e o desempenho dos setores mais sensíveis ao crédito, como a construção e o consumo discricionário”, enfatiza.
A economista, porém, observa que a distância entre as expectativas de inflação de 2023 e a meta, caso continue a aumentar, pode gerar pressões adicionais sobre o BC. “Segundo nossos modelos, se as expectativas avançarem acima de 5%, movimento que já está começando a ocorrer, seria necessário um aperto maior da Selic, adentrando o segundo semestre, para evitar uma desancoragem ainda maior”, defende. Assim, para Castro, esse cenário aumentaria as chances de o juro básico se aproximar de 14% – o que não está no cenário-base da BNP Paribas Asset no momento.
De fato, a desancoragem das expectativas tem se mostrado ainda mais acentuada. De 99 estimativas coletadas na pesquisa do Valor para o IPCA de 2023, 24 já indicam que a inflação terminará o próximo ano acima do teto da meta.
“Não há mais discussão sobre os perigos do espalhamento da inflação. Isso já é um fato”, diz o economista-chefe do Bradesco BBI, Dalton Gardimam. Ele aponta que, em sua estimativa de 8,5% para o IPCA de 2022, algum efeito de redução do ICMS em combustíveis e energia elétrica já é considerado.
Contudo, há uma perspectiva de desinflação importante no ano que vem, diante da perspectiva de que as economias globais – e o Brasil, inclusive – irão perder tração em 2023. “O grande tema e o maior desafio do ano de 2022 é a inflação. Acredito que esse tema passará a ser o crescimento em 2023”, afirma Gardimam. Ele, assim, projeta estagnação da economia no próximo ano e a inflação em 4,5%. (Colaboraram Anaïs Fernandes e Marta Watanabe)
Fonte: Valor Econômico

