A queda relevante do dólar na primeira metade do ano se somou à postura conservadora do Banco Central (BC) e às surpresas na inflação corrente, e contribuiu para um forte tombo da inflação esperada pelo mercado. Mais recentemente, ainda, o episódio do “tarifaço” reforçou a perspectiva de que a possível sobreoferta de alguns produtos possa ampliar o alívio inflacionário de curto prazo. Assim, o mercado já inclui nos preços uma inflação mais baixa à frente e, em alguns prazos, os números se aproximam da meta perseguida pelo BC — até mais do que no Boletim Focus.
A inflação extraída da NTN-B para agosto de 2026 opera a 4,12%, após ter começado o ano acima de 7,20%. Já a inflação “implícita” extraída da NTN-B para maio de 2027 recuou de 7,23% em janeiro para 4,84% na última sexta-feira.
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Usualmente, o movimento observado no mercado de inflação implícita costuma antecipar a dinâmica das projeções coletadas no Focus, em que o BC reúne as projeções do mercado. A mediana dessas estimativas também já exibe ligeiro recuo. Para o IPCA em 2025, o centro das projeções está em 5,07%, recuando há dez semanas consecutivas. O ponto-médio do IPCA de 2026 está em 4,43%, também cai há três semanas e, recentemente, voltou a ficar abaixo do teto da banda da meta de inflação (4,5%).
O próprio BC reconheceu ontem, na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada, o movimento no mercado de inflação. No documento, a autarquia apontou que não houve alteração relevante entre as reuniões nas expectativas de longo prazo no Focus, “ainda que as medidas de inflação implícita extraídas de ativos financeiros tenham se reduzido”. Nesse contexto, o comitê disse ter reforçado o compromisso com a reancoragem das expectativas “e com a condução de uma política monetária que enseje tal movimento”.
Para o chefe de renda fixa da Santander Asset Management, Luciano Rais, a melhora recente do IPCA e sua composição mais benigna explicam somente em parte o recuo da inflação implícita de curto prazo. Há, também, um componente técnico que tem pressionado a métrica para baixo, à medida que o mercado se desfaz de títulos atrelados à inflação — o que faz com que o juro real suba e a diferença em relação às taxas nominais caia.
Vale notar, nesse caso, que a inflação implícita precificada pelo mercado é obtida pela diferença entre os juros futuros e as taxas das NTN-Bs (juros reais).
“Sempre que o mercado começa a postergar o ciclo de queda da taxa Selic, carregar uma NTN-B de curto prazo em um período em que podemos ver uma inflação mais baixa se torna algo muito punitivo ao investidor”, diz Rais. “É um componente técnico que pode estar ajudando a derrubar a implícita.”
Na linguagem do mercado, o “carrego” para as posições em NTN-Bs fica ruim. E, no curto prazo, há um momento negativo para essas posições, diante da perspectiva de deflação em agosto. Rais, inclusive, se diz otimista em relação à continuidade do movimento de queda da inflação implícita, a começar por fatores de curto prazo que devem ampliar a melhora do quadro inflacionário, como a sazonalidade do início do segundo semestre e o bônus de Itaipu, que reduzirá o custo da energia elétrica neste mês.
Mais à frente, a inflação pode ter uma queda ainda maior por conta das tarifas dos Estados Unidos a produtos brasileiros, em especial se alguns alimentos continuarem sendo taxados, diz o executivo da Santander Asset. Ele não espera, porém, que o mercado se antecipe tanto a isso, uma vez que mais exportações do Brasil podem ser isentas. “Fatores que mudam em uma ‘canetada’ são difíceis de projetar”, diz.
O economista João Fernandes, da Quantitas, nesse sentido, lembra que houve uma queda forte da inflação implícita mesmo antes de o tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ser anunciado. Ainda que a interpretação majoritária dos economistas vá na linha de os efeitos serem desinflacionários para o Brasil, houve um movimento contrário no mercado de inflação recentemente, observa.
“Houve uma piora bem disseminada do prêmio de risco dos ativos brasileiros e essa piora acabou fazendo com que as implícitas abrissem [subissem] um pouco [no curto prazo]. Não porque se espera uma inflação mais alta no curto prazo, mas porque o prêmio de risco do Brasil aumentou”, afirma Fernandes. Para ele, com a isenção dada a uma série de produtos, os efeitos das tarifas na inflação devem ser praticamente nulos.
A Quantitas acredita que a queda das implícitas já se mostra relevante neste momento e tem a avaliação de que a assimetria para a inflação precificada pelo mercado seria de alta.
“As implícitas curtas estão rodando em níveis descontados para o Brasil. É fácil termos eventos que se traduzam em uma inflação mais alta. É claro que o Copom, firmando sua posição de manter o juro em 15% e não antecipar o corte, diminui a possibilidade de essas ‘implícitas’ subirem mais rápido. Mas existe um efeito interessante que é: como as implícitas estão muito baixas, há um pedaço gordo de juro real na curva brasileira. Portanto, temos posições que apostam na queda dos juros reais”, afirma Fernandes.
Rais, da Santander Asset, também se mostra mais confiante em uma apreciação adicional do câmbio doméstico, o que pode apoiar uma visão mais otimista em relação à inflação. “A postura mais dura do nosso BC, sem a possibilidade de queda da Selic no curto prazo, cria um cenário cada vez mais favorável ao real.”
Nesse sentido, Rais acredita que o câmbio pode continuar a apoiar uma melhora do quadro inflacionário, com potencial de ter impacto nas medidas de inflação implícita de curto prazo, mesmo diante de possíveis ruídos em torno da política fiscal ou das eleições do próximo ano. “Acredito que o cenário externo continuará puxando o real para cima; é o que costuma ser preponderante. Apenas um evento muito específico pode gerar algum ruído local, mas por enquanto não vejo nada no horizonte que preocupe”, ressalta o gestor.
Para além da postura conservadora adotada pela autoridade monetária, do câmbio e da inflação corrente, o chefe da área de renda fixa do ASA, Fabiano Zimmermann, observa que os dados fiscais “deixaram de assustar os mercados no curto prazo”, o que também ajudou na queda das implícitas. Ele vê espaço para a continuidade do movimento, ao notar que o prêmio de risco exigido pelos mercados segue em níveis elevados.
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“O prêmio médio das implícitas de dois anos em relação à meta costuma ser de 1 ponto percentual. Em momentos em que a política monetária atinge o auge da contração, esses prêmios costumam cair abaixo desse nível. Atualmente, a implícita de dois anos gira em torno de 4,5%, o que sugere um espaço adicional de pelo menos 0,5 ponto de queda”, estima o executivo do ASA.
A implementação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelos EUA também pode provocar, na margem, algum impacto positivo para a inflação, que teria viés de baixa, e alguma desaceleração na atividade econômica, o que contribuiria para aprofundar o movimento de queda da inflação implícita, diz Zimmermann. Ele, porém, ressalta que é “muito difícil” precificar os impactos totais das medidas de Trump, “especialmente porque ainda não se sabe qual será o equilíbrio final, a tarifa média após as negociações”.
Fonte: Valor Econômico

