Por Martin Wolf
13/07/2022 05h00 · Atualizado há 4 horas
A volta da inflação não é apenas um acontecimento econômico importante. É também um acontecimento político. À medida que fica cada vez menos plausível que ela simplesmente desaparecerá sem provocar danos, decisões duras precisam ser tomadas sobre como reagir.
Isso suscita grandes questões. Como chegamos aqui? Quão grande e duradoura será necessária uma desaceleração para controlar novamente a inflação? A política monetária já está apertada o suficiente? Se não, quais novos passos deverão ser dados? E não menos importante: a inflação deve ser reduzida para as metas anteriores ou as autoridades monetárias deveriam desistir e aumentar suas metas?
O mais recente Relatório Anual do Banco de Compensações Internacionais (BIS) oferece uma excelente análise do que está acontecendo. E o mais importante: lança uma luz sobre os perigos de se afastar do regime de inflação baixa dos últimos quarenta anos.
A inflação está agora elevada e disseminada pelos países e setores. A princípio, era algo inesperado e classificado como transitório. Nenhum dos pontos de vista se sustentou bem.
A inflação inesperada significa cortes inesperados na renda real. isso é altamente impopular
O BIS observa que em abril de 2022 “três quartos das economias experimentavam inflação acima de 5%. A inflação estava de volta, não como um amigo há muito procurado, mas sim como um inimigo ameaçador”. De fato, a inflação está agora elevada e disseminada pelos países e setores. A princípio, era algo inesperado e classificado como transitório. Nenhum dos pontos de vista se sustentou bem. A inflação também está econômica e politicamente evidente. E as pessoas simplesmente se preocupam com ela. Especialmente, a inflação inesperada também significa cortes inesperados na renda real. Compreensivamente, isso é altamente impopular.
O perigo agora é o da estagflação, definida como um episódio prolongado de crescimento fraco mais inflação variável e persistente. Para nos ajudar a entender melhor a natureza desse desafio, o BIS explica as diferenças entre um regime de inflação baixa e um de inflação alta. Ele faz isso olhando “por baixo do capô” como os regimes de inflação funcionam de fato. Fundamentalmente, ao que parece, a inflação se comporta de maneiras diferentes nesses dois regimes.
Quando a inflação é baixa por muito tempo, sua volatilidade também cai, assim como sua persistência; ela é autoequilibrada. Isso ocorre em parte porque as pessoas esperam que ela se estabilize e também porque na maior parte do tempo elas simplesmente a ignoram. A baixa volatilidade da inflação não se deve à baixa volatilidade dos preços individuais, e sim à baixa correlação entre eles. Mudanças de preços relativos, mesmo grandes, têm pouco impacto sobre o nível geral dos preços.
Um regime de inflação alta é o oposto. Grandes mudanças nos preços relativos – uma grande desvalorização cambial, por exemplo – se espalham rapidamente pela economia, enquanto as pessoas lutam para se proteger dos choques à renda real. O mecanismo por trás dessa difusão são as espirais de preço-preço e preço-salário. Além disso, quanto maior a preocupação, mais preventivos os esforços se tornam. As expectativas são cruciais. Quando as pessoas não sabem mais o que esperar, elas se tornam ainda mais defensivas.
Explicar o que está acontecendo como resultado de choques “exógenos” de oferta é um grande erro. O que é exógeno para uma determinada economia é muitas vezes exógeno para todas elas. Assim, a rápida expansão da demanda em uma série de economias significativas criará um aumento da demanda global. Terceiro, o excesso de demanda sempre aparecerá primeiro onde os preços estão flexíveis, especialmente nas commodities, antes de se espalhar.
O importante é que estamos agora à beira de uma mudança de um regime de inflação baixa para um de inflação alta. Por que esse perigo surgiu? Uma explicação é o excesso de confiança na permanência da inflação baixa. Outra foram as metas retroativas de inflação média e o excesso de confiança na capacidade de fornecer orientação futura. Outra foi ignorar o dinheiro quando, mais uma vez, ele importava. Outra ainda foi o excesso de confiança na capacidade de oferta. É claro que também houve choques, como a guerra.
Quanto mais arraigada esse mudança de regime se tornar, maiores serão os custos para revertê-la. Na pior das hipóteses, poderá levar a uma recessão aguda ou a uma desaceleração prolongada. Até agora, as autoridades não deixaram isso claro. É também por isso que elas tendem a desistir antes de alcançar seus objetivos. É também por isso que uma estagflação prolongada é agora bastante provável.
Uma questão importante, então, é se as autoridades monetárias fizeram o suficiente para reduzir a inflação para as suas metas. O principal argumento que eles têm é que as condições financeiras já estão bastante apertadas. Isso está intimamente relacionado ao aumento da fragilidade financeira desde o episódio estagflacionário da década de 70. Ao mesmo tempo, as relações de moeda ampla sobre o PIB ainda se encontram em níveis sem precedentes, enquanto as taxas reais de juros continuam negativas. É bem possível que essa política tenha que ser apertada bastante nos próximos meses.
Confrontados com a necessidade de desacelerações mais profundas ou política mais apertada, os bancos centrais poderão recuar. Os políticos certamente o farão. Um resultado possível é um ciclo estagflacionário, com os bancos centrais oscilando entre fazer muito pouco, reverter, e então fazer muito pouco novamente. Outro é que muitas autoridades monetárias concordam que uma inflação de 2% é algo muito rigoroso. Por que não partir para 4% ou mais, em vez disso? Isso teria o benefício de dar aos bancos centrais mais espaço para manobras declinantes nas taxas de juros no futuro, reduzindo assim a necessidade de afrouxamento quantitativo em recessões subsequentes.
O argumento é atraente, principalmente politicamente, mas há fortes objeções. Desistir quando as coisas ficam difíceis diz às pessoas que as autoridades monetárias sempre desistirão toda vez que a situação ficar difícil. Além disso, há a alternativa de usar a política de juros negativos. Acima de tudo, digamos, uma inflação de 4% será muito evidente o tempo todo. Em um ambiente tão sensível à inflação, as pessoas não só acharão muito mais difícil separar as mudanças de preços relativos dos gerais, como também ficarão apenas esperando que as autoridades monetárias as enganem mais uma vez.
O dinheiro é um bem público essencial. O dinheiro sólido sustenta a estabilidade política e econômica. Ele não deve ser jogado fora. (Tradução de Mário Zamarian)
Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times
Fonte: Valor Econômico