Por Gabriel Roca, Igor Sodré e Matheus Prado — De São Paulo
22/07/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
A piora recente na percepção dos riscos associados ao mercado local contribuiu para mais um pregão de alta nos juros futuros ontem, a despeito do movimento de queda nos rendimentos dos títulos públicos globais. O real, que também foi impactado pelas incertezas domésticas, sofreu ainda pressão adicional por conta do pregão de alta do dólar ante moedas emergentes.
Em meio aos desafios relacionados às questões fiscais do país, ao cenário inflacionário e às incertezas políticas, o Tesouro voltou a encontrar demanda limitada no leilão de prefixados. Além disso, as taxas foram pressionadas pela deterioração do real. Na sessão, o dólar subiu 0,66%, sendo negociado a R$ 5,4970, enquanto a taxa do DI para janeiro de 2023 subiu de 13,855% para 13,905%; e a do DI para janeiro de 2025 foi de 13,295% para 13,440%.
O pregão foi marcado por um elevado grau de volatilidade nos mercados globais, diante da decisão de política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que decidiu elevar suas taxas de juros em 0,5 ponto percentual, em seu primeiro aumento desde 2011. Após a reação imediata à decisão do BCE, os mercados globais passaram a operar com tom mais positivo. No entanto, o movimento não foi acompanhado no mercado local. Agentes financeiros apontam que, diante das incertezas com a trajetória das finanças públicas do país e da política monetária, a cautela segue fazendo com que investidores adicionem prêmios de risco aos ativos locais.
No leilão de títulos prefixados realizados pelo Tesouro na manhã de ontem, e apesar da oferta bastante reduzida de títulos – 4,5 milhões de LTNs para três vencimentos e 300 mil NTN-F para dois vencimentos – a colocação não foi integral. Foram vendidos 91,22% do lote de LTNs, com volume financeiro de R$ 2,986 bilhões e apenas 27% do lote de NTN-Fs, com volume de R$ 68,2 milhões.
“Ninguém quer adicionar risco no mercado local”, afirma o operador de renda fixa de uma corretora. O economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, vai na mesma linha. “Acredito que estamos com um sentimento de ‘bear market’. Por aqui, a situação fiscal está ruim, há preocupações com a política e o cenário de crescimento também é ruim”, afirma o economista.
Na bolsa, o Ibovespa até abriu em queda, mas fechou em campo positivo pela quinta sessão seguida, guiado, novamente, por Nova York. Após ajustes, o referencial local avançou 0,76%, aos 99.033 pontos. Analistas dizem que ainda há pouca convicção nos movimentos recentes, mas os índices acionários vão tentando acumular números positivos no mês de julho, enquanto investidores colocam as incertezas macro e a saúde das empresas listadas, que apresentam seus resultados trimestrais, na balança.
“A narrativa passou de inflação para recessão e para corte de juros em menos de três semanas, o ciclo econômico mais rápido da história. O mercado antecipa os fatos, é verdade, mas está difícil tirar conclusões neste momento, ainda mais com tanta volatilidade”, afirma Tiago Cunha, gestor de renda variável da ACE Capital. “Estamos presenciando movimentos super rápidos e agudos em todos os mercados e ativos, sem muito fundamento. As commodities, por exemplo, derreteram sem que ocorresse nada que mudasse substancialmente o cenário para os produtos”, diz.
O gestor contemporiza, por outro lado, que o fato de a temporada de balanços dos EUA não ter trazido surpresas negativas até aqui, como o mercado esperava, ajuda na recuperação pontual dos ativos. Nessa linha, as ações ordinárias da Vale, que haviam recuado na sessão anterior, avançaram 1,75% ontem, mesmo com o minério de ferro em baixa. No setor financeiro, o movimento foi semelhante e os papéis preferenciais do Itaú subiram 0,81%, enquanto os do Bradesco tiveram alta de 1,35%.
Entre as maiores valorizações do dia, seguiu o movimento de melhora de papéis descontados. Rede D’Or subiu 7,8%; as units da SulAmérica avançaram 6,79%; Banco Pan ON cresceu 6,53%; e Positivo ON ganhou 6,02%.
Cunha, da ACE Capital, enxerga alguns aspectos técnicos para o movimento: liquidez extremamente reduzida nos mercados – e no Brasil, em especial -; movimentos de resgate dos fundos de ações parecem ter dado uma trégua recentemente; “valuations” extremamente espremidos; e macro global começando a flertar com um aumento de juros menor do que anteriormente estimado. “Esses pontos ajudam, mas ainda não sabemos o quão sustentável é essa recuperação”, diz. Na ponta negativa, o recuo da Petrobras – a ação PN caiu 0,55% e a ON recuou 1,1% – foi um fator de pressão.
Fonte: Valor Econômico

