O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou ontem se comprometer com a meta de resultado primário zero em 2024, aumentando as turbulências que surgiram no mercado na sexta-feira ao se limitar a dizer que “minha meta está estabelecida”. Segundo Haddad, seu objetivo continua “buscar equilíbrio fiscal de todas as maneiras justas e necessárias” e, para isso, informou que cogita antecipar para este ano medidas que seriam divulgadas apenas no ano que vem. Ele reconheceu que o cenário é “desafiador” e cobrou “apoio político” para sua agenda.
Irritado, o ministro foi questionado reiteradas vezes para ser mais claro sobre a manutenção ou não do déficit zero, mas deixou em aberto: “Querido, aí, se você quiser me entender, bem. Se não quiser me entender, bem. Estou dizendo que eu, enquanto ministro da Fazenda, vou buscar o resultado que considero o melhor para o país, que é o equilíbrio fiscal, e o que puder fazer, eu vou fazer”, respondeu o ministro a um jornalista. Ele abandonou a entrevista quando foi questionado mais uma vez sobre a manutenção da meta de resultado zero, conforme consta tanto no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) quanto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), em tramitação no Congresso.
Na sexta-feira, durante café da manhã com a imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a meta de 2024 “não precisa ser zero” e que um déficit primário de 0,25 ponto percentual ou 0,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) não é “nada”. O arcabouço fiscal apresentado pelo governo federal no primeiro semestre e aprovado pelo Congresso Nacional estabelece meta de resultado primário zerado para o ano que vem, com intervalo de tolerância de 0,25 ponto do PIB para cima ou para baixo.
As declarações de Lula tiveram repercussão amplamente negativa no mercado, por sinalizarem um enfraquecimento do compromisso com o arcabouço fiscal e o equilíbrio das contas públicas. Conforme divulgado ontem pelo Boletim Focus, do Banco Central (BC), a projeção mediana de instituição financeiras, consultorias e gestoras é de um déficit primário de 0,78% do PIB para o governo federal no ano que vem.
O mundo político também reagiu ao episódio. Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, divulgou nota em apoio a Haddad e afirmou que não seguir o plano do ministro colocaria o país em “rota perigosa”.
“Devemos seguir a orientação e as diretrizes do ministro da Fazenda, a quem está confiada a importante missão de estabelecer a política econômica do Brasil. Ir na contramão disso colocaria o país em rota perigosa”, escreveu Pacheco.
Ainda ontem pela manhã, Lula e Haddad se reuniram pela primeira vez desde as declarações do presidente. De acordo com a agenda da Presidência, na reunião, ocorrida no Palácio do Planalto, também participou a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior – a pasta defende a revisão da meta zero, em linha com a ala política do governo. Quase no mesmo horário, a Fazenda convocou a entrevista, realizada logo após o encontro.
Haddad afirmou que a arrecadação do governo federal vem decepcionando por duas razões principais: as regras de tributação sobre subvenções estaduais e a exclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Segundo ele, Lula está ciente e preocupado sobre a dimensão dos “ralos fiscais”.
Vou buscar o resultado que considero o melhor para o país, que é o equilíbrio fiscal”
De acordo com o ministro, um dispositivo da Lei Complementar 160 “abriu brecha enorme” ligada às subvenções, com estimativa de prejuízo para os cofres públicos de R$ 200 bilhões neste ano. Ele destacou que a medida provisória (MP) 1185, em tramitação no Congresso, “corrige essas distorções” e que, “tudo dando certo em 2023, vai ser o último ano dessa enorme brecha”.
Outra razão para a perda de força da arrecadação, segundo o ministro, foi decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins recolhido pelas empresas. “Estamos falando de muitas dezenas de bilhões de reais”, disse. “Não só da [arrecadação] corrente, mas fazendo a conta de todo o recolhimento feito de 2017 para cá.”
Haddad levantou a possibilidade de antecipar medidas que seriam tomadas em 2024, mas não detalhou quais. O ministro ainda afirmou que sua busca pelo equilíbrio fiscal “não é por pressão do mercado financeiro ou por que sou ortodoxo”.
Nos bastidores, a estratégia do titular da Fazenda também envolve mostrar para Lula que a busca pelo equilíbrio fiscal é tanto a “agenda correta para o país” quanto a melhor maneira de o presidente “garantir o cumprimento das principais promessas” eleitorais, segundo uma fonte do Ministério da Fazenda. A ideia central é que “perseguir o déficit zero é mais importante do que alcançar o déficit zero”. Na avaliação da pasta, a fala de Lula sobre a meta do ano que vem “foi um pouco precipitada” e gerou temores sobre uma possível “perda de disciplina” fiscal.
“O pior cenário seria começar a desestimular” a busca pelo equilíbrio das contas públicas, mesmo que o déficit não seja zerado em 2024, diz a fonte. Uma preocupação é a possibilidade de o Judiciário aumentar o teto dos vencimentos do funcionalismo.
“Temos um caminho para perseguir que está dado”, afirma a fonte, citando medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda para aumentar receitas, como as mudanças no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Para a pasta, será por meio da agenda de longo prazo, e “não por pressão da ala política”, que Lula cumprirá as suas promessas. (Colaboraram Caetano Tonet e Julia Lindner)
Fonte: Valor Econômico

