No quarto mês de operação do novo arcabouço fiscal, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu a intensidade do ajuste fiscal proposto em 2023, quando a nova regra foi aprovada. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, enviado ontem ao Congresso Nacional, estabelece déficit zero como resultado das contas públicas no ano que vem, o mesmo previsto para este ano. Desde o ano passado, a meta sinalizada para o ano que vem era um superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Dessa forma, o governo pode fechar o próximo ano novamente com déficit – o rombo pode chegar a até R$ 31 bilhões, já que o arcabouço fiscal permite uma tolerância de 0,25% do PIB para cima e para baixo.
O governo ainda se utiliza de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a exclusão do excedente de precatórios do cálculo da meta fiscal até 2026. Do contrário, o déficit de 2025 já seria, de partida, de R$ 29,1 bilhões (0,23% do PIB).
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Já as metas de 2026, 2027 e 2028 foram propostas no campo positivo: 0,25% do PIB, 0,5% do PIB e 1% do PIB, respectivamente. Antes da revisão, o governo pretendia atingir um superávit de 1% do PIB já em 2026.
A revisão da meta para o ano que vem foi antecipada pela imprensa pela manhã. À tarde, antes da divulgação oficial, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou a informação, em entrevista à Globonews, reforçando a reação no mercado financeiro: o dólar fechou a R$ 5,18, maior patamar em mais de um ano.
Na entrevista, Haddad reforçou que continua a trabalhar com o Congresso Nacional em medidas de ajuste fiscal.
“Continuaremos trabalhando com o Congresso Nacional na recomposição de fontes”, afirmou.
Ao detalhar o projeto, integrantes da equipe econômica afirmaram que o governo “sofreu um revés” no Congresso, com a Medida Provisória (MP) 1.202, editada em dezembro. Deputados e senadores não querem retomar a cobrança de contribuição sobre a folha de pagamento de 17 setores mais empregadores (a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha, foi substituída por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta), bem como colocar fim ao Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse).
Também pesou a piora do cenário externo, com a perspectiva de manutenção por mais tempo da taxa de juros nos Estados Unidos. O cenário pode piorar, frisou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, o que demanda cautela.
Ao comentar a revisão da trajetória fiscal, Ceron, afirmou que caso o governo mantivesse a meta de superávit primário de 0,5% do PIB em 2025, como previsto anteriormente, isso poderia acarretar na adoção de medidas como a criação ou a majoração de tributos, o que talvez prejudicasse a economia e tivesse o efeito inverso ao pretendido. Por isso, a escolha do governo foi reduzir o objetivo fiscal. “Não podemos colocar cenários não factíveis ou que exijam medidas que gerem efeitos adversos em retração de investimentos”.
A revisão das metas, defendeu, “praticamente não altera” a trajetória esperada pelo Tesouro para a estabilidade da dívida pública. Este ano, pela primeira vez, o PLDO traz um anexo com a projeção para a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) nos próximos dez anos. Os números mostram que o estoque só deverá cair a partir de 2028, quando atingirá 79,6% do PIB, ante 79,7% no ano anterior. Em 2030, o projetado é 78,9% do PIB.
É uma trajetória mais otimista do que a do mercado, que projeta a dívida em 86% do PIB em 2030. Esse número vem melhorando paulatinamente, disse. No início do ano, a projeção era de 87% do PIB. Em 2022, durante o processo eleitoral, os patamares estavam acima de 90%, com trajetória crescente.
O ajuste pelo lado das despesas vem da revisão de gastos, segundo alegaram os técnicos. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou há duas semanas que o PLDO conteria uma “lista” de medidas a serem revisadas, mas somente duas, já conhecidas, foram apresentadas. Em conjunto, poderão reduzir despesas em R$ 37,3 bilhões até 2028. O dado se refere aos benefícios previdenciários, com economias estimadas em R$ 28,6 bilhões, e ao Proagro, com R$ 8,7 bilhões no período.
Apesar da frustração de expectativas na apresentação das medidas de revisão de gastos, outras políticas públicas passarão pelo processo, segundo a pasta. “Pretendemos escalar as revisões”, informou o secretário do Orçamento, Paulo Bijos. É com essas economias, principalmente, que o governo conta para dar um salto no superávit primário de 0,5% do PIB em 2027 para 1% do PIB em 2028.
As revisões de gastos atendem a um triplo desafio, disse o secretário: reduzir pressão de despesas obrigatórias, garantir recursos para políticas existentes ou novas e melhorar a qualidade do gasto.
São iniciativas que partem de achados e evidências de fraude ou erro, disse. No caso da Previdência, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou para possibilidade de ocorrência dessas falhas em 11% dos benefícios, disse. O Proagro, disse, é uma política que tem 50 anos e é “natural” que seja revista. Na semana passada, o Conselho Monetário Nacional (CMN) já fez “aperfeiçoamentos”, acrescentou.
Na entrevista, Ceron, do Tesouro, disse não concordar que o arcabouço esteja sendo alterado com facilidade. A pergunta foi motivada pela aprovação pela Câmara dos Deputados, na semana passada, de um dispositivo que antecipa a possibilidade de ser feito um crédito suplementar no Orçamento de 2024, no valor de R$ 15,7 bilhões. “A essência está intacta”, afirmou.
Para o secretário, as opiniões são legítimas e merecem respeito, mas o novo marco fiscal está garantido no seu objetivo de estabilização da dívida pública ao longo do tempo. Isso, ressaltou, “continua intacto e compatível” com o cenário pretendido. “Isso não é nenhuma vitória definitiva. Tem que ser contraposta com zelo permanente”, disse.
Fonte: valor econômico

