Por Augusto Decker e Matheus Prado — De São Paulo
22/12/2023 05h02 Atualizado há 3 horas
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Em meio a dezenas de projeções otimistas para o Ibovespa em 2024, o Goldman Sachs vai na direção contrária e espera que o principal índice da bolsa brasileira encerre o ano que vem em patamar inferior ao atual, de 132.182 pontos, aos 122 mil pontos. Em entrevista ao Valor, o chefe da área de mercados emergentes e investimentos globais do banco, Caesar Maasry, avalia que a bolsa pode ser vítima do próprio sucesso recente.
Nos últimos dez anos, diz, a estratégia de mais sucesso para mercados emergentes não foi apostar em teses de crescimento nem de valor, e sim na rotação entre ativos. “Normalmente, o Brasil iria bem nesse ambiente, mas como o ciclo de cortes [de juros] começou com força e muito já está precificado, em termos de rotação, preferimos procurar outros mercados que não foram tão bem, como África do Sul, Tailândia e Ásia em geral.”
Valor: Qual é a sua expectativa para emergentes em 2024?
Caesar Maasry: Nossa perspectiva é de crescimento sólido com continuidade de desinflação, e isso deve permitir retornos medianos, porque os ‘valuations’ estão menos descontados. Assim, acreditamos que emergentes darão retornos um pouco abaixo de dois dígitos em ações e renda fixa.
Valor: E em relação ao Brasil?
Maasry: Entendemos que o real ainda pode se apreciar um pouco. O mercado acionário, diante dos níveis atuais, pode ter performance modestamente inferior à dos pares emergentes. Isso porque, nos últimos anos, o país teve uma performance significativamente superior, o que nos faz acreditar que houve uma precificação um pouco excessiva e rápida demais do cenário de afrouxamento monetário.
Valor: Juros mais baixos não devem ajudar a bolsa?
Maasry: No início do ciclo de afrouxamento, o mercado já precificava mais cortes do que em qualquer outro momento da história para os 12 meses seguintes. Quando pensamos em taxas de juros e ações, não são os cortes de juros e a ponta curta da curva que importam. É a ponta longa. E a ponta longa da curva no Brasil já precificou cortes significativos.
Valor: A performance recente do Brasil pode atrapalhar?
Maasry: Quando se olha para os mercados emergentes nos últimos dez anos, a estratégia de mais sucesso não foi crescimento nem valor, e sim rotação. E estamos passando de uma valorização do dólar e fraqueza da China para ambientes de juros e câmbio mais benignos, e talvez alguma melhora na China. Eu diria que, normalmente, o Brasil iria bem nesse ambiente, mas o ciclo de cortes no país começou com muita força, precificando muita coisa para 2024. Então, em termos de rotação, preferimos procurar outros mercados que não foram tão bem, como África do Sul, Tailândia e Ásia em geral.
Valor: A bolsa brasileira está barata em termos de múltiplos?
Maasry: Concordo que a relação preço/lucro do Ibovespa está relativamente baixa, mas, em geral, isso é calculado com base na expectativa de lucro futuro. Em dois anos, a estimativa de crescimento de lucro é de apenas 5%, e nossa projeção está ligeiramente abaixo. Por outro lado, ao se observar um modelo de GARP [sigla em inglês para crescimento a um preço razoável], portanto ‘valuation’ em comparação com crescimento, o Brasil não parece tão barato. Isso muda um pouco quando se exclui as commodities, mas é uma questão de composição do Ibovespa.
“Surpresas positivas no campo fiscal seriam muito úteis e permitiriam ganhos adicionais aos ativos locais”
— Caesar Maasry
Valor: A bolsa deve manter correlação alta com os Treasuries?
Maasry: As ações brasileiras têm sido extremamente ancoradas pelos juros brasileiros e os juros brasileiros foram, em geral, ancorados pelos juros americanos. Acho que essa dinâmica deve continuar até a volatilidade dos juros diminuir ou quando estiver claro que há uma melhora no crescimento do Brasil. Essa correlação elevada entre juros e ações tem muito a ver com prêmios de risco. E o outro componente são os lucros, que estão estáveis no Brasil nos últimos anos, principalmente em dólares.
Valor: Os cortes de juros podem ajudar nesse lucro das empresas?
Maasry: Os cortes devem ter um efeito no crescimento doméstico, e olhamos também questões como as condições financeiras, que claramente estão começando a ficar mais frouxas. Acho que no Brasil, excluindo as commodities, provavelmente os bancos são interessantes. Da forma que eu observo as ações de emergentes, os bancos são menos influenciados por margens e inclinação da curva de juros, e mais por condições financeiras melhores e evolução nos empréstimos e no crédito. Mas eu também diria que um risco é que, se a preocupação fiscal continuar, haverá um prêmio nos vértices longos da curva de juros e o BC pode não cortar muito mais os juros à frente.
Valor: Ainda há espaço para empresas mais voltadas à economia local performarem bem?
Maasry: Em termos de ‘valuation’, os bancos parecem mais atrativos, assim como bens de consumo. Com a história de melhora no crescimento, eu preferiria estar com bancos. Mas o lado doméstico do Brasil é uma exposição mais clara quando se fala em termos de investidores globais interessados na história de recuperação do Brasil.
Valor: Juros serão mais atrativos para estrangeiros do que ações no ano que vem?
Maasry: Para emergentes, os retornos de bolsa não parecem ser tão atrativos quanto os de renda fixa. No Brasil é um pouco mais complicado porque setores domésticos parecem baratos em comparação com os juros e são uma exposição interessante. A questão é que estrangeiros que acreditam que a economia global está estável e querem tomar mais risco podem preferir surfar isso no Russell 2000 ou na Coreia do Sul, que estão ligados a uma recuperação cíclica global e são baratos. A visão sobre emergentes é que eles negociarão muito bem se o dólar se depreciar, o que é parte do nosso cenário-base. Mas o mercado de renda fixa seria uma exposição mais clara a isso, porque grande parte do Ibovespa é composta por receitas dolarizadas.
Valor: Quais surpresas ajudariam os ativos brasileiros?
Maasry: Surpresas positivas do lado fiscal seriam muito úteis, pois abririam caminho para uma possível precificação desinflacionária no mercado de juros, resultando em mais um período em que o mercado local se desconecta dos Treasuries e as ações locais podem ir bem. Acredito que o próximo ano será decidido pelas questões macro, porque quando se olha para os mercados globais ainda há um foco intenso nas probabilidades de recessão nos EUA. Esse tende ser o foco no final e no começo de ciclos. É só no meio de ciclos que isso tende a ser menos importante.
Valor: O aspecto fiscal também é importante para os estrangeiros?
Maasry: Neste momento, quando se fala com investidores americanos, o foco está na economia dos EUA, e o debate é se preferem estar alocados em ações de inteligência artificial ou migrar para partes do mercado que estão relacionados à economia doméstica. Então, não é que não se importam com a dinâmica fiscal no Brasil, mas ela fica menos no foco quando há outras opções. Hoje, se olharem para emergentes como uma jogada macro para aproveitar a fraqueza do dólar, não observam idiossincrasias individuais.
Fonte: Valor Econômico

