Por Adriana Cotias — De São Paulo
24/06/2022 05h02 Atualizado há uma hora
A escalada dos juros, que levou uma montanha de dinheiro para a renda fixa, mostra um efeito colateral com a criação de fundos de fundos (FoF, na sigla em inglês) de crédito. A estrutura, mais recorrente em carteiras de ações e multimercados, agora avança por portfólios com títulos de dívida privada. Itaú, BV, Bradesco, BNP Paribas e SulAmérica Investimentos são alguns nomes que vêm explorando oportunidades no segmento.
Num FoF, em vez de o investidor fazer por conta própria a seleção dos veículos em que pretende colocar o seu dinheiro, ele delega a diligência a uma equipe profissional. Entram em cena métricas quantitativas, de análise de performance/risco, e qualitativas, que levam em conta a estrutura da asset, a especialidade e histórico do time. Com o surgimento de gestoras especializadas em crédito e a diversificação da atuação de assets que ficaram conhecidas por multimercados macro, há matéria-prima para se trabalhar. Nesse campo, a avaliação das garantias é outro aspecto relevante, porque fundo de crédito costuma ser pouco volátil, até que um evento de inadimplência se concretize.
Com R$ 230 bilhões em fundos de fundos, o Itaú tem cerca de 40 pessoas dedicadas à operação e estreou na linha de crédito neste ano, com uma carteira com assets que fazem gestão ativa. O portfólio atual inclui investimentos em cotas de fundos dedicados da SPX, JGP, Legacy, Icatu e da própria Itaú Asset. “Por trás da estratégia está tentar se apropriar do ambiente no Brasil de taxas de juros mais altas. Com o mundo da renda fixa voltando a ter a alocação mais relevante, fazia sentido adicionar algo olhando principalmente o crédito privado”, diz Rodrigo Giordano, superintendente da área de fundos de fundos no Itaú.
O ponto de atenção nesse segmento, diz, é o casamento entre ativos e passivos. A escolha do banco foi montar um produto com liquidez em 32 dias após o pedido de resgate do investidor. Dessa forma, pode dar flexibilidade aos gestores para aproveitarem oportunidades no secundário, e também de não ficar reféns de saques em períodos mais adversos. “O gestor consegue construir um portfólio mais casado se tiver um veículo D30 [com saque em 30 dias] ou D60, e tem não só capacidade de carrego de crédito como de operar mais o secundário no Brasil em outras regiões”, afirma Giordano.
Marcelo Segalis, superintendente da área de fundos de fundos do banco, acrescenta que, com menos foco naquele crédito que substitui o risco soberano, dá para agregar um retorno de longo prazo maior para o investidor do que ele teria em produtos mais líquidos. “Não é um portfólio em que o gestor vai carregar os papéis até o vencimento, o que se espera é uma gestão mais ativa.”
Avaliação das garantias é aspecto relevante porque fundo de crédito é pouco volátil até um evento de inadimplência
Por gestão ativa, ele cita, além das atuações no secundário, comprando ativos de fundos sem trava de liquidez, como também arbitragem de juros entre emissões locais e externas, e possibilidade de ficar “vendido” (apostando na desvalorização) em índices setoriais ou regionais, riscos mais refinados, acessando mercados de maior profundidade e liquidez lá fora. O objetivo é entregar rentabilidade adicional de 2%, na média, sobre o CDI, com uma volatilidade oscilando entre 1% e 3%.
No Bradesco, que reúne cerca de R$ 80 bilhões em FoF, comprando cotas de fundos de 150 gestores, já há três de crédito: um “high grade”, destinado a comprar cotas de fundos que compram ativos considerados de melhor qualidade, um “high yield”, com aqueles que têm maior potencial de retorno e risco, além de uma carteira de previdência, diz Adilson Ferrarezi, chefe de soluções de investimentos da Bradesco Asset Management (Bram).
“A classe de crédito no Brasil, especialmente neste ano, teve uma captação líquida extremamente forte. Com juros altos e baixa volatilidade, aliada a bons retornos, se tornou a queridinha dos investidores”, afirma Ferrarezi. Ele cita que, só em crédito, o segmento reúne um patrimônio da ordem de R$ 1 trilhão. “A indústria evoluiu ao longo dos anos, as negociações ficaram frequentes [no secundário], o mercado ficou mais maduro, com negociações na casa dos bilhões. Fazia sentido ter FoF.”
O executivo lembra que, em 2019 e 2020, o segmento de fundos de crédito sofreu alguns problemas – o mais flagrante, a oferta de portfólios com prazo de resgate curto e ativos não tão líquidos na carteira. “Apesar disso, gestores independentes criaram produtos e de fato mostraram estar preparados, com disciplina no processo de investimentos, para lidar com períodos mais complicados”, diz Ferrarezi. “Há o benefício da diversificação, de acessar um mercado em expansão, dando ao cliente a chance de entrar em fundos fechados, que não estão disponíveis nas plataformas em geral.”
A Bram também optou pela tranca superior a 30 dias no FoF destinado a crédito high grade e no de previdência, e de 90 dias no arrojado. A carteira combina dívida local e offshore, com cotas de fundos de gestoras como Ibiuna, Captalys e Empirica. Ferrarezi cita que, quando se fala em crédito, a equipe, além de avaliar as métricas tradicionais, se atém à concentração da carteira, ao tamanho das posições e ao tipo de garantia atrelada aos ativos nas carteiras.
Ele diz ver os gestores mais disciplinados na hora de alocar, e nas emissões primárias tem havido o cuidado de não suprir toda a demanda. Apesar do ciclo eleitoral, o executivo acredita haver espaço para a redução das taxas dos títulos, o que resulta em valorização para os papéis. O estresse global, diante do aperto monetário nos Estados Unidos, tem aberto possibilidades de arbitragem entre emissores que têm dívida emitida no mercado local e no exterior. “É um momento muito oportuno e o FoF mitiga a volatilidade pela frente.” Só em FoF de crédito, a Bram reúne quase R$ 1,9 bilhão.
O BV identificou demanda para um FoF de crédito como mais um componente na distribuição do risco do cliente do private banking, diz Luiz Sedrani, executivo-chefe de investimentos da BV Asset. “Com o Fed subindo os juros e a Selic podendo chegar em 13%, 13,5%, há uma pista de onde vai parar o ambiente de inflação no mundo, e o Brasil pode importar um fluxo grande para a renda fixa, ser meio que uma defesa em relação a países que estão sofrendo [em títulos] com ‘duration’ [prazo médio] maior.”
O veículo foi montado para abrigar cotas de fundos com perfil high grade, compondo também com crédito estruturado, buscando um retorno de CDI mais 1,75%. Enquanto nas demais classes a BV aloca em 13 a 15 fundos, no de crédito a ideia é ficar mais concentrado, com metade disso.
Sedrani diz ver nas carteiras desse conjunto empresas de qualidade, com baixa alavancagem, e os respectivos gestores com uma boa esteira de originação de ativos, análise e monitoramento. Em geral, são portfólios pulverizados e com garantias adequadas. “São nomes óbvios que todo mundo pode ter, e essa é uma segurança adicional porque várias casas olharam”, afirma, sem abrir as gestoras.
Os fundos de fundos são cria dos bancos, que até alguns anos atrás não ofereciam produtos de terceiros aos seus clientes de varejo, mas foram adotando o chamado modelo de arquitetura aberta conforme o avanço da concorrência das plataformas de investimentos. Essas carteiras têm lugar cativo nos serviços de private banking e de gestão de fortunas, funcionando como um centralizador de portfólios, uma facilidade operacional. Outra particularidade é que, em geral, o rebate pago pela distribuição se reverte para o fundo, e isso pode compor o retorno. Assim como o BV, o BNP Paribas criou um veículo para atender carteiras específicas da casa.
Na XP, o fundo de fundos de crédito que existe há algum tempo não encontrou demanda relevante, porque a plataforma dispõe de muita diversidade de produtos nesta classe, diz Leon Goldberg, o sócio responsável pelo relacionamento com gestoras e análise de fundos. Ainda há um fluxo grande para carteiras especializadas em títulos de dívida à medida em que o juro básico brasileiro caminhou para os dois dígitos – atualmente em 13,25% ao ano. “O investidor quer 1% ao mês e ele consegue isso em fundo com liquidez diária. Nos produtos D30, já tem CDI + 1%. A procura mais latente leva a uma oportunidade interessante de criação de produtos pelos gestores.”
O executivo cita que os portfólios destinados à gestão de caixa são eficientes, mas sempre há a preocupação com os momentos de resgates, como se viu no fim de 2019 e durante os primeiros meses da pandemia, em 2020. Nesses casos, Goldberg diz ser importante avaliar a composição da carteira, o quanto é arriscada em termos de duration dos ativos. Vender papéis mais longos num momento ruim de mercado pode significar prejuízo para os cotistas.
Goldberg diz ver apelo para fundos mais longos, com a liquidação em 360 dias após o pedido de saque pelo investidor. A XP criou com as gestoras Riza, Jive e JGP carteiras com esse formato, para investidores que podem deixar os recursos por mais tempo e planejar. “Muita gente deixa o dinheiro estacionado em produtos líquidos, gerando um retorno menor do que poderia ter numa carteira mais alongada.” Nesses veículos, ele diz que a meta de rentabilidade é de CDI + 5%, 5,5% ao ano.
Fonte: Valor Econômico

