A AstraZeneca, a Pfizer e outras empresas multinacionais de medicamentos investiram uma quantia recorde em 2025 em medicamentos desenvolvidos por empresas chinesas de biotecnologia, destacando como as grandes farmacêuticas dependem cada vez mais da China, mesmo enquanto o país enfrenta tarifas dos Estados Unidos.
Segundo um relatório publicado este mês pelo Jefferies, a China respondeu por 18% dos acordos de licenciamento globais com multinacionais até agora neste ano, acima dos 17% do ano passado, atingindo sua maior participação histórica. Um terço do valor total dos acordos veio da China, também um recorde.
Nesses acordos, uma farmacêutica paga a uma empresa chinesa de biotecnologia pelos direitos exclusivos de comercializar um medicamento em estágio inicial, geralmente fora da China. Se o medicamento avançar nos testes clínicos, as empresas chinesas podem receber pagamentos adicionais.
O governo Trump está finalizando tarifas inéditas para o setor farmacêutico global. O presidente Donald Trump afirmou, na semana passada, que essas tarifas, propostas em abril, podem ser anunciadas até o fim de julho. Desde abril, em documentos regulatórios, empresas farmacêuticas alertaram acionistas de que essas tarifas da “Seção 232” representam uma ameaça aos lucros.
“A China está à frente dos EUA”
Embora as farmacêuticas estejam transferindo parte da produção para os Estados Unidos, “do ponto de vista das tarifas, repatriar a manufatura farmacêutica não acontecerá da noite para o dia”, afirmou Mark McClellan, ex-comissário da Food and Drug Administration (FDA), atualmente na Universidade Duke.
“A China está à frente dos EUA” em inovação biotecnológica, o que levanta preocupações de segurança nacional para os Estados Unidos, afirmou. “Existem, sem dúvida, riscos do ponto de vista militar e de biossegurança associados às tecnologias celulares e genéticas mais avançadas.”
Apesar de estarem investindo bilhões de dólares em empresas chinesas de biotecnologia, as farmacêuticas argumentam junto ao governo Trump que não têm uma relação significativa com a China.
A PhRMA, grupo de lobby da indústria farmacêutica, afirmou que a maioria dos ingredientes farmacêuticos importados pelos EUA vem da Europa. Em uma carta enviada à administração Trump em 7 de maio, a AstraZeneca declarou que só importa medicamentos da Europa. “A AstraZeneca não importa medicamentos da China.”
Os lobistas e as empresas não mencionam os acordos de licenciamento com a China em seus argumentos contra as tarifas. Entre as grandes farmacêuticas, a AstraZeneca foi a que mais assinou acordos de licenciamento com biotechs chinesas: pelo menos US$ 13,6 bilhões em acordos com cinco empresas apenas neste ano, segundo um relatório do Morgan Stanley de 15 de julho. Em junho, a AstraZeneca anunciou um acordo de US$ 5,2 bilhões com a CSPC Pharmaceuticals, sediada em Shijiazhuang, para o desenvolvimento conjunto de vários medicamentos.
Empresas farmacêuticas norte-americanas como AbbVie, Merck, Pfizer e Regeneron também assinaram acordos de licenciamento bilionários na primeira metade de 2025.
A Pfizer assinou o maior acordo de licenciamento com uma empresa chinesa neste ano: um contrato de US$ 6 bilhões com a 3Sbio para o desenvolvimento de um medicamento contra o câncer. A companhia afirmou que planeja fabricar o medicamento nos Estados Unidos.
A Pfizer preferiu não comentar além das declarações anteriores do CEO, Albert Bourla, sobre o acordo. A AstraZeneca remeteu às suas declarações anteriores sobre as tarifas dos EUA.
Preços e patentes
Segundo o Jefferies, as farmacêuticas multinacionais estão recorrendo à China porque enfrentam preços mais baixos para medicamentos e o vencimento de patentes de remédios com vendas acima de US$ 1 milhão.
Os laboratórios chineses também estão buscando expandir suas operações no exterior, após serem forçados a reduzir os preços de medicamentos inovadores para serem incluídos no plano nacional de seguro saúde da China — parte da campanha de Pequim para baixar os custos dos medicamentos.
Ao mesmo tempo, uma escassez de financiamento no setor de biotecnologia da China, especialmente grave em 2024, levou as empresas a buscar parcerias com grupos estrangeiros para financiar testes clínicos caros no exterior.
Impactos nas ações da chinesas
As ações das biotechs chinesas têm se beneficiado com isso: o índice Hang Seng Biotech acumula uma valorização de 79% neste ano, superando de longe o retorno de 24,6% do índice de referência Hang Seng.
Trump “prefere o uso do porrete à cenoura” para pressionar as farmacêuticas a reduzirem os preços dos medicamentos nos EUA, afirmou Kirsten Axelsen, pesquisadora do American Enterprise Institute. Mas a China está conquistando as empresas farmacêuticas ao tornar o desenvolvimento de medicamentos mais barato, disse ela. Por exemplo, os testes clínicos estão sendo concluídos mais rapidamente na China do que nos Estados Unidos.
“Todo esse dinheiro [da indústria farmacêutica] foi para a China porque a China investiu em sua indústria, enquanto o governo dos EUA não fez isso”, afirmou Axelsen. “A mensagem ideal para o governo [Trump] seria: quando você investe na indústria de biotecnologia, o mundo segue o exemplo.”
Fonte: Valor Econômico