Por Ciara Nugent e Michael Stott
Em Financial Times — Buenos Aires
29/02/2024 11h30 Atualizado há um dia
O presidente libertário da Argentina, Javier Milei, está pronto para contornar os legisladores hostis que bloquearam suas reformas econômicas e recorrer a decretos e outros poderes executivos para implementar seu radical plano de austeridade.
Sua estratégia para reanimar a economia é amplamente vista como de alto risco, mas Milei descartou as dúvidas durante uma entrevista confiante na Casa Rosada, o palácio presidencial cor-de-rosa da Argentina. Ele disse que está progredindo mais rápido que o esperado em um ajuste fiscal tão drástico que não tem paralelos “não só na Argentina, como no mundo”.
A probabilidade de os argentinos comuns protestarem contra o plano de austeridade é “zero” e sua mensagem ao número cada vez maior de pobres da Argentina é: “Não se sai da pobreza por mágica. Você sai da pobreza com capitalismo, poupança e trabalho duro”.
Um “outsider” político empossado em dezembro com a promessa de reduzir o tamanho do Estado com uma motosserra, Milei surpreendeu a Argentina ao conseguir o primeiro superávit orçamentário do país em 12 anos em janeiro. Isso foi obtido com o corte dos pagamentos às províncias, congelamento de orçamentos e com a não reposição total das pensões e benefícios pela inflação anual, que estava em 254% no mês passado.
Economistas vêm alertando que cortes tão drásticos nos gastos podem não ser sustentáveis. Mas Milei, um ex-economista e comentarista de TV, acredita que tendo derrubado a inflação de um pico de 25,5% ao mês em dezembro, para 20,6% em janeiro, com uma expectativa de 15% para fevereiro, ele conseguirá reverter a economia assolada pela crise ainda neste ano e sem o Congresso.
“Evitamos a hiperinflação”, disse ao autoproclamado líder anarcocapitalista ao “Financial Times”. “Nosso objetivo é continuar reduzindo a inflação… e terminar de limpar o balanço do banco central. Assim que o banco central estiver limpo, pretendemos suspender os controles cambiais… O FMI estima que poderíamos fazer isso no meio do ano.”
A agenda de reformas de Milei enfrentou problemas quase que imediatamente quando o Congresso dominado pela oposição começou a desfazer centenas de medidas de desregulamentação propostas em seu amplo projeto de lei.
Em vez de ter o projeto de lei “destruído”, o presidente o retirou e pretende esperar até as eleições legislativas de meio de mandato, no fim do ano que vem, para tentar novamente com um amplo pacote. Ele disse, porém, que não vai esperar tanto tempo para prosseguir com grandes partes de sua agenda de reformas – e que está pronto para fazer isso sem o Congresso.
“Há outras reformas que podemos fazer por decreto… mudando a aplicação das leis e tudo o que faremos”, disse Milei. Ele observou que cerca de um terço de suas 1.000 medidas de reforma propostas foram incluídas em um decreto emergencial que permanecerá em vigor, a menos que as duas câmaras do Congresso votem pela sua rejeição.
“Mas embora o Congresso tenha sua composição atual, acreditamos que será difícil aprovar reformas porque o que ficou claro com o projeto de lei de reforma econômica é que os políticos… não têm problema em prejudicar os interesses dos argentinos para manter seus privilégios”, afirmou.
Milei admitiu que “no longo prazo o Congresso é necessário”, mas insistiu que os níveis de investimentos historicamente baixos na Argentina significam que as empresas poderiam obter grandes retornos no curto prazo com apenas pequenos gastos de capital.
O presidente acredita que suspender os controles cambiais abrirá um círculo virtuoso de recuperação econômica. “Poderíamos ter muitos investimentos, ainda que sem mudanças institucionais… e isso poderá ser o ponto de decolagem para que no ano que vem a Argentina cresça de uma maneira forte e sustentável, e com inflação baixa.”
Isso, acredita ele, permitiria ao seu partido, o La Libertad Avanza, fundado há apenas dois anos e meio, conquistar mais cadeiras no Congresso nas próximas eleições de meio de mandato. Então, ele tentaria legislar novamente. “Estamos prontos para enviar de volta todas as reformas após 11 de dezembro de 2025. Enviamos 1.000, mas ainda temos outras 3.000 para apresentar.”
Enquanto isso, Milei continuará enviando propostas de reformas fragmentadas para o Congresso para expor o que ele chama de jogos políticos da “casta” de políticos profissionais do país. “Aqueles que votarem contra serão identificados como inimigos da mudança”, disse ele.
Apesar do aumento crescente da pobreza e da oposição do poderoso movimento operário dominado pelos peronistas, Milei continua confiante de que sua popularidade e sua franqueza com os argentinos antes das eleições, sobre a necessidade de uma mudança econômica dolorosa, irão ajudá-lo.
“A palavra que melhor representa este governo é esperança”, disse ele, afirmando que pesquisas mostram uma proporção crescente de argentinos que acreditam que a economia estará melhor em seis meses.
A Argentina enfrenta pagamentos de US$ 5,5 bilhões a detentores de bônus externos e privados em 2025, e com suas reservas ainda insignificantes, o país corre o risco de dar outro calote se não conseguir refinanciar a dívida, regressando aos mercados de capitais internacionais.
Milei disse que a Argentina estará em condições de fazer isso no ano que vem. “Se mantivermos um déficit zero, é claro que poderemos conseguir isso”, disse ele.
Segundo um relatório da consultoria Invecq, quase metade do ajuste fiscal que o governo fez para alcançar um superávit em janeiro resultou da não correção total dos gastos com pensão e sociais pela inflação, embora alguns pagamentos de seguridade social, como vale-refeição e benefícios a crianças, tenham aumentado.
Analistas alertam que a chave para o sucesso de Milei será quanto tempo os argentinos mais pobres, que já sofrem com os aumentos desenfreados dos preços, vão tolerar essas medidas. A confederação dos sindicatos da Argentina já realizou uma greve geral nacional contra seu governo e várias manifestações menores vêm ocorrendo.
Mas o presidente disse não temer a agitação generalizada do tipo que atingiu o vizinho Chile em 2019, quando protestos contra a desigualdade e os serviços públicos ruins se transformaram em tumultos de rua, paralisando o país por meses. “A probabilidade de uma revolta social é zero, a menos que haja um evento politicamente motivado ou um que envolva infiltrados estrangeiros”, disse ele.
Milei afirmou que ativistas da Venezuela e Cuba participaram de protestos recentes disfarçados de fotógrafos. “Os governos esquerdistas trabalham juntos para tentar sabotar aqueles que não são como eles.”
Milei vem priorizando aliança com “países que defendem a liberdade”, incluindo os EUA, Israel – que ele visitou este mês – e a Ucrânia, para a qual ele doou dois helicópteros militares de fabricação russa.
Milei disse que pretende sediar uma “cúpula de apoio da América Latina” à Ucrânia ainda este ano, marcando uma grande diferença com outros líderes regionais, como os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do México, Andrés Manuel López Obrador, que vêm adotando uma posição mais neutra.
Uma aliança crucial para a Argentina é com os EUA, o maior acionista do Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto este avalia quanta flexibilidade proporcionará ao governo de Milei nos próximos anos, sobre o empréstimo de US$ 44 bilhões que o país luta para pagar, e também se vai emprestar mais.
Na sexta-feira passada, o presidente recebeu o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Buenos Aires, mas no dia seguinte Milei voou para Maryland para discursar em uma conferência política conservadora e nos bastidores abraçou o adversário do presidente Joe Biden nas eleições deste ano, Donald Trump. “Espero que da próxima vez que nos encontrarmos, você seja o presidente”, disse Milei a Trump em um vídeo do encontro compartilhado por assessores dos dois líderes.
“Não foi uma reunião bilateral ou uma situação premeditada, foi como se dois amigos se encontrassem”, disse Milei sobre a conversa. “Meu alinhamento é com os EUA… estejam os democratas ou os republicanos no poder, independentemente das minhas preferências.”
Economista profissional antes de entrar na política, Milei disse que os pensadores do livre mercado da escola austríaca de economia estão entre as suas influências mais importantes e rejeitou o que ele chamou de “lixo keynesiano”, que defende uma maior intervenção governamental.
Confiante nas suas bases ideológicas, o presidente outsider rejeitou a ideia de que sua terapia de choque econômica é arriscada. Ele concluiu: “Por que seria arriscada, quando estou fazendo exatamente o que os manuais dizem que preciso fazer”?
Fonte: FT / Valor Econômico

